Roberto Rillo Bíscaro
Há alguns meses, enviei reportagem da BBC Brasil sobre
o domínio brasileiro no mundo da prostituição masculina de Londres ao professor
José Carlos Sebe Bom Meihy, nosso historiador-cronista da seção Contando a
Vida, das quartas-feiras. Estudioso da emigração brasuca, pesquisa que o levou
a interessar-se por prostituição e tráfico de pessoas, imaginei que as
estatísticas e casos reportados poderiam ser-lhe de alguma valia.
E não é que recebi como presente o documento com a
versão ainda não publicada de Prostituição à Brasileira, ora lançado pela
Editora Contexto? Perante tanta honraria, comecei a lê-lo quase imediatamente.
Difícil deixar a obra de lado.
O livro consiste em histórias de emigrados que se
viram nas malhas do tráfico internacional de pessoas ou que, mesmo sem cair
nele, habitaram (ainda habitam) o mundo da prostituição, principalmente de
Espanha e Portugal.
Utilizando a História Oral, onde entrevistados contam
suas histórias de vida, depois transcriadas pelo pesquisador, Sebe tornou
fascinante e acessível um fato muito importante do mundo globalizado. Com a
relativa facilitação dos deslocamentos, a clichê “profissão mais antiga do
mundo” também se transnacionalizou e pacatos campesinos potiguares ou pedagogas
cariocas desiludidas podem, dum dia pro outro, encontrar-se em saunas gays ou
fazendo o tapetão (prostituindo-se na rua) em alguma cidade do hemisfério
norte. Como o capital não perde chance de levar vantagem em tudo, ele se
organizou de modo a criar complexa e violenta rede repleta de vasos intercomunicantes
que têm na prostituição e no comércio da carne humana pra sexo um negócio que
movimenta milhões e envolve um sem-número de atividades periféricas, no mais
das vezes, invisíveis a nós incautos.
As histórias sempre têm um misto fascinante e aterrador
de miséria, sofrimento, ternura, tentativa de manter a dignidade (a maioria
topa tudo na cama, mas guarda o beijo como dádiva para seletos eleitos), abuso,
vontade de melhorar de vida e pró-atividade. Uma das virtudes de Prostituição à
Brasileira é não vitimizar ou “coitadinhar” esses profissionais do sexo. Não
que Meihy trate os pesados dramas com pouco caso. Pelo contrário, é sensível pra
perceber que sair do Brasil pra tentar vida mais digna, fugir de um cativeiro e
ir trabalhar como prostituta autônoma ou mesmo resguardar o beijo são
expressões de agentes que se querem ativos, mesmo que o protagonismo seja
modesto.
Cada história é precedida e sucedida por comentários e
análises do autor. Desafiando pré-conceitos, esses trechos não são chatos ou
incompreensíveis pra não acadêmicos. Levantando questões pra debates, tirando
conclusões das histórias, apresentando dados estatísticos e apontando
necessidades de pesquisa e ação do poder público, o texto recheado de metáforas
jamais cai na aridez aferida por tantos a livros escritos por historiadores.
Mas, o naco mais gostoso são as histórias. Na História
Oral as entrevistas são transformadas em narrativas, muito como num monólogo
teatral. Pra tornar a leitura agradável e fluida, as repetições e vais-e-vens
da linguagem oral são eliminados e a sequência temporal é linear. Então, o
leitor pode se emocionar, chocar, aterrorizar e até (sor)rir com experiências
vitais tão ricas. Há horas que parece estarmos lendo ficção, de tão loucos os
lances. Prostituição à Brasileira suscitará debates entre os defensores das
variadas e conflitantes linhas teóricas que acham guarida na academia. Eu mesmo
fiquei com uma pulga no traseiro da orelha.
No capítulo derradeiro, Elas, Eles...e Nós?, Bom Meihy
alude a essa possibilidade de permanência de gente das ex-colônias na Europa e
nos EUA como uma espécie de vingança colonial. Será? Essa posição não é um
pouco cômoda demais? Imagino sempre uma PhD primeiro-mundista escrevendo sobre
a “invasão” de imigrantes pobres em seu país como vingança, enquanto a
faxineira equatoriana limpa a latrina da doutora. O fato de gringos nem mais
precisarem tanto vir fazer turismo sexual nos países pobres (mas, vem, e como!)
não parece mais entrega em domicílio? É certo que alguns emigrados conseguem se
livrar da prostituição e fazer a vida por lá, mas, nos mesmos padrões de um
europeu nato? Alguém já viu uma garota sueca trabalhando como empacotadora num mercadinho
da Baixada Fluminense?
Poucas coisas na academia
são mais salutares do que discussões, então Prostituição à Brasileira cumprirá
várias funções: provocar, informar, entreter, emocionar. É pouco ou quer mais?
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