quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

TELONA QUENTE 114


Roberto Rillo Bíscaro

Há quem acredite que a morte chega na hora certa. Não discutirei a crença, mas quando penso em quantas boas atuações a morte tão etariamente prematura de Philip Seymour Hoffman nos surrupiou sinto raiva dela. Especialmente depois de ter visto God’s Pocket (2014) - um de seus derradeiros trabalhos – que quase só vale pelo elenco.
Estreia na direção do ator John Slattery, de Mad Men, God´s Pocket foca uma comunidade de classe baixa nos EUA recessivos de fins dos anos 70. Um jovem racista é morto na construção onde trabalha e os colegas encobrem a causa real pra proteger o negro discriminado que perpetrara o crime. Seu padrasto, envolvido com ações ilegais, passa boa parte do filme tentando enterrar o filho, ao mesmo tempo que um desiludido colunista de jornal descobre o caso e entra na história, mas complica-a ainda mais, porque se interessa pela esposa do já problemático Mickey.
A repulsividade de praticamente todas as personagens ate é de certo modo contornada, porque entendemos que muito de suas (más) ações nasce da desilusão e da sensação de inescapabilidade encetada pelo meio. Nesses termos, uma dose de tragédia moderna poderia se esperar, mas a escolha de intercalar momentos de suposto humor aguou tudo: primeiro, porque as situações são conduzidas com tanta graça quanto uma sessão de higiene íntima e segundo, porque as diferentes convenções pretendidas se cancelam, produzindo uma película que apenas mostra boas tomadas e situações, mas nunca decola, porque jamais nos importamos com ninguém.
A filiação televisiva do diretor deve justificar porque tomadas e caracterização de personagens lembrem tanto Os Sopranos, exceto que vale mais assistir a um capítulo da excelente série.
A redenção de God’s Pocket vem através do elenco, liderado por Hoffman e que ainda traz Richard Jenkins, que não consegue salvar sua personagem nem com seu usual brilho. Como acreditar no “romance” tão súbito e mal desenvolvido entre o jornalista e a mulher de Mickey?
Se não fosse pelos atores, terminaríamos God’s Pocket tão miseráveis quanto seus personagens.
  

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