Todo mundo quer ser feliz, a ponto de isso tornar-se obsessão e ostentação nas redes sociais. Mas, como ser feliz? Aliás, é possível sê-lo?
Nosso historiador-cronista pondera a respeito.
FELICIDADE PROGRAMADA: dilemas culturais
Nosso historiador-cronista pondera a respeito.
FELICIDADE PROGRAMADA: dilemas culturais
José Carlos Sebe Bom Meihy
A busca obstinada da felicidade é uma das características
mais salientes do mundo moderno. Basta olhar para o lado e ver como muita gente
insiste em ostentar alegria, satisfação, tudo como sinônimo de triunfos
pessoais. Chega-se, com certo realismo atrevido, a dizer que a ostentação de
vitórias e bem estar esbarra na esquizofrenia exibicionista. Não basta ser
feliz discretamente, faz-se preciso alaridos como se a felicidade só fosse
completa se divulgada, aplaudida e celebrada. Uma rápida corrida pelas redes
sociais indica que a busca de realização pessoal e de lugar público explica
cultos a beleza, ao corpo perfeito, à eterna juventude, tudo como sinônimo de
felicidade explícita. E então vale tudo: aparência, gastos exagerados, festas. Diria
que em meio ao culto da satisfação, desenvolvi duas hipóteses explicativas. Uma
de efeito histórico, outra cultural.
No primeiro caso, visito as profundezas do passado, e sou
levado à organização do pensamento ocidental para ver mais do que a
transparência das águas imediatas. E aí deparo com casos estranhos em que a
felicidade passou a ser legislada. Muitos estranham o fato dela ser item
constante de algumas Constituições Nacionais, algo próximo de um mandamento
regulamentado como direito inerente a todo cidadão. Seria como se as pessoas
tivessem obrigação legal de serem felizes. Países como os Estados Unidos tratam
desta questão de maneira protocolar, como certeza de que a boa relação com a
vida decorre em primeiro lugar da condição possibilitada pelo estado/governo
que se vê como metáfora do corpo nacional. Nessa situação, a felicidade dos
indivíduos equivaleria a saúde coletiva. Ainda que para pessoas despreparadas
para leitura desse aspecto isso pareça bizarro, há fundamentos filosóficos
evoluídos de princípios aristotélicos, subsídios garantidores da
responsabilidade do sistema aberto a possibilitar situações mínimas de conforto
social. Fala-se, pois nesse caso, de dois níveis, um legal e de direito, outro
de adesão pessoal subjetivo. Os indivíduos, cumpridos o papel do Estado, apenas
teriam que ratificar a condição de plenitude. A liberdade pessoal também pode
ser garantida, e caso opte-se pela negação, a não ratificação individual abala
todo sistema. Talvez aí resida o ponto marcante das diferenças entre esse e
outros sistemas.
Em termos jurídicos, o direito anglo-saxão alia, em primeiro
lugar, a felicidade às melhores condições de vida material, e então, garante-se
a responsabilidade primeira dos governos, e assim restaria aos indivíduos os
cuidados com a própria vida como complemento. É como se o Estado financiasse a
fortuna moral dos cidadãos, e a eles no máximo, caberia aceitar o penhor
estatal. A responsabilidade existencial, das pessoas, se vincularia em
continuidade às soluções de cada qual frente ao sistema. A tradição
cristã/católica, de modo diverso, permitiu filtrar outra orientação, ligando
felicidade à condição de espírito subjetivo, individual, suscetível às
variações independentes de responsabilidade estatal. A felicidade no caso da
cultura católica, por exemplo, estaria ligada a valores éticos e até seria
recomendável a infelicidade, pois a vida terrena equivaleria a um “vale de
lágrimas”. Por lógico, adaptações culturais ocorreram e poucos ainda professam
a dor como modo de vida ideal. Queremos ser felizes. Queremos, mas como?
Uma segunda situação clama cuidados e se transparece em
algumas das marcas mais evidentes da produção cultural da sociedade de massas, a
publicação de livros de autoajuda. Basta um giro rápido por qualquer livraria
para ver como existem coleções de ensinamentos orientando-nos como agir. O
sucesso parece decorrer de lições e ao que indicam tais preceitos, bastaria ler
regras e seguir exemplos para se atingir o progresso sempre desejado. A relação
de lições de como atingir a felicidade com a determinante mania de perseguir a
plenitude tem levado a dilemas fundamentais da existência contemporânea. Juntando
os pontos, pergunta-se, afinal, de quem depende nossa felicidade? Deveríamos
ser felizes por lei? Poderíamos conseguir a felicidade por meio de lições?
Depois de alguma meditação concluo que ser feliz nada mais é do que procurar a
felicidade em si, nas profundezas pessoais. Concluo também que isso exige dose
de infelicidade e é aí que reside a resistência e então, aceitamos leis ou
lições que não levam a nada.
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