quarta-feira, 4 de março de 2015

CONTANDO A VIDA 100

Nosso historiador-cronista foge das análises rasteiras e nos traz um interessante texto sobre Cuba e a esperança de novos tempos de aproximação com os norte-americanos. 


CUBA LIBRE: a Ilha de Fidel e nós.

José Carlos Sebe Bom Meihy


Pensar historicamente em Cuba é um jeito de meditar sobre a história da América como continente, espaço geopolítico que abrigou uma experiência urdida, consequente e comum. Partamos do fato inevitável da colonização como acontecimento que nos inscreve na vida planetária desde o século XVI. Sem admitir que a conquista europeia nos submeteu de maneira dependente, estaríamos incorrendo no erro cabal que supõe o presente sem passado. E que passado?! De modo geral, foram cerca de 400 anos de exploração econômica que nos refrearam, obrigando a jugos e mandos justificados pela dominação metropolitana, europeia, exercida em todas as dimensões, inclusive e principalmente econômica e cultural. E esse processo foi turbulento, e de tal violência que justificou a mais dramática escravidão de todos os tempos. O movimento escravista demandou, só da África para a América, a movimentação de mais de 11 milhões de pessoas que se viram envolvidas por uma migração forçada que durou 350 anos. Além do desterro de tantos, a marca da escravidão perpetuou preconceitos que se estendem a milhares de mestiços até o presente não incluídos nos parâmetros de dignidade humana. Por lógico, não podemos esquecer dos nativos, índios, também dizimados em diferentes processos de redução demográfica e apagamento histórico. A visão pretérita, de um passado que sempre cuidou de nos submeter, possibilita pensar que os danos causados pela dominação nos servem de chão para uma identidade continental que nem sempre se reconhece. Sim, dói dizer como nos é difícil perceber latino-americanos. Nosso espelho tem sido sempre a Europa ou o padrão europeu embutido nos Estados Unidos. Desdobrando tal suposto, cabe indicar que mesmo compondo o corpo continental a “América” - ou seja os Estados Unidos - se distanciou da realidade dos vizinhos do sul continental de maneira a se equiparar e reproduzir os valores dominantes, metropolitanos. E assim se abrem as explicações sobre o moderno imperialismo. É exatamente aí que entra o papel de Cuba. Vista isoladamente, a experiência de 1959, consubstanciada na chamada “Revolução Cubana”, parece ser uma aventura louca, de uma população inconformada que, chefiada por sonhadores insurgentes, quis se rebelar da dependência norte-americana. Para críticos, para quem se devota a reflexão histórica, porém isto é muito pouco. Toda revolução tem história e a de Cuba se remete a fatos que são sempre desprezados, cambiados por explicações rasas e tolas que se esgotam no apoio dado pela antiga União Soviética, em tempos da sumida Guerra Fria. Não é errado dizer que tudo começou muito antes, em 1898, quando então Cuba se rebelou contra a Espanha, para deixar de ser a última colônia ultramarina do imenso e longo império ibérico. Foi a hora de voltar para outro ponto de gravitação, que tratou de “yanquisar” a Ilha. O movimento castrista foi antes de tudo um brado de independência contra impérios. Foram erros acumulados como a invasão da Baia dos Porcos – onde outros cubanos, evadidos da Revolução tentaram um contra-ataque  - que resultaram em rompimentos. A opção pelo padrão soviético somada à rejeição norte-americana resultaram num isolamento dramático da Ilha. Mas Cuba resistiu e teve que se reinventar. Por 55 anos, sozinha a Revolução se tornou um programa que nos é desconhecido. O que temos é uma imagem distorcida de uma ditadura intolerante e sovietizada no pior sentido. Não que não seja, mas o que não se mostra é um país sem pobreza absoluta, com uma cultura acadêmica respeitável em particular no quesito medicina social. É lógico que se condenam os abusos aos direitos humanos, mas o que não se pode deixar de ver é a aposta histórica de um estado que insistiu em ser autêntico. Desde 2001, com a retirada do apoio russo, Cuba se coloca como ponto a ser reintegrado no contexto continental. O posicionamento equivocado dos Estados Unidos agora se mostra vulnerável a críticas e o Presidente Obama dá a largada para uma reaproximação que há de servir como sinal dos tempos. Cuba libre foi um drinque bastante comum nos anos de 1970 e 80. Tomara que agora brindemos um novo tempo e que consigamos descobrir os segredos do sonho cubano.   

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