Nosso historiador-cronista especula sobre o papel da sociedade do espetáculo na decisão de suicidar-se espetacularmente do copiloto do avião que caiu nos Alpes mês passado.
SUICÍDIO PÓS-MODERNO: a morte coletiva como espetáculo
SUICÍDIO PÓS-MODERNO: a morte coletiva como espetáculo
José Carlos Sebe Bom
Meihy
Como boa parte do mundo, fiquei comovido com o “desastre”
aéreo ocorrido nos Alpes Franceses dia 24 último, exatamente em uma das regiões
mais bonitas do mundo. Tudo se agravou pelo caso se dar próximo do momento da
aterrisagem. Tratava-se de um voo curto, rotineiro, da Germanwings, uma das
companhias mais seguras do circuito de transportes aéreos europeus que deixava
Barcelona na Espanha, rumo a Dusseldorf na Alemanha. O Airbus 320 tinha como copiloto
o jovem alemão Andreas Lubitz de 28 anos, rapaz descrito pelos amigos e
vizinhos como pessoa alegre e gentil. A par da fatalidade que levou a óbito 150
pessoas, o impacto da notícia permite algumas reflexões consequentes, atentas à
busca de respostas sempre inócuas porque sem aparentes objetivos. O que teria
motivado o copiloto a atitude tão louca? Por que teria levado consigo mais 149
vítimas inocentes? Quais razões teriam impulsionado o moço a agir de maneira
tão espetacular?
Todas as especulações são cabíveis em situações como essa e a
ausência das constantes cartas de despedidas fermenta mais inquietações. Será
que fazia parte do plano deixar um vazio explicativo que atormentasse todo
mundo? Por lógico, pensou-se em primeiro lugar tratar-se de um ato terrorista,
mas a hipótese logo foi descartada. Ocorreu pensar em mal súbito, mas essa
alternativa também foi deixada, dada a comprovação de exames prévios. Como na
aparência não afloraram problemas trabalhistas ou de relacionamento afetivo, os
enigmas aumentaram dilatando também as indignações. Num jogo de justificativas,
por certo logo a questão psíquica repontou e, nesse ponto, a depressão foi
apontada com causa possível. O cenário explicativo ficou então mais conturbado,
pois não tardou a se apresentar um pequeno exército de estudiosos e pessoas que
passaram por questões ligadas a depressão para insistir que não seria plausível
explicar o gesto maluco do copiloto por isso. Temerosos que se ampliassem os
preconceitos contra pessoas que padecem desse mal, psiquiatras evocaram razões
ainda mais complexas ligadas ao inconsciente. O progresso das investigações,
assim, acabou por se concentrar em especulações sobre a trajetória do moço.
Nesse curso, recuperando a história pessoal, soube-se que vindo de classe média
alta, o rapaz teve um relacionamento amoroso que foi terminado por questões de comportamento,
mas nada anormal. A ex-namorada fez declarações que, contudo, não foram
suficientes para dar respostas minimamente convincentes.
Frente ao vazio explicativo restam
algumas possibilidades que conduzem a questões ligadas à modernidade. Tratou-se
de um desastre provocado usando um avião. Maquina complexa, produto de junções
de vários outros mecanismos engenhosos, o avião navegava no ar, longe do solo.
Suspenso, contudo, foi escolhida uma montanha, alta, como alvo. Os passageiros,
além de algumas famílias, provavelmente não se conheciam e estavam reunidos por
motivos diferentes, circunstanciais, fato que não lhes garante identidade
alguma. As torres de controle por sua vez usaram os recursos disponíveis,
radares e meios eletrônicos, não apenas para alertar as possíveis consequências
das mudanças de rumo, como também dos riscos. Pode-se, pois dizer, que todo
aparato da modernidade não só possibilitou a tragédia como serviu de
instrumento para tanto. Resta, portanto, a fome do espetáculo. Sim, ciente de
que o gesto tresloucado teria sonoridade planetária, Andreas se valeu de outro
aparato da modernidade para fomentar sua vontade de aparecer. E conseguiu.
Segundo Debord, a sociedade do espetáculo possibilita uma dimensão sinistra dos
atos cotidianos. Desconectados do mundo das relações diretas e pessoais, os
seres humanos por meio de ações teatrais buscam se religar socialmente. A única
lição que podemos aprender neste melancólico episódio é que pela modernidade
podemos retomar a necessidade de prestar mais atenção nos semelhantes e
relativizar o uso da máquina como meio de comunicação.
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