Há alguns dias a repórter Mariana Mauro, do site Opinião & Notícia escreveu-me para colaborar com uma entrevista sobre a situação das pessoas com albinismo brasileiras e minha experiência, para uma matéria que estava redigindo. Respondi as perguntas via email e o resultado do trabalho - que foca a situação dos albinos em partes da África - você confere abaixo.
Ficou ótimo, parabéns e obrigado à Mariana e à equipe do Opinião & Notícias pela divulgação da causa albina no Brasil.
Ficou ótimo, parabéns e obrigado à Mariana e à equipe do Opinião & Notícias pela divulgação da causa albina no Brasil.
TENDÊNCIAS E DEBATES
Por que os albinos são perseguidos em muitos países africanos?
Mitos fazem com que albinos sofram com perseguição, mutilação e assassinatos
Na última semana, um grupo de feiticeiros foi preso, na Tanzânia, por matar albinos. Mas na última quarta-feira, 18, o comissário regional de Simiyu, Eraston Mbwilo, mandou soltar os suspeitos, segundo o jornal tanzaniano The Guardian. Será que estes feiticeiros foram realmente presos por matar albinos? Como é a situação no Brasil? E, afinal de contas, o que faz com que uma pessoa nasça albina?
A instituição Under the Same Sun (Sob o Mesmo Sol. UTSS, na sigla em inglês) visa incluir socialmente e combater a discriminação muitas vezes fatal contra pessoas albinas. O diretor de operações da ONG canadense, com sucursal na Tanzânia, Don Sawatzky, explicou ao O&N que há centenas de feiticeiros na Tanzânia com licença para trabalhar lá. No entanto, a palavra “feiticeiro” na língua swahili, idioma falado em algumas regiões da África, tem dois significados: a dos tradicionais curandeiros e feiticeiros, e a dos adivinhos e videntes. “O segundo grupo não tem licença na Tanzânia e são eles que costumam ser os alvos das prisões, até onde sabemos. Eles podem simplesmente ser presos por estarem praticando sem licença, mas o governo, através da mídia, está espalhando para a comunidade internacional que isso significa algo mais. O tempo irá dizer”, diz Sawatzky.
Na África, há muitos mitos sobre albinos, mas a ciência já provou que nenhum deles é verdadeiro. Os mitos são: o albinismo é uma maldição dos deuses ou de ancestrais. Logo, entrar em contato com um albino traria má sorte, doença e até morte; pessoas albinas nunca morrem, porque elas não são humanas, mas fantasmas; ter relações sexuais com uma mulher albina pode curar a Aids; um encanto ou uma poção feita com parte do corpo de albinos tem poderes mágicos, que podem trazer saúde, sucesso e sorte; albinos só existem na África; a culpa é da mãe se o bebê nasce albino; pessoas albinas têm visão normal.
Por esses mitos, os albinos são perseguidos, mutilados e assassinados, mas a situação não ocorre só na Tanzânia. “Estigmatização e discriminação contra pessoas com albinismo é endêmico na cultura africana, não apenas na Tanzânia. Albinos são mal compreendidos e deturpados em todo o mundo. A discriminação contra albinos é comum em muitos países, mas de longe a ‘discriminação fatal’ só foi relatada em 25 países africanos”, diz Sawatzky. Essa discriminação ocorre em países como Egito, Moçambique e África do Sul.
Segundo ele, ninguém realmente sabe a origem destes mitos, já que a documentação na África não costuma ser outra além da tradição oral. Enquanto a assistência médica está se desenvolvendo devagar na Tanzânia, alguns profissionais da saúde ainda acreditam em mitos sobre albinos e eles mesmos têm medo de tocar nos albinos ou são indiferentes à situação deles. Para Sawatzky, os ataques e o tráfico [de partes do corpo dos albinos] só vão chegar ao fim quando os consumidores forem identificados, presos e processados. Afinal, segundo ele, sempre vai ter outro adivinho, traficante e manejador de machete (pessoas que mutilam os albinos com uma espécie de facão) desde que exista uma procura.
O diretor explica que a reação usual de uma família que dá à luz a um bebê albino é o choque. “Além do choque, em muitos países africanos, o pai vai culpar a mãe e vai abandoná-la junto com a criança, já que eles acreditam que o bebê é uma maldição, e/ou que ela é produto de um fantasma europeu, e/ou que a mãe fez sexo com um homem branco.”, explica.
As reações são diversas, já que há muitas tribos diferentes na Tanzânia e em outros países africanos. “A UTSS já ouviu muitos casos na Tanzânia e em outros países africanos, onde a família escondeu a criança com albinismo da aldeia ou a aldeia escondeu a criança das pessoas de fora. Às vezes, isso é feito por vergonha e por uma crença em mitos falsos (é uma maldição). Outras vezes, a criança é escondida por medo de que vá se tornar um alvo de ataque ritual. Ocasionalmente (o que não é comum) a criança é aceita e integrada na família como qualquer outro membro da família”, conta Sawatzky.
A UTSS conta com dois programas, um de ativismo e outro de educação. “Nosso programa de ativismo educa a sociedade sobre a compreensão e aceitação de albinismo, e nosso programa de educação oferece formação acadêmica e profissional. A UTSS já colocou e patrocinou financeiramente mais de 300 alunos com albinismo em escolas de alta qualidade totalmente inclusivas, do jardim de infância até a graduação. A cada ano que passa há mais graduados que entram no mercado de trabalho na convencional sociedade da Tanzânia. Estes estudantes e graduados albinos são a voz mais forte contra a discriminação e a mensagem mais poderosa sobre sua humanidade, dignidade e capacidade”, explica. Em 2014, 326 pessoas com albinismo participaram do programa de educação da UTSS. Neste número estão incluídas matrículas em escolas primárias, secundárias e faculdades. Muitas já estão empregadas e estão assumindo seu papel na sociedade tanzaniana.
O albinismo e a situação brasileira
Segundo a dermatologista Carolina Marçon, membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia, o albinismo é uma doença genética rara, que ocorre devido à mutação de um gene. Hoje, já há vários genes descritos, mas há quatro principais. “Na Europa, o gene predominante é do tipo 2, na Ásia é do tipo 1 e aqui no Brasil, a gente não sabe qual é o gene que predomina. De acordo com as características clínicas, a gente pode supor, mas para ter certeza, a gente tem que fazer a biologia molecular”, explica.
Apesar de ser hereditário, um albino não vai ter necessariamente um filho albino. “É uma doença recessiva, ou seja, o albino tem que ter dois genes recessivos. Então tem que herdar da família do pai e da família da mãe”, explica. “Se um albino tiver um filho com uma albina, provavelmente, eles vão ter um filho albino. Mas se os tipos de mutações dos pais forem diferentes, eles podem não ter um filho albino. Mas é muito raro acontecer”, comenta.
O albinismo afeta apenas a pele e os olhos. A alteração genética faz com que eles produzam uma quantidade muito pequena de melanina ou então, impede totalmente essa produção. A melanina é o pigmento que dá cor à pele e é o que a protege da radiação ultravioleta solar. A alteração genética também afeta os olhos com problemas como a fotofobia (sensibilidade à luz) e as deficiências visuais.
A dermatologista afirma que os dados sobre albinismo no Brasil são muito escassos, mas que a estimativa é de que haja dez mil albinos no país. Segundo a UTSS, foi relatado, apesar das poucas pesquisas, que na América do Norte e na Europa, a estimativa seja de um albino para 17 a 20 mil pessoas. Na África, a estimativa sobe para um para cada cinco mil a 15 mil, e que em algumas áreas africanas, a estimativa é de um para mil. Na Tanzânia, onde fica a UTSS, a estimativa é de um para 1400.
O preconceito não é exclusivo dos países africanos. No Brasil, Roberto Bíscaro, doutor em dramaturgia norte-americana e editor do Blog do Albino Incoerente, conta um pouco ao O&N sobre sua experiência. “Mais do que as limitações impostas pela falta de pigmentação e baixa visão, que podem ser contornadas pela tecnologia, o grande problema é a falta de preparo que a sociedade de modo geral apresenta para com as pessoas com albinismo”, diz. “Pouca informação sobre o assunto nas escolas faz com que nossas especificidades sejam desconhecidas pela maioria. Acredite, há médicos que não conhecem suficientemente o albinismo. Certa vez um me perguntou há quanto tempo sou albino. Desinformação anda de mãos dadas com preconceito, então outro problema é esse, manifesto através de bullying, baixa oferta de empregos e invisibilidade em políticas públicas”.
Bíscaro lançou o livro Escolhi ser albino em 2012. “Achei que contar minha história poderia inspirar os leitores. Afinal, venho de família muito modesta economicamente e também possuo as limitações inerentes à condição genética, mas isso não me impediu de me doutorar, viajar e levar uma vida muito produtiva. Acho importante falar do preconceito e dos problemas, mas é igualmente fundamental apontar as potencialidades humanas, algo na linha ‘se eu posso, por que você não vai à luta e tenta também? ’”
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