Roberto Rillo Bíscaro
Matador é o nome dinamarquês do jogo Banco Imobiliário. A
palavra também se refere a empresários. Esses 2 significados explicam boa parte
do que acontece nos 24 episódios de Matador, originalmente exibidos na
Dinamarca entre 1978/82. Orgulho nacional e detentora do índice de audiência
mais elevado do pequeno país, a série chega a ser usada em aulas de História
pra ilustrar como era a vida nas décadas de 1930/40. Escandinavófilo de
carteirinha, chequei o porquê de tanta devoção. Caiu o queixo, mesmo sabendo que
esses vikings são danados. Matador tranquilamente entraria pruma lista dos 100
melhores shows da TV mundial.
Com humor e drama, Matador mostra como funciona a
História socioeconômica através duma cidadezinha fictícia onde um forasteiro
esnobado decide fixar residência, abrir uma loja e por entender o valor do
dinheiro na nova fase do capitalismo iniciada pela crise de 29 (e depois
concluída pela Segunda Guerra), que limpa os atrelados à tradição, mas
incompetentes na gerência de seus negócios e os preocupados com nome de
família. A nova ordem capitalista bonifica quem trabalha duro sem se importar
com origens (mas quando se estabelece passa a se importar sim senhor!).
Mads Andersen-Skjern é protestante, não bebe, não
pragueja, não fuma, é o sonho weberiano da moral protestante que passa por
privações pra prosperar. Ele empresta dinheiro no fundo de sua loja,
aproveita-se da ruina dos fazendeiros, tudo sob o pretexto de que trabalha duro
e reconhece que tem que fazê-lo porque os herdeiros do banco e da loja de roupa
locais – desadaptados aos novos tempos – jamais precisaram ser assertivos ou
ousados, porque já ganharam as propriedades, ao passo que Mads tinha que
construir suas posses.
Englobando o período de 1929 a 1947, a série também
mostra como o capitalismo é maleável o bastante em seus acertos pra que uma
nova leva de negociantes e burgueses se junte aos sobreviventes adaptados às
condições mutantes do modo de produção, que muda pra permanecer inalterado.
Não desanime ou fuja quem não curte didatismo ou acha que
arte não deve se misturar com o “meramente” político. Matador é muito bem
roteirizado e planejado, por isso, essas e outras interpretações são obtidas
mediante as ações/reações das personagens e não através de discursos ou
capítulos-aula.
A série apresenta personagens de distintas classes
sociais e seus problemas como preconceito, problemas conjugais, velhos costumes
feudais se diluindo, conflito de gerações, escassez de produtos durante
a guerra, a Resistência danesa e muito humor dinamarquês.
Realmente nos interessamos e importamos com o amor Romeu
e Julieta de Elizabeth Friis, do clã dos tradicionais Varnæs, e Kristen
Andersen-Skjern, gerente do banco fundado pelo rival Mads; nos divertimos com
os comentários da viúva de Fernando Mohge; torcemos pela e damos boas-vindas à
transformação de Vicki; nos comovemos e desejamos pra que Herr Stein não seja
capturado pelos malditos antissemitas alemães durante a ocupação e nos
emocionamos quando a até então frívola, neurótica e insuportável Maude um dos
agentes que pode levar à salvação do contador.
O
Tr(i)unfo de Matador reside na credibilidade das personagens; na perícia de
manter uma história interessante por 24 capítulos; pelo elenco excelente que,
aliado aos componentes técnicos, tornou todas as personagens quase como nossos
velhos conhecidos; pela introdução de ideias, comportamentos e conceitos hoje
totalmente introjetados quando pensamos em Dinamarca, mas que descobrimos
recentes. Maior tolerância ao aborto, emancipação feminina e à homossexualidade
são quase clichês quando se fala na pequena península. Matador explora as
reações, motivações e posicionamentos sobre esses e outros temas.
Decepcionar-se-á
quem achar que por tematizar a ascensão dum empreendedor voraz Matador terá
falcatruas a la Revenge ou concentrar-se-á quase todo o tempo em Mads. A
arrumadeira Agnes tem sua história tão detalhada quanto Maude, Hans Cristian ou
Mads, até porque ela se torna uma espécie de paralelo deste.
Porque
nem só de Nordic Noir vive (viva) a Dinamarca!
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