Roberto Rillo Bíscaro
A terceira temporada de House of Cards será disponibilizada pela Netflix em 27 de fevereiro. Pra entrar no clima da raposice política, vi a versão britânica: 3 temporadas de 4 episódios cada, exibidas em 1990, 93 e 95, com os títulos House of Cards, To Play the King e The Final Cut.
Por razões formais e contextuais a versão britânica tem
mais ressonância e poder que a norte-americana. A dúzia de capítulos de toda a
série inglesa não dá uma temporada da Netflix e o maquiavelismo de Francis
Urquhart é tão grande e as ações tão centradas nele, que seu colega FrancisUnderwood – que tem que dividir mais seu tempo com outras personagens – fica
meio com cara de reprodução (ninguém mandou os ianques adaptarem os livros
depois da BBC). Some a folhetinização da segunda temporada americana e a
britânica fica ainda com mais jeito de thriller político.
House of Cards conta a ascensão dum sociopata ao poder
através do voto. Após o longo mandato de Thatcher, Urquhart começa sua escalada
pra se tornar Primeiro-Ministro. Tory como a Dama de Ferro, Francis radicaliza
a experiência neoliberal thatcherista, produzindo um reino onde a desigualdade
social é gritante e vale tudo, até estourar guerras pra assumir e se manter no
topo.
No “berço da democracia”, pra usar os termos da produção,
Thatcher – execrada carta fora do baralho já na época - é fartamente
mencionada, inclusive com controverso funeral, quando a política ainda vivia.
Supercorajosas e garantidoras da liberdade de expressão a BBC e a Inglaterra,
não? Só que no mundo de Urquhart o chefe de estado é um rei, bem parecido com o
Príncipe Charles. Melhor não mexer com mamãe Bebeth, tá? Parece que se pode
falar tudo, SQN, queridos.
E Francis parte pra cima do rei, sem intenção de
derrubar a sagrada Monarquia, mas cioso de manter seu mando absoluto.
Ao assumir o poder por meios espúrios, conservá-lo
mediante qualquer estratagema sem compromisso ético entre governo e povo, a
personagem e a série atingem status de Shakespeare pra TV, sem exagero. Ricardo
III e Macbeth vêm à mente. Essas reverberações artístico-históricas deixam a
versão ianque no chinelo; não por culpa dos roteiristas/produtores da Netflix,
mas pelo Bardo ter nascido em Stratford Upon Avon e não em Paris, Texas e pelo liberalismo/capitalismo
terem sido gerados na ilha. Sorry, luv.
As terceiras e quartas intenções, sentimentos íntimos,
culpas, ironia e incertezas de Francis são comunicadas através de apartes e
solilóquios, convenções fartamente usadas por Shakespeare numa época em que não
se dava bola pra quarta parede.
O final surpreendente assume tons de tragédia
elizabetana, quando Elizabeth – uma Lady Macbeth sem vestígio de culpa e com
nome da Rainha, atentem a isso – explica a inevitabilidade do desfecho.
O finado Ian Richardson não deixa pedra sobre pedra;
seu Francis é perfeitamente odioso, mas não dá pra não sorrir quando ele
levanta as sobrancelhas ou faz muxoxo quando compartilhamos alguma ironia
dramática.
O ator não estava só; o elenco todo é fera ferina. Como
não temer a pétrea Elizabeth, de Diane Fletcher? Considerando que a trupe quase
toda tinha experiência shakespeariana nos palcos Reais, esperar o que
mais?
A imprescindível House of Cards inglesa pode ser vista
no You Tube, com legendas em espanhol.
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