quarta-feira, 22 de abril de 2015

CONTANDO A VIDA 107

Nosso historiador-cronista especula sobre o papel da sociedade do espetáculo na decisão de suicidar-se espetacularmente do copiloto do avião que caiu nos Alpes mês passado.  

SUICÍDIO PÓS-MODERNO: a morte coletiva como espetáculo

José Carlos Sebe Bom Meihy
Como boa parte do mundo, fiquei comovido com o “desastre” aéreo ocorrido nos Alpes Franceses dia 24 último, exatamente em uma das regiões mais bonitas do mundo. Tudo se agravou pelo caso se dar próximo do momento da aterrisagem. Tratava-se de um voo curto, rotineiro, da Germanwings, uma das companhias mais seguras do circuito de transportes aéreos europeus que deixava Barcelona na Espanha, rumo a Dusseldorf na Alemanha. O Airbus 320 tinha como copiloto o jovem alemão Andreas Lubitz de 28 anos, rapaz descrito pelos amigos e vizinhos como pessoa alegre e gentil. A par da fatalidade que levou a óbito 150 pessoas, o impacto da notícia permite algumas reflexões consequentes, atentas à busca de respostas sempre inócuas porque sem aparentes objetivos. O que teria motivado o copiloto a atitude tão louca? Por que teria levado consigo mais 149 vítimas inocentes? Quais razões teriam impulsionado o moço a agir de maneira tão espetacular?
Todas as especulações são cabíveis em situações como essa e a ausência das constantes cartas de despedidas fermenta mais inquietações. Será que fazia parte do plano deixar um vazio explicativo que atormentasse todo mundo? Por lógico, pensou-se em primeiro lugar tratar-se de um ato terrorista, mas a hipótese logo foi descartada. Ocorreu pensar em mal súbito, mas essa alternativa também foi deixada, dada a comprovação de exames prévios. Como na aparência não afloraram problemas trabalhistas ou de relacionamento afetivo, os enigmas aumentaram dilatando também as indignações. Num jogo de justificativas, por certo logo a questão psíquica repontou e, nesse ponto, a depressão foi apontada com causa possível. O cenário explicativo ficou então mais conturbado, pois não tardou a se apresentar um pequeno exército de estudiosos e pessoas que passaram por questões ligadas a depressão para insistir que não seria plausível explicar o gesto maluco do copiloto por isso. Temerosos que se ampliassem os preconceitos contra pessoas que padecem desse mal, psiquiatras evocaram razões ainda mais complexas ligadas ao inconsciente. O progresso das investigações, assim, acabou por se concentrar em especulações sobre a trajetória do moço. Nesse curso, recuperando a história pessoal, soube-se que vindo de classe média alta, o rapaz teve um relacionamento amoroso que foi terminado por questões de comportamento, mas nada anormal. A ex-namorada fez declarações que, contudo, não foram suficientes para dar respostas minimamente convincentes.

Frente ao vazio explicativo restam algumas possibilidades que conduzem a questões ligadas à modernidade. Tratou-se de um desastre provocado usando um avião. Maquina complexa, produto de junções de vários outros mecanismos engenhosos, o avião navegava no ar, longe do solo. Suspenso, contudo, foi escolhida uma montanha, alta, como alvo. Os passageiros, além de algumas famílias, provavelmente não se conheciam e estavam reunidos por motivos diferentes, circunstanciais, fato que não lhes garante identidade alguma. As torres de controle por sua vez usaram os recursos disponíveis, radares e meios eletrônicos, não apenas para alertar as possíveis consequências das mudanças de rumo, como também dos riscos. Pode-se, pois dizer, que todo aparato da modernidade não só possibilitou a tragédia como serviu de instrumento para tanto. Resta, portanto, a fome do espetáculo. Sim, ciente de que o gesto tresloucado teria sonoridade planetária, Andreas se valeu de outro aparato da modernidade para fomentar sua vontade de aparecer. E conseguiu. Segundo Debord, a sociedade do espetáculo possibilita uma dimensão sinistra dos atos cotidianos. Desconectados do mundo das relações diretas e pessoais, os seres humanos por meio de ações teatrais buscam se religar socialmente. A única lição que podemos aprender neste melancólico episódio é que pela modernidade podemos retomar a necessidade de prestar mais atenção nos semelhantes e relativizar o uso da máquina como meio de comunicação.

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