Nosso historiador-cronista foge das análises rasteiras e nos traz um interessante texto sobre Cuba e a esperança de novos tempos de aproximação com os norte-americanos.
CUBA LIBRE: a Ilha de Fidel e nós.
José
Carlos Sebe Bom Meihy
Pensar historicamente em
Cuba é um jeito de meditar sobre a história da América como continente, espaço
geopolítico que abrigou uma experiência urdida, consequente e comum. Partamos
do fato inevitável da colonização como acontecimento que nos inscreve na vida
planetária desde o século XVI. Sem admitir que a conquista europeia nos
submeteu de maneira dependente, estaríamos incorrendo no erro cabal que supõe o
presente sem passado. E que passado?! De modo geral, foram cerca de 400 anos de
exploração econômica que nos refrearam, obrigando a jugos e mandos justificados
pela dominação metropolitana, europeia, exercida em todas as dimensões,
inclusive e principalmente econômica e cultural. E esse processo foi turbulento,
e de tal violência que justificou a mais dramática escravidão de todos os
tempos. O movimento escravista demandou, só da África para a América, a
movimentação de mais de 11 milhões de pessoas que se viram envolvidas por uma
migração forçada que durou 350 anos. Além do desterro de tantos, a marca da
escravidão perpetuou preconceitos que se estendem a milhares de mestiços até o
presente não incluídos nos parâmetros de dignidade humana. Por lógico, não
podemos esquecer dos nativos, índios, também dizimados em diferentes processos
de redução demográfica e apagamento histórico. A visão pretérita, de um passado
que sempre cuidou de nos submeter, possibilita pensar que os danos causados
pela dominação nos servem de chão para uma identidade continental que nem
sempre se reconhece. Sim, dói dizer como nos é difícil perceber
latino-americanos. Nosso espelho tem sido sempre a Europa ou o padrão europeu
embutido nos Estados Unidos. Desdobrando tal suposto, cabe indicar que mesmo
compondo o corpo continental a “América” - ou seja os Estados Unidos - se
distanciou da realidade dos vizinhos do sul continental de maneira a se
equiparar e reproduzir os valores dominantes, metropolitanos. E assim se abrem
as explicações sobre o moderno imperialismo. É exatamente aí que entra o papel
de Cuba. Vista isoladamente, a experiência de 1959, consubstanciada na chamada “Revolução
Cubana”, parece ser uma aventura louca, de uma população inconformada que,
chefiada por sonhadores insurgentes, quis se rebelar da dependência
norte-americana. Para críticos, para quem se devota a reflexão histórica, porém
isto é muito pouco. Toda revolução tem história e a de Cuba se remete a fatos
que são sempre desprezados, cambiados por explicações rasas e tolas que se
esgotam no apoio dado pela antiga União Soviética, em tempos da sumida Guerra
Fria. Não é errado dizer que tudo começou muito antes, em 1898, quando então
Cuba se rebelou contra a Espanha, para deixar de ser a última colônia
ultramarina do imenso e longo império ibérico. Foi a hora de voltar para outro
ponto de gravitação, que tratou de “yanquisar” a Ilha. O movimento castrista
foi antes de tudo um brado de independência contra impérios. Foram erros
acumulados como a invasão da Baia dos Porcos – onde outros cubanos, evadidos da
Revolução tentaram um contra-ataque - que
resultaram em rompimentos. A opção pelo padrão soviético somada à rejeição
norte-americana resultaram num isolamento dramático da Ilha. Mas Cuba resistiu
e teve que se reinventar. Por 55 anos, sozinha a Revolução se tornou um
programa que nos é desconhecido. O que temos é uma imagem distorcida de uma
ditadura intolerante e sovietizada no pior sentido. Não que não seja, mas o que
não se mostra é um país sem pobreza absoluta, com uma cultura acadêmica
respeitável em particular no quesito medicina social. É lógico que se condenam
os abusos aos direitos humanos, mas o que não se pode deixar de ver é a aposta
histórica de um estado que insistiu em ser autêntico. Desde 2001, com a
retirada do apoio russo, Cuba se coloca como ponto a ser reintegrado no contexto
continental. O posicionamento equivocado dos Estados Unidos agora se mostra
vulnerável a críticas e o Presidente Obama dá a largada para uma reaproximação
que há de servir como sinal dos tempos. Cuba libre foi um drinque bastante
comum nos anos de 1970 e 80. Tomara que agora brindemos um novo tempo e que
consigamos descobrir os segredos do sonho cubano.
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