Preservar a natureza é vital,, mas, como pensar/proceder quando não se tem alternativa a não ser viver disso? Essa e outras questões na linda crônica de nosso cronista-historiador.
A DAMA DAS BROMÉLIAS
José Carlos Sebe Bom Meihy
A serra carioca, entre o Rio de Janeiro e Petrópolis, se abre numa sucessão de árvores frondosas, lindas, retalho da vegetação natural. Entre variedades, aqui e ali repontam bromélias. Resistentes, adaptáveis, exóticas, as mudas vendidas explicam a atividade da família “da Silva”. A mãe, o marido e dois filhos sobrevivem dessa prática retirada da fraçãozinha que lhes cabe na mata em volta da casa tosca. Por lógico, isso é proibido e altamente condenável: imagine arrancar bromélias, vendê-las!... Essa, porém não é a preocupação da zelosa dona Maria que bem sabe do veto do IBAMA, mas chega a supor que é pelo risco de vender perigosamente “na beira da estrada”. Mesmo cientes da lei ela se justifica afirmando que as crianças precisam ter uma lida, já que não dá para ir à escola que fica distante como o diabo. A falta de transporte para qualquer lugar obriga a família a se virar por ali mesmo. A atividade familiar se organiza da seguinte forma: o sr. Joãozinho, de 36 anos, cuida do mato, corta árvore, faz carvão, caça, colhe as bromélias – ah! as bromélias da serra. Dona Maria recebe as plantas do marido, seleciona-as e, juntamente com o filho Zé Antonio, prepara os vasos de xaxim comprados baratinhos, baratinhos dos caminhoneiros que fazem aquele circuito. Além disso, o menino de 11 anos cuida com o pai da pequena horta e também transporta o material que a menina, Izildinha vende com a mãe. Os filhos cuidam de tudo direitinho, e, sob o comando dela promovem o sustento familiar. Valente, é dona Maria quem aparece quando surge algum problema como o temível controle florestal.
Nesses casos, sua estratégia é simples: apela para os melhores sentimentos dos mantenedores da ordem e exibe, quase chorando, seu projeto de vida garantindo que são uns coitados, que morando no fim do mundo não têm outro jeito e garante mais: que sempre fizeram isso desde o tempo do nada. Indo em frente diz que o resultado é uma quirelinha, uma bostinha. Com esse argumento demolidor a senhora da mata prova que a ação familiar não iria, jamais, arrasar a exuberante floresta tropical e que assim, os pais, avós, agiram e que tudo continua do mesmo jeitinho, no mesmo lugar, igualzinho. Talvez, mais forte argumento, fosse mostrar que não seriam aquelas poucas folhagens que iriam justificar o importante trabalho dos guardas, profissionais sérios, que com certeza, teriam muito mais o que controlar. Convencendo de que trabalhavam só com essas parasitas, os “da Silva” provam um contraditório traço histórico, caboclo, que sempre sobreviveu à margem do sistema. Metáfora da bromélia, também parasita da floresta, eles não se mostravam tão ameaçadores.
Ao contrário do que se pode supor, Izilidinha, não é acanhada. Matreira, quando chegam os guardas, faz o irmão sumir, monta cara de desvalida e agarrada à saia da mãe, e lá vão as duas, no encalço dos representantes da ordem. Argumentando em favor da causa parental, ambas permitem dimensionar o significado da imagem feminina frente aos senhores uniformizados, homens imponentes. Mesmo que o quadro seja da mãe/filha pobres, miseráveis, são elas, mulheres na defesa do patrimônio familiar. Izildinha, com graça comovente, oferece aos guardas bonitas bromélias e assim marca uma estratégia sofisticada, sutil, traiçoeira operação comercial. Os guardas, esquecendo os preceitos do IBAMA, primeiro rejeitam, depois... depois supõem outras alegrias femininas em lares enfeitados... Ou será que pensam no Código de Preservação Ambiental?!...