quarta-feira, 1 de abril de 2015

CONTANDO A VIDA 104

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A novela Babilônia causa furor entre conservadores, revoltados com o casal de lésbicas de terceira idade. Nosso cronista-historiador, antenado com a contemporaneidade, escreve sobre o significado social da telenovela no Brasil e sobre características formais do folhetim de Gilberto Braga. 

BABILÔNIA, Babilônia...

José Carlos Sebe Bom Meihy

Não há dúvidas que as novelas compõem características do cotidiano brasileiro. Também é sabido que o discurso ambíguo sobre aceitação/recusa das mesmas faz parte das falas diárias. E como não nos divertir com comentários que revelam ódio à emissora que nutre conversas que descem a detalhes cuidados? Nem pensar em lógicas analíticas ou adesões sinceras. Seja pelas montagens sempre bem feitas, pela constelação argumentativa dada pela mídia em geral que vive dos subterrâneos das gravações, seja pelo que for, as novelas dialogam com nossos temas mais vibrantes. Nem são apenas as histórias de amor/ódio, as intrigas tramadas em traições sempre vencidas a favor do bem. Nada disso esgota a potencialidade de capítulos que se alongam por meses a fio. Sem medo de errar, pode-se garantir que há vias abertas a debates incômodos, carregados pelo levantamento de temas como: violência doméstica, abandono de anciãos, transplantes de órgãos, tráfico de pessoas, requalificação de soluções familiares. Algo interessante acontece nessas manifestações ligando estrategicamente certo pedagogismo progressista a de quebra de moral conservadora.
A trinca de autores composta por Gilberto Braga, João Ximenes Braga e Ricardo Linhares retraça histórias enredantes, extremadas entre ricos e pobres. Os dois núcleos, porém, hão de se encontrar e as ligações entre as partes fatalmente se cruzam em liames amorosos e polêmicos. No caso, repete-se a referência a lugares distantes – Paris e Dubai – e a contextos economicamente desfavoráveis, locais, que por sua vez se mesclam como contrastes ricos. Notável mesmo é a caracterização da pobreza que não mais é absoluta. Sim, o olhar positivo sobre a favela (ou “comunidade” para ser politicamente correto) revela algo próximo à quebra de estereótipos, pois o convívio é exibido como favorável e atesta a existência de gente trabalhadora, honesta, batalhadora.  Nessa situação, vale lembrar que o título da novela é Babilônia, nome do morro situado no Leme, em Copacabana. Essa indicação é, pois reveladora por colocar esse local em perfeita integração urbana.
As tomadas não são cenográficas e isso também é algo revelador. Existe sim a Ladeira Ary Barroso e eu mesmo já fui algumas vezes ao Bar Point da Amizade. Vale lembrar que esse morro serviu antes de cenário para o notável filme “Orfeu Negro” e para documentário de Eduardo Coutinho. Trata-se de um morro íngreme e se isso justifica o apelo aos Jardins Suspensos da Babilônia, também explica as fantasias temáticas enfeixadas pelos diferentes núcleos que moram perto. E quantas novidades: comecemos pela dupla homoafetiva da terceira idade, lésbicas, na faixa dos 80 anos. Não bastasse a ousadia, os autores trataram de colocar na estreia da novela o propalado “beijo gay”. Isso foi revelador, pois desde logo quebrou-se a expectativa de que esse seria o ápice do enredo. E mais: a individualidade de cada personagem se fixou já nas apresentações de cada qual. Bonzinhos realmente puros; maus declaradamente bandidos, e vulneráveis sem personalidade logo foram precisados. Em termos de folhetim, tais “inovações” traduzem um modo narrativo que acumulou propostas. Fala-se de avanços, sim, mas também de continuidades. Não mais é preciso discutir a aceitação da homossexualidade que afinal é explícita; os preconceitos de cor não clamam mais por evidências, pois se revelaram sem eficácia mediante a aceitação de ricas que tem amantes negros e destes com relações perfeitamente aceitas com pares brancos. Vendo por uma perspectiva novelística nacional, Babilônia mais significa desdobramento aperfeiçoado, e neste sentido é mais síntese apoteótica, do que revolução.

Postos estes comentários exaltativos da nova novela das nove, cabe estranhar comentários contrários. Em particular se remete a alguns senhores representantes do povo, os tais deputados das bancadas evangélicas. Será que eles não aprenderam nada de democracia e de direito de expressão? Fico me perguntando se as televisões de suas casas não têm botões para mudar de canal. E por que não desligam seus aparelhos como fazemos quando não nos agrada um programa? Indo além, como será que esses senhores se instruem dos argumentos que condenam? Encerro meus comentários evocando novamente o nome da novela, Babilônia. Na certeza dos Jardins Suspensos, do suposto alto do morro, espero o desenrolar das tramas como quem vislumbra uma nova maravilha do mundo moderno, televisivo.      

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