José
Carlos Sebe Bom Meihy
Não há dúvidas que as novelas compõem características do
cotidiano brasileiro. Também é sabido que o discurso ambíguo sobre
aceitação/recusa das mesmas faz parte das falas diárias. E como não nos
divertir com comentários que revelam ódio à emissora que nutre conversas que
descem a detalhes cuidados? Nem pensar em lógicas analíticas ou adesões sinceras.
Seja pelas montagens sempre bem feitas, pela constelação argumentativa dada
pela mídia em geral que vive dos subterrâneos das gravações, seja pelo que for,
as novelas dialogam com nossos temas mais vibrantes. Nem são apenas as
histórias de amor/ódio, as intrigas tramadas em traições sempre vencidas a
favor do bem. Nada disso esgota a potencialidade de capítulos que se alongam
por meses a fio. Sem medo de errar, pode-se garantir que há vias abertas a
debates incômodos, carregados pelo levantamento de temas como: violência
doméstica, abandono de anciãos, transplantes de órgãos, tráfico de pessoas,
requalificação de soluções familiares. Algo interessante acontece nessas manifestações
ligando estrategicamente certo pedagogismo progressista a de quebra de moral
conservadora.
A trinca de autores composta por Gilberto Braga, João
Ximenes Braga e Ricardo Linhares retraça histórias enredantes, extremadas entre
ricos e pobres. Os dois núcleos, porém, hão de se encontrar e as ligações entre
as partes fatalmente se cruzam em liames amorosos e polêmicos. No caso,
repete-se a referência a lugares distantes – Paris e Dubai – e a contextos
economicamente desfavoráveis, locais, que por sua vez se mesclam como
contrastes ricos. Notável mesmo é a caracterização da pobreza que não mais é
absoluta. Sim, o olhar positivo sobre a favela (ou “comunidade” para ser
politicamente correto) revela algo próximo à quebra de estereótipos, pois o
convívio é exibido como favorável e atesta a existência de gente trabalhadora,
honesta, batalhadora. Nessa situação,
vale lembrar que o título da novela é Babilônia, nome do morro situado no Leme,
em Copacabana. Essa indicação é, pois reveladora por colocar esse local em
perfeita integração urbana.
As tomadas não são cenográficas e isso também é algo
revelador. Existe sim a Ladeira Ary Barroso e eu mesmo já fui algumas vezes ao
Bar Point da Amizade. Vale lembrar que esse morro serviu antes de cenário para
o notável filme “Orfeu Negro” e para documentário de Eduardo Coutinho. Trata-se
de um morro íngreme e se isso justifica o apelo aos Jardins Suspensos da
Babilônia, também explica as fantasias temáticas enfeixadas pelos diferentes
núcleos que moram perto. E quantas novidades: comecemos pela dupla homoafetiva
da terceira idade, lésbicas, na faixa dos 80 anos. Não bastasse a ousadia, os
autores trataram de colocar na estreia da novela o propalado “beijo gay”. Isso
foi revelador, pois desde logo quebrou-se a expectativa de que esse seria o
ápice do enredo. E mais: a individualidade de cada personagem se fixou já nas
apresentações de cada qual. Bonzinhos realmente puros; maus declaradamente bandidos,
e vulneráveis sem personalidade logo foram precisados. Em termos de folhetim,
tais “inovações” traduzem um modo narrativo que acumulou propostas. Fala-se de
avanços, sim, mas também de continuidades. Não mais é preciso discutir a
aceitação da homossexualidade que afinal é explícita; os preconceitos de cor
não clamam mais por evidências, pois se revelaram sem eficácia mediante a
aceitação de ricas que tem amantes negros e destes com relações perfeitamente
aceitas com pares brancos. Vendo por uma perspectiva novelística nacional,
Babilônia mais significa desdobramento aperfeiçoado, e neste sentido é mais síntese
apoteótica, do que revolução.
Postos estes comentários exaltativos da nova novela das
nove, cabe estranhar comentários contrários. Em particular se remete a alguns
senhores representantes do povo, os tais deputados das bancadas evangélicas.
Será que eles não aprenderam nada de democracia e de direito de expressão? Fico
me perguntando se as televisões de suas casas não têm botões para mudar de
canal. E por que não desligam seus aparelhos como fazemos quando não nos agrada
um programa? Indo além, como será que esses senhores se instruem dos argumentos
que condenam? Encerro meus comentários evocando novamente o nome da novela,
Babilônia. Na certeza dos Jardins Suspensos, do suposto alto do morro, espero o
desenrolar das tramas como quem vislumbra uma nova maravilha do mundo moderno,
televisivo.
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