terça-feira, 31 de março de 2015

TELINHA QUENTE 157

Roberto Rillo Bíscaro


Tenho vaga lembrança dum programa global de quando pirralho, nos anos 70. Nome marcante como Rhoda (imagine prum menino brasileiro, ouvir isso!) e um senhor grisalho meio bobão com voz empostada. Emocionalmente é só isso que recordo, porque acho que nem gostava – adulto demais pros meus menos de 10 anos. Racionalmente sei que se tratava do influente The Mary Tyler Moore Show, exibido pela CBS entre 1970-77.
4 décadas após essas parcas memorias em branco e preto (só tive TV colorida a partir de 1986), vi os 168 episódios. Amei e compreendi o porquê de sua constância em listas de shows mais influentes. Desbravador, definidor de convenções do formato usadas até hoje, bem atuado, MTM (vamos abreviar) é um prazer que funciona mesmo hoje, quando as insinuações sexuais dos 70’s não chocariam nem um prè-silábico e os preços considerados absurdos em alguns episódios são de graça na segunda década do século XXI, mesmo no Brasil do dólar a 3 reais. O público talvez boiasse com alusões a Nixon; mas a recessão econômica é tão atual!
Algumas situações resultam desconfortáveis pra era das denúncias de assédio moral/sexual, como quando Ted espalha que estava tendo um relacionamento com Mary – sugerindo mesmo coito – e o conselho que ela recebe do chefe Lou é  ”não ligar pra opinião alheia” e a própria não toma atitude, resolve (perdoa) tudo na conversa.  

Típico de sitcoms: tudo se resolve na prosa. Murray encasqueta que quer um filho, a mulher não quer mais engravidar depois de 3 meninas, eles brigam, Murray sai de casa, ele percebe que está sendo irredutível e tolo, o casal decide adotar e aparece com um garoto vietnamita já bem grandinho que uma família não pôde adotar. Tudo em menos de 25 minutos; é a mágica liberal da resolução dos problemas mediante diálogo!
Mary Richards é uma trintona que vem a Minneapolis trabalhar como produtora dum telejornal. A novidade – na década da Liberação Feminina – era o protagonismo feminino nessa faixa etária numa personagem que colocava a carreira antes dos relacionamentos pessoais. Não que Mary fosse virginal – ela possuía encontros e namorados – mas não ambicionava arrumar marido, como sua melhor amiga, Rhoda, que apesar do gênio forte e da independência, tinha em sua mente apenas arrumar um homem pra chamar de seu.
MTM discutiu temas importantes como desigualdade salarial devido ao gênero, greves e sindicatos (isso ocorreria hoje?), relacionar-se com mulheres com bastante “experiência”, a possibilidade de amizade entre uma mulher casada e um homem, um homem ir ao casamento de sua ex-esposa, além duma personagem ser reconhecida como gay sem polêmica, juízo negativo ou cômico atrelado. O próprio uso do termo gay era novidade na época. MTM fez muita coisa.

MTM aperfeiçoou o conceito da personagem secundaria com traços próprios e gostável ou que o expectador ama não gostar ou odeia adorar. Rhoda, Phylis e Lou Grant ganharam séries individuais, as 2 primeiras ainda durante a exibição bem sucedida de MTM. Quando as 2 amigas de Mary ganharam seus programas os roteiros passaram a salientar as vidas e ações ao redor da WJM, pequena estação de TV onde Mary trabalha com o rabugento Lou Grant, o piadista simpático Murray, o âncora canastrão vaidoso e burro Ted Baxter e a ninfomaníaca Sue Ann Nivens (Betty White interpretando o oposto de Rose Nylund, incrível!)
E que elenco pra encarnar essas e outras personagens! Todos dão banho de interpretação e paparam diversos Emmys, além de terem permanecido em evidência mesmo após o término de MTM. A única a jamais emplacar outro sucesso foi Mary Tyler Moore, que tentou diversos shows sem passar da primeira temporada. Betty White brilhou em Super Gatas e ainda hoje nonagenária está em Hot in Cleveland; Gavin McLeod foi ser capitão no Barco do Amor e assim por diante.
Como em toda sitcom que não segue história com desenvolvimento das personagens, de vez em quando há incongruências entre o que personagens fizeram e o que estamos vendo. Isso porque os episódios são independentes, mas quem vê tudo percebe. Exemplo é Ted falar pra Mary ler sua autobiografia e ela afirmar que não a lera. Mentira, porque numa temporada anterior, a própria Mary ganha dindim extra datilografando o texto de Ted.

Até no derradeiro capítulo, MTM iniciou tendência seguida por tantos shows, vide The Golden Girls. É o padrão da vitória do menos provável a se dar bem.
A abertura ficou tão icônica que a cidade de Minneapolis dedicou estátua à Mary Tyler Moore atirando a boina pra cima. Agora, além de ser a terra natal de Prince, há outro motivo pra eu conhecer a fria cidade. Sem contar que fica em Minnesota, estado de Saint Olaf, de onde veio Rose Nylund, né gente?
Praticando meu hobby de detectar faces conhecidas, ao longo das 7 temporadas destaquei as seguintes:
- Monte Markhan, amante de Sue Ellen, em DALLAS e irmão gay de Blanche em Super Gatas.
- Harold Gold, o Miles, namorado de Rose Nylund, é o pai de Rhoda.
- Bill Daily, o Major Healey, como um político burraldo, pra quem Ted votara e é convidado a participar dum talk show mediado pelo âncora.
- A primeira-dama Betty Ford fez ponta provando a popularidade do show. Ironicamente, anos depois Moore se internaria na Betty Ford Foundation, na época o local in pra celebridades querendo se livrar do álcool.
- Lembram da Helen Hunt, de Mad About You e Twister? Aparece pré-adolescente como filha de Murray; uma graça loira.
Tirando o exagero da letra da deliciosa música-tema – que afirma que Mary poderia conquistar a cidade, mas ela passa o show todo trabalhando numa TV de terceira – há poucos defeitos em MTM.
Clássico que pretendo rever na velhice. 

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