terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

TELINHA QUENTE 150


Roberto Rillo Bíscaro

Há anos vi um telefilme chamado Goodnight, Mister Tom (1998), sobre um garoto evacuado dos bombardeios a Londres na 2ª Guerra. Ele vai pro campo e conhece o velho rabugento do título. Chamou a atenção o trabalho de John Thaw, até então desconhecido. Sua risada me fez pensar que ele fumava bastante, devido à qualidade raspada do som.
Ao pesquisar sobre o ator, descobri que falecera de câncer em 2002, devido ao excesso de bebida e cigarro. Descobri que Thaw era idolatrado em sua nativa Inglaterra, que tivera carreira longeva na TV, fora condecorado com alguma ordem Real. Biografia e amostra de atuação despertaram minha curiosidade e busquei mais material.
Entre 1987 e 2000, Thaw protagonizou Inspector Morse, que contou com 33 episódios entre temporadas regulares (curtas: 3, 4 episódios) e especiais. A duração de longa-metragem provavelmente determinava a brevidade das temporadas. Muitas das histórias são adaptações dos livros de Colin Dexter, que criou um inspetor-chefe na tradição britânica das histórias de detetives, onde a lógica, retenção de informações pro público e esnobismo são ingredientes constantes.
Morse é um investigador irrealisticamente conhecedor profundo de todas as formas de arte erudita – não que policiais não possam ser cultos; Morse exagera nas citações e na detecção de pistas a partir de quadros Pré-Rafaelitas e por aí afora.
Seu Watson é o Sargento Lewis, simpaticamente interpretado por Kevin Whately. Muito mais gostável do que Morse, o sargento cumpre a função de ser mais ligado ao espectador médio, de fazer a parte mais braçal das investigações, de dar pistas e desvendar mistérios sem saber e, com tudo isso, abrilhantar mais a engenhosidade do superior hierárquico.
Viciado em cerveja e palavras-cruzadas, o solteirão Morse esconde o nome de batismo numa das características mais infantis da série. No penúltimo episódio descobrimos que nem Lewis sabia. Ah, me dá um tempo, né? Não há registros de contratação, planos de saúde e toda espécie de documentação que nos identifica a todo instante? Que espécie de detetive é Lewis que não tem iniciativa de sequer pesquisar num cadastro laboral? E o distintivo que o policial usa pra se identificar pros contribuintes não tem que levar o primeiro nome de Morse? Que aliás, é Endeavor, pronto, chega de frescura.
Atuando em Oxford, grande parte das tramas envolve alguma faculdade da venerável universidade, da qual Morse é egresso.
Se me pedissem recomendação dalguma série detetivesca com episódios mais longos e elaborados, Morse não seria minha primeira sugestão. A norueguesa Varg Veum é muito mais bonita plasticamente, as tramas mais interessantes, com ritmo e resoluções geralmente melhores. Inspector Morse tem seus momentos, mas não me marcou a não ser pelas excelentes interpretações.
Como todos os episódios estão picotados no You Tube – sem legendas -, fiz como em Varg Veum e comentei sobre cada um.

The Dead of Jericho
Uma colega de coral de Morse, pela qual ele nutre ambições sentimentais, é encontrada pendurada, mas o Inspetor desconfia do suicídio. Logo, um vizinho que costumava espionar a morta é assassinado; claro que os 2 casos estão ligados. História que tenta ser intelectualizada fazendo referência ao Èdipo sofocliano, mas a reviravolta final afasta-a do tema. Algumas coisas acontecem aleatoriamente e a conclusão é algo confusa. Não prendeu muito minha atenção. The Silent World of Michael Quinn
Gostei desse episódio que envolve a morte dum examinador do comitê de avaliações de entrada da prestigiosa Oxford. As ações ocorrem com bom encadeamento, tem reviravolta final crível e ainda Clive Swift, no elenco. Ele depois trabalhou numa sitcom britânica sobre a qual comentarei qualquer dia, a impagável Keeping Up Appearances. Service of All the Dead
Um assistente de igreja é encontrado morto e sucedem vários assassinatos. No começo, gostei, porque tem boas tomadas dentro e no telhado da igreja, há mortes e mistério. Mas, do meio pra frente comecei a mudar de ideia. Nunca temos chance de perceber o que acontecera; tudo é explicado por Morse, que passou boa parte do episódio cego pras pistas devido a seu interesse por uma das vítimas/suspeitas. Uma das mortes envolve identidade trocada; será que a polícia de Oxford acredita apenas na palavra de 2 pessoas e pronto, simples assim? The Wolvercote Tongue
Num grupo de turistas ianques em Oxford, uma das ricaças é encontrada morta. As coisas se complicam quando se descobre que ela é dona duma joia medieval a qual alude o título (nossa, que joia feia!). Mais complicação: seu marido some e é visto com uma jovem, além de um dos tutores da excursão aparecer flutuando no rio. Os eventos têm conexão? Isso é o que preocupará Morse e Lewis quase o episódio todo. Até que gostei, porque temos alguma chance de participar da trama enquanto ocorre e não apenas sermos informados no relatório final, quando Morse explica suas deduções a Lewis. Last Seen Wearing
A investigação duma adolescente desaparecida faz Morse e Lewis discordarem pela primeira vez. Episódio lento, mas bom, embora o final peque um pouco por não explicar como Morse teve a brilhante dedução sobre o paradeiro da guria. Difícil de engolir que alguém guardara tiras recortadas duma carta forjada na escrivaninha do quarto, heim? The Setting of the Sun
Num jantar em Oxford, no qual Morse está presente, um estudante japonês passa mal e momentos depois é achado morto em seu quarto. Quando traços de droga são encontrados a situação se complica. Episódio terrivelmente lento e palavroso. Já tô me acostumando a não ter chance de tentar decifrar o mistério, inteiramente narrado por Morse ao final; mas pelo menos podia acontecer mais coisas, né? E esse azar do Morse com mulheres é estranho; tudo bem que vez ou outra acontece, mas John Thaw não era tão feio a ponto de ninguém querê-lo. Last Bus to Woodstock
Adolescente pega carona numa noite chuvosa e aparece morta no pátio duma lanchonete onde deveria se encontrar com um paquera. Primeiro episódio do qual realmente gostei, porque temos a oportunidade de desvendar o mistério – ou parte dele – enquanto a ação se desenrola e não apenas através da narrativa genial de Morse. Ghost in the Machine
Um roubo de quadros numa mansão culmina no achado do corpo dum lorde espancado até a morte na capela de sua propriedade. Suicídio ou assassinato? Tirando o tom esnobe de certas passagens, outro bom episódio, onde também podemos intuir sem sermos tão alfabetizados no caso pelo sempre professoral Morse. O Inspetor-Chefe afirma que a aristocracia sempre manteve quartos separados. Será? Lord e Lady Grantham dormem juntinhos!    The Last Enemy
Outra história envolvendo o “malvado” meio acadêmico oxfordiano. Um corpo mutilado é encontrado no rio que banha Oxford e uma tediosa história de intriga acadêmica se segue. Muita falação pra pouca coisa interessante acontecendo. Deceived By Flight
Um antigo colega de república de Morse o contata pra, no dia seguinte, ser descoberto eletrocutado. Paralelamente, num campeonato universitário de críquete coisas estranhas começam a ocorrer. Os 2 fatos estão interligados? 2 mulheres dando em cima de Morse? A essa altura já tinha dado pra notar que mulher interessada nele resultará em culpa/desvio de atenção/vitimização. Bom episódio, apesar do tedioso jogo de críquete, longo demais, mas necessário, reconheço. Acho que esse episódio foi filmado em 1989. Alguém aparece segurando o que parece ser um celular da época. Nossa, que tijolaço! The Secret of Bay 5B
Um mulherengo chantagista é encontrado estrangulado em seu carro. Episódio consistente quase todo de interrogações de suspeitos. Não rola muita coisa, meio enfadonho. The Infernal Serpent
Gostei bastante desse episódio com título citando John Milton. Um palestrante que daria conferência-denúncia aparece morto e a história segue com uma corporação que manipulou alimentos, menções ecológicas e ao Greenpeace, mas também uma sub-trama envolvendo traumas familiares. Mais tenso que o usual, esse episódio tem até corre-corre! No elenco, Tom Wilkinson – mencionado no blog nas resenhas de John Adams e The Best Exotic Marigold Hotel. Papel pequeno, mas sempre é bom ver rostos conhecidos e gostados. The Sins of the Fathers
Esse episódio, de 1990, deve ter sido muito influenciado pelas produções 80’s focadas nos ricos e glamorosos, tipo DALLAS e Dynasty. Herdeiros duma tradicional cervejaria começam a aparecer afogados no malte e então somos introduzidos a um mundo de riqueza e preocupações com ações, heranças, além de adultérios e casamentos infelizes. Cabelões jubados, diálogos mordazes, virada de trama bem bolada; gostei.   Driven to Distraction
Uma jovem é descoberta sem vida e suspeita-se dum assassino em série. Morse obstina-se em capturar o dono duma agência de autos como culpado e boa parte do excelente episódio consiste nesse jogo de gato e rato. Masonic Mysteries
Num ensaio pra Flauta Mágica, de Mozart, um interesse romântico de Morse é assassinado e tudo leva a crer que o criminoso é o próprio inspetor-chefe, cuja situação complica-se kafkanianamente num episódio eletrizante, que envolve paranoia contra a maçonaria e sociopata genial. Tô curtindo mais agora que os roteiros não são adaptações de Colin Dexter! Second Time Around
Na noite após celebrar sua aposentadoria, um detective é assassinado. Ele escrevia um livro sobre seus casos mais famosos, dentre eles o assassinato duma garotinha de 8 anos. O passado dá as caras num episódio que começa monótono, mas logo engata e surpreende. Fat Chance
Uma aspirante ao sacerdócio na Igreja Anglicana – pelo qual enfrenta ferrenha oposição dos conservadores – cai morta enquanto fazia seu exame de admissão. O patologista não consegue identificar uma das substâncias e Morse arrasta as asas pruma suspeita, responsável por um abrigo pra mulheres problemáticas. Ritmo irregular, personagens e trama desinteressantes fazem deste um episódio fraco. Who Killed Henry Field?
Parece aqueles episódios do começo, de tão chato! Um pintor é encontrado morto e no fim somos brindados com uma explicação prolixa e forçada no que diz respeito a como Morse conclui quem são os assassinos (há mais de um crime). Greeks Bearing Gifts
Um imigrante grego é assassinado e desenrola-se episódio onde Morse prova que conhece cultura clássica e parece que haverá pederastia (combina com Grécia Antiga, né?). Mantém o interesse, ainda que não dê pra rir da coincidência do Sargento Lewis estar fazendo um curso de grego (pra quê??) justamente durante essa investigação. Forçação de barra, heim? Promissed Land
Morse vai à Austrália em episódio que tenta emular o clima de Sul dos EUA e certa dose pequena de filme de faroeste em algumas tomadas. Gostei da história sobre vingança e erro na eleição de culpados, mas a ambientação deixou a desejar. Escolhi ver o show pelo climão britânico, oras! Dead On Time
Um respeitado e respeitável acadêmico oxfordiano aparentemente se suicida, mas depois do inquérito confirmar essa hipótese, seu médico procura Morse e diz que a doença degenerativa do defunto não lhe permitiria sequer levar o revolver ao ouvido. A viúva fora noiva de Morse e a essa altura da série já prevemos o destino das mulheres que se envolvem com o Inspetor-Chefe. Grande episódio, que mantém o interesse o tempo todo e tem ainda vingança e Morse agindo como acusa outros de o fazerem. Happy Families
Membros duma aristocrática família que se odeia começam a morrer e Morse a ser perseguido por paparazzi, devido à visibilidade dos envolvidos. Seria ganância corporativa ou querela familiar? Bom episódio, da estirpe “dinheiro não traz felicidade” e “sempre desconfie de bonzinhos demais num filme policial”! The Death of the Self
Num acampamento onde endinheirados queimavam objetos pra simbolizar o passado e passavam por sessões de autoajuda, uma mulher é encontrada empalada numa árvore. Morse vai à Itália, num episódio visualmente lindíssimo, mas não muito interessante envolvendo iluminuras renascentistas e, claro, ópera. A Itália é cenário constante na literatura inglesa (ver exemplo aqui), daí a escolha da locação.   Absolute Conviction
Numa prisão-modelo, um fraudador é assassinado e Morse e Lewis têm que adentrar o mundo carcerário pra desvendar o autor do crime e sua real implicação, claro, bem distante do que parecia no início. Bom episódio com a participação do ótimo Jim Broadbent e pela primeira vez com canção pop de fundo, algo que soa muito com Stock, Aitken & Waterman.   Cherubim and Seraphim
A sobrinha de Morse comete suicídio e aos poucos ele liga o dela a outros casos de adolescentes tirando suas vidas na região. Paralela, desenvolve-se a trama duma nova droga. Como tudo transcorre em meio à cultura rave de início dos anos 90 não é difícil adivinhar a ligação das histórias. Em termos de narrativa policial é o episódio mais primário da série, pois a mensagem social de pânico perante a explosão acid house dá o tom: mais drama do que história de detetive. A trilha sonora é uma delícia! Deadly Slumber
Brian Cox participa deste envolvente episódio que envolve erro médico provocado por ganância e vingança.   The Day of the Devil 
Um satanista escapa da prisão e coloca Oxford em alerta porque um dia importante pro culto ao demo se aproxima. Outro episódio que mantém o interesse; só não espere terror, a série é de detetive inglês. Twilight of the Gods
Outro episódio envolvendo o mundo operístico, a começar pelo título. Uma diva é baleada durante evento em Oxford e como Morse a idolatra, se mete no caso. Mas, existe alguma relação com o jornalista encontrado morto no rio? Demora pra engatar e quando as tramas paralelas parecem se juntar, já era tarde pra curtir mesmo. Interessante Morse constatar que artistas não são seres acima de nós, especialmente a diva gritona e que curte bofe novo. The Way Through the Woods
Um presidiário confessa ao padre que lhe dá extrema-unção, que o assassinato duma moça cujo corpo jamais fora encontrado, não era obra dele. Morse sempre suspeitara disso e o caso fora investigado pelo Sargento Lewis e outro Inspetor. A fricção entre Lewis e Morse e as pistas pra conclusão-surpresa constituem parte do interesse do episódio, bem assistível. Esse Morse entende de cultura mesmo, heim? Até pintura Pré-Rafaelita serve como pista! O que fez que não acabou professor em Oxford, ganhando mais do que como policial? The Daughters of Cain
Um acadêmico de Oxford é encontrado morto. Ele mantinha relação com uma mulher que podia ser sua filha, que por sua vez tem uma mãe espancada pelo marido, que por sua vez tinha um histórico com o defunto. E a professora com doença terminal no cérebro? O que ela quer com seu aluno adolescente delinquente? Tudo separado e misturado nesse bom episódio que ecoa em menor escala um famoso desfecho de Agatha Christie. Death is Now My Neighbour 
Vizinhos numa calma viela começam a morrer, paralelamente a uma importante eleição numa faculdade oxfordiana. Muito bom esse episódio que tem uma cena e comportamento dum acadêmico que deixaria JR Ewing orgulhoso! È aqui que o nome de batismo de Morse é revelado. The Wench is Dead
Forçado a ficar num hospital devido a problemas estomacais por beber demais, Morse encasqueta que um caso de mais de 150 anos havia sido mal julgado e consegue provar isso. Episódio chato e forçado, que balança entre passado e presente, mas teria sido muito mais legal se, por exemplo, Morse sonhasse ou imaginasse estar na cena do crime e nos poupasse de tantas idas, vindas e “deduções” mirabolantes. The Remorseful Day
A investigação sobre o assassinato duma ninfomaníaca é reaberta depois que corpos começam a se empilhar. Único interesse realmente é se tratar do derradeiro caso de Morse, deixando janela pra série protagonizada por Lewis, agora Inspetor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário