Roberto Rillo Bíscaro
Tenho vaga lembrança dum programa global de quando
pirralho, nos anos 70. Nome marcante como Rhoda (imagine prum menino
brasileiro, ouvir isso!) e um senhor grisalho meio bobão com voz empostada. Emocionalmente
é só isso que recordo, porque acho que nem gostava – adulto demais pros meus
menos de 10 anos. Racionalmente sei que se tratava do influente The Mary Tyler
Moore Show, exibido pela CBS entre 1970-77.
4 décadas após essas parcas memorias em branco e preto
(só tive TV colorida a partir de 1986), vi os 168 episódios. Amei e compreendi
o porquê de sua constância em listas de shows mais influentes. Desbravador,
definidor de convenções do formato usadas até hoje, bem atuado, MTM (vamos
abreviar) é um prazer que funciona mesmo hoje, quando as insinuações sexuais
dos 70’s não chocariam nem um prè-silábico e os preços considerados absurdos em
alguns episódios são de graça na segunda década do século XXI, mesmo no Brasil
do dólar a 3 reais. O público talvez boiasse com alusões a Nixon; mas a recessão
econômica é tão atual!
Algumas situações resultam
desconfortáveis pra era das denúncias de assédio moral/sexual, como quando Ted
espalha que estava tendo um relacionamento com Mary – sugerindo mesmo coito – e
o conselho que ela recebe do chefe Lou é ”não ligar pra opinião alheia” e a própria não
toma atitude, resolve (perdoa) tudo na conversa.
Típico de sitcoms: tudo se resolve na prosa. Murray
encasqueta que quer um filho, a mulher não quer mais engravidar depois de 3
meninas, eles brigam, Murray sai de casa, ele percebe que está sendo
irredutível e tolo, o casal decide adotar e aparece com um garoto vietnamita já
bem grandinho que uma família não pôde adotar. Tudo em menos de 25 minutos; é a
mágica liberal da resolução dos problemas mediante diálogo!
Mary Richards é uma trintona que vem a Minneapolis
trabalhar como produtora dum telejornal. A novidade – na década da Liberação
Feminina – era o protagonismo feminino nessa faixa etária numa personagem que
colocava a carreira antes dos relacionamentos pessoais. Não que Mary fosse
virginal – ela possuía encontros e namorados – mas não ambicionava arrumar marido,
como sua melhor amiga, Rhoda, que apesar do gênio forte e da independência,
tinha em sua mente apenas arrumar um homem pra chamar de seu.
MTM discutiu temas
importantes como desigualdade salarial devido ao gênero, greves e sindicatos
(isso ocorreria hoje?), relacionar-se com mulheres com bastante “experiência”, a
possibilidade de amizade entre uma mulher casada e um homem, um homem ir ao
casamento de sua ex-esposa, além duma personagem ser reconhecida como gay sem
polêmica, juízo negativo ou cômico atrelado. O próprio uso do termo gay era
novidade na época. MTM fez muita coisa.
MTM aperfeiçoou o conceito da personagem secundaria com
traços próprios e gostável ou que o expectador ama não gostar ou odeia adorar.
Rhoda, Phylis e Lou Grant ganharam séries individuais, as 2 primeiras ainda
durante a exibição bem sucedida de MTM. Quando as 2 amigas de Mary ganharam
seus programas os roteiros passaram a salientar as vidas e ações ao redor da
WJM, pequena estação de TV onde Mary trabalha com o rabugento Lou Grant, o
piadista simpático Murray, o âncora canastrão vaidoso e burro Ted Baxter e a
ninfomaníaca Sue Ann Nivens (Betty White interpretando o oposto de Rose Nylund,
incrível!)
E que elenco pra encarnar essas e outras personagens!
Todos dão banho de interpretação e paparam diversos Emmys, além de terem
permanecido em evidência mesmo após o término de MTM. A única a jamais emplacar
outro sucesso foi Mary Tyler Moore, que tentou diversos shows sem passar da
primeira temporada. Betty White brilhou em Super Gatas e ainda hoje nonagenária
está em Hot in Cleveland; Gavin McLeod foi ser capitão no Barco do Amor e assim
por diante.
Como em toda sitcom que não segue história com
desenvolvimento das personagens, de vez em quando há incongruências entre o que
personagens fizeram e o que estamos vendo. Isso porque os episódios são
independentes, mas quem vê tudo percebe. Exemplo é Ted falar pra Mary ler sua
autobiografia e ela afirmar que não a lera. Mentira, porque numa temporada
anterior, a própria Mary ganha dindim extra datilografando o texto de Ted.
Até no derradeiro capítulo, MTM iniciou tendência seguida
por tantos shows, vide The Golden Girls. É o padrão da vitória do menos provável
a se dar bem.
A abertura ficou tão icônica que a cidade de Minneapolis
dedicou estátua à Mary Tyler Moore atirando a boina pra cima. Agora, além de
ser a terra natal de Prince, há outro motivo pra eu conhecer a fria cidade. Sem
contar que fica em Minnesota, estado de Saint Olaf, de onde veio Rose Nylund,
né gente?
Praticando meu hobby de detectar faces conhecidas, ao
longo das 7 temporadas destaquei as seguintes:
- Monte Markhan, amante de Sue Ellen, em DALLAS e irmão
gay de Blanche em Super Gatas.
- Harold Gold, o Miles, namorado de Rose Nylund, é o pai
de Rhoda.
- Bill Daily, o Major Healey, como um político burraldo,
pra quem Ted votara e é convidado a participar dum talk show mediado pelo âncora.
- A primeira-dama Betty Ford fez ponta provando a
popularidade do show. Ironicamente, anos depois Moore se internaria na Betty
Ford Foundation, na época o local in
pra celebridades querendo se livrar do álcool.
- Lembram da Helen Hunt, de Mad About You e Twister? Aparece
pré-adolescente como filha de Murray; uma graça loira.
Tirando o exagero da letra da deliciosa música-tema – que
afirma que Mary poderia conquistar a cidade, mas ela passa o show todo trabalhando numa TV de
terceira – há poucos defeitos em MTM.
Clássico que pretendo rever
na velhice.