quarta-feira, 20 de maio de 2015

CONTANDO A VIDA 111

Pouco depois de criar o blog, fiz postagem sobre o então famoso filme Doubt. Reclamei do fim das grandes narrativas e do politicamente correto da pós-modernidade (leia aqui). Nosso historiador-cronista também teve ataque de saudade dos tempos em que filmes terminavam com o "The End" e tudo se resolvia. Mais erudito que eu, nosso professor Sebe fala sobre implicações ideológicas, efeitos especiais e esperança. 

THE END...

José Carlos Sebe Bom Meihy
De repente deu saudade. Muita saudade!... Lembram-se do tempo em que íamos ao cinema e os filmes terminavam com o famoso “The End”? E quando tudo terminava com um prolongado – mas discreto – beijo? Pois é, por anos fazíamos questão de ir aos cinemas e saíamos com a certeza de que a história tinha acabado com um final feliz. E a certeza do bom fim nos animava, como se fossemos contagiados. E, felizmente, por mais complicada que fosse a trama, sempre as coisas davam certo e tudo acabava bem. Demorou muito para lembrar-me de velhos filmes que tiveram final trágico. Creio que a ideia de teias que resultavam mal é bem recente. O pior é que agora algumas histórias não acabam e sem termo final explicativo, olhamos uns para os outros e, meio desapontados, aprendemos que é de bom tom fazer cara de inteligente e não perguntar para ninguém o que teria acontecido. Reparem bem como nessas situações as pessoas saem quietas e não comentam nada. Sem muita simplificação, no entanto, devemos pensar que há uma mudança no conceito de público que deixa de ser inativo e deve passar a agente capaz de dar continuidade ao enredo segundo sua imaginação. Para gaudio de muitos, porém, ainda as comédias românticas, os filminhos melosos, não aderiram a prática das “películas cabeça”.
Ponderando sobre acabamentos de histórias contadas em filmes que acabam bem, sempre me redimo e insisto em dizer que gosto mesmo é de um final feliz, com soluções que apontam para a eternidade resolvida, para encontros e paz. Por certo, contudo, a proposta do “The End” é mais complexa do que aparece. Mesmo achando que “cinema é a maior diversão”, a tendência da “espetaculização” dos argumentos compromete o desenrolar das histórias. E são inúmeros os casos em que a falta de teor da trama dá lugar a cenas de violência incontrolada, lutas incríveis, bombardeios interplanetários, pedaços de corpos destroçados, cidades destruídas. Da premiação do Oscar, a parte que menos gosto, invariavelmente, é a dos efeitos especiais que podem ser bem feitos, mas desumanizam os casos narrados. Também não gosto de filmes de ficção científica onde o que menos interessa é o final que se sabe o bem sempre vence e o mocinho se contenta com a vitória e prescinde da mocinha. Aliás, me irrito muito quando a cena final é o herói olhando para o público como se nos dissesse “viu só, eu sou o vencedor e vocês seriam as vítimas”. Pior ainda é quando depois de destruir o inimigo ele vira a cara e vai embora sem sequer dar satisfação.
Demorou para que eu aprendesse que as narrativas cinematográficas com final feliz tinham implicações ideológicas. São sutis as explicações que trabalham com o efeito do cinema em nossa formação cidadã. Ainda que os intelectuais da Escola de Frankfurt tenham nos alertado sobre o impacto das imagens em nossa mente, da combinação de som/música, do escuro e do posicionamento passivo, sentado em poltronas confortáveis, nos tornamos presas fáceis de manipulações. Não chegaria ao ponto de pensar que somos domesticados pela fantasia cinematográfica, mas não nego o efeito do produto cinematográfico em nosso comportamento. Os nazistas sabiam bem disso e não tiveram pudores em manipular segmentos da população. É verdade que podemos pensar de outra forma, supondo, por exemplo, o cinema educativo, mas ele também não deixa de atuar em nossa reflexão. O andamento argumentativo destas linhas, inexoravelmente, reconduz a busca do tema proposto, pois, afinal o que significaria o “The End”? Seria uma maneira alienante, um mecanismo apto a nos deixar mais brandos? Pode ser, mas se for, melhor assim, porque ainda sou dos que pensam que é melhor esperar finais felizes do que se sentir sem saídas ou com fins vagos. “The End”.

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