Albinos são vendidos por até R$ 160 mil para rituais de magia na Tanzânia
Amanda Campos
Said Abdallah foi atacado por homens e teve parte do braço decepado; acredita-se que albinos possuam poderes mágicos
Para uma menina da área rural do país africano da Tanzânia, a pequena Pendo Emmanuel era bem exótica.
A pele branca e os olhos claros a diferenciavam das outras crianças de 4 anos da cidade de Mwanza, localizada no norte do país. Características que fizeram com que a pequena se tornasse alvo de um grupo que pode ter sido responsável pela venda de pessoas albinas no mercado clandestino para rituais macabros.
"Homens a tiraram da casa da família enquanto ela dormia. Infelizmente, o caso [de Pendo] não é isolado. O pai dela está entre os suspeitos do crime", afirma ao iGSeverin Edward, da Sociedade Tanzaniana de Albinismo (TAS, na sigla em inglês).
Para muitos tanzanianos que vivem nas zonas rurais do país, os albinos possuem poderes mágicos: rituais com partes de seu corpo podem trazer sorte e riquezas. Segundo Edward, muitos deles são submetidos a amputações do corpo, como braços, olhos e órgãos genitais, ainda vivos, porque os bruxos creem na potencialização da mágica por meio da dor e do sofrimento dessa parcela da população. Paga-se o equivalente a R$ 160 mil por albino nesse mercado.
Albinismo
Na Tanzânia, uma em cada 1.400 pessoas tem albinismo – alteração genética caracterizada pela falta de pigmentação no corpo. A média global é de uma para cada 20 mil pessoas, de acordo com a Under the Same Sun, grupo de defesa do albinismo com sede no Canadá.
Segundo especialistas, há uma grande incidência de endogamia – casamento entre indivíduos do mesmo grupo social –em comunidades remotas do país, o que pode explicar a alta incidência de albinos.
Edward explica que a população de 35 mil albinos do país convive diariamente com o medo. Desde 2006, ao menos 152 casos de agressão foram registrados, 74 deles por assassinatos. Houve ainda 58 ataques brutais que deixaram albinos sem membros, como braço e perna, e com cicatrizes permanentes.
Esse foi o caso de Said Abdallah, de 47 anos. Enquanto trabalhava no campo, em 2010, dois homens se aproximaram pedindo tabaco. Quando o tanzaniano deixou a enxada de lado para tatear os bolsos da calça em busca do cigarro, foi golpeado por um deles na cabeça e caiu inconsciente. Quando se restabeleceu, notou que seu braço esquerdo havia sido arrancado bem abaixo do cotovelo.
"Foi uma grande sorte eu ter sobrevivido. Perdi muito sangue e como estava em uma fazenda, poderia ter morrido sem ninguém notar. Ainda sinto muito medo de sair sozinho. Só vou normalmente até a casa da minha irmã. Lá é o único lugar onde sinto medo de cachorros, e não do ser humano", explica Abdallah.
Zonas de perigo
A Sociedade Tanzaniana de Albinismo aponta que as áreas costeiras de Mwanza, Shinyanga, Kagera, Simiyu, Geita e Tabora têm sido cenários para os principais crimes cometidos contra os albinos. Mas especialmente este ano, essas fronteiras devem aumentar. De acordo com a Organização das Nações Unidas, as eleições presidenciais podem provocar aumento da violência contra o grupo, já que muitos candidatos e ativistas políticos recorrem a feiticeiros influentes para obter ajuda.
"Queremos abordar a questão do rapto e assassinato de albinos de uma vez por todas, proibindo que pessoas sem escrúpulos continuem matando os albinos e enganando os outros ao dizer que eles podem ficar ricos rapidamente ou se tornarem integrantes do parlamento por meio de bruxaria", disse Mathias Chikawe, ministro dos Assuntos Internos da Tanzânia ao jornal "The Telegraph".
A adolescente Pendo Sengerema ao lado da avó em hospital da Tanzânia. Ela teve o braço decepado quando saía de casa (arquivo). Foto: Tanzania Albinism Society
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"As pessoas também devem entender que a única maneira de se tornar rico é por meio do trabalho duro, e não de encantamentos."
Investigações em lugares remotos
O ministro dos Assuntos Internos da Tanzânia tem priorizado as investigações em comunidades mais afastadas, a fim de resolver o problema. A força-tarefa, que começou em janeiro, teve início em áreas onde os ataques têm sido mais comuns, segundo Chikawe.
Mas Edward afirma que o governo não tem dado assistência às vítimas do país. "Não tem havido uma política séria para acabar com os assassinatos, caso contrário eles já teriam terminado. Os sobreviventes levam uma vida terrível e o governo não se importa com eles", afirma.
No caso de Said Abdallah, os criminosos jamais foram encontrados. Mas deixaram uma marca que Abdallah afirma ser mais profunda do que a evidência da mutilação: o fim de sua independência. Ele não consegue mais trabalhar no campo e é sustentado pelos familiares. Solteiro, ele também optou por não se casar ou ter filhos temendo pela integridade da criança, que teria grandes chances de nascer albina.
"Nas áreas rurais, quando há um albino entre os parentes, todos ficam com medo. Há casos de parentes que foram mortos tentando protegê-los", lembra Edward.
Abdallah admite, porém, que o apoio foi fundamental. Apesar dos preconceitos e da violência que sofreu, "sempre tive ótimos amigos. Especialmente meus vizinhos. Eles me dão apoio e força para seguir em frente", diz.
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