Pouco depois de criar o blog, fiz postagem sobre o então famoso filme Doubt. Reclamei do fim das grandes narrativas e do politicamente correto da pós-modernidade (leia aqui). Nosso historiador-cronista também teve ataque de saudade dos tempos em que filmes terminavam com o "The End" e tudo se resolvia. Mais erudito que eu, nosso professor Sebe fala sobre implicações ideológicas, efeitos especiais e esperança.
THE END...
José
Carlos Sebe Bom Meihy
De repente deu saudade. Muita saudade!... Lembram-se do
tempo em que íamos ao cinema e os filmes terminavam com o famoso “The End”? E
quando tudo terminava com um prolongado – mas discreto – beijo? Pois é, por
anos fazíamos questão de ir aos cinemas e saíamos com a certeza de que a
história tinha acabado com um final feliz. E a certeza do bom fim nos animava,
como se fossemos contagiados. E, felizmente, por mais complicada que fosse a
trama, sempre as coisas davam certo e tudo acabava bem. Demorou muito para
lembrar-me de velhos filmes que tiveram final trágico. Creio que a ideia de
teias que resultavam mal é bem recente. O pior é que agora algumas histórias
não acabam e sem termo final explicativo, olhamos uns para os outros e, meio
desapontados, aprendemos que é de bom tom fazer cara de inteligente e não
perguntar para ninguém o que teria acontecido. Reparem bem como nessas
situações as pessoas saem quietas e não comentam nada. Sem muita simplificação,
no entanto, devemos pensar que há uma mudança no conceito de público que deixa
de ser inativo e deve passar a agente capaz de dar continuidade ao enredo
segundo sua imaginação. Para gaudio de muitos, porém, ainda as comédias
românticas, os filminhos melosos, não aderiram a prática das “películas
cabeça”.
Ponderando sobre acabamentos de histórias contadas em
filmes que acabam bem, sempre me redimo e insisto em dizer que gosto mesmo é de
um final feliz, com soluções que apontam para a eternidade resolvida, para
encontros e paz. Por certo, contudo, a proposta do “The End” é mais complexa do
que aparece. Mesmo achando que “cinema é a maior diversão”, a tendência da
“espetaculização” dos argumentos compromete o desenrolar das histórias. E são
inúmeros os casos em que a falta de teor da trama dá lugar a cenas de violência
incontrolada, lutas incríveis, bombardeios interplanetários, pedaços de corpos
destroçados, cidades destruídas. Da premiação do Oscar, a parte que menos
gosto, invariavelmente, é a dos efeitos especiais que podem ser bem feitos, mas
desumanizam os casos narrados. Também não gosto de filmes de ficção científica
onde o que menos interessa é o final que se sabe o bem sempre vence e o mocinho
se contenta com a vitória e prescinde da mocinha. Aliás, me irrito muito quando
a cena final é o herói olhando para o público como se nos dissesse “viu só, eu
sou o vencedor e vocês seriam as vítimas”. Pior ainda é quando depois de
destruir o inimigo ele vira a cara e vai embora sem sequer dar satisfação.
Demorou para que eu aprendesse que as narrativas
cinematográficas com final feliz tinham implicações ideológicas. São sutis as
explicações que trabalham com o efeito do cinema em nossa formação cidadã.
Ainda que os intelectuais da Escola de Frankfurt tenham nos alertado sobre o impacto
das imagens em nossa mente, da combinação de som/música, do escuro e do
posicionamento passivo, sentado em poltronas confortáveis, nos tornamos presas
fáceis de manipulações. Não chegaria ao ponto de pensar que somos domesticados
pela fantasia cinematográfica, mas não nego o efeito do produto cinematográfico
em nosso comportamento. Os nazistas sabiam bem disso e não tiveram pudores em
manipular segmentos da população. É verdade que podemos pensar de outra forma,
supondo, por exemplo, o cinema educativo, mas ele também não deixa de atuar em
nossa reflexão. O andamento argumentativo destas linhas, inexoravelmente,
reconduz a busca do tema proposto, pois, afinal o que significaria o “The End”?
Seria uma maneira alienante, um mecanismo apto a nos deixar mais brandos? Pode
ser, mas se for, melhor assim, porque ainda sou dos que pensam que é melhor
esperar finais felizes do que se sentir sem saídas ou com fins vagos. “The
End”.
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