Nosso historiador-cronista (que está na Vejinha desta semana, olha que poder!) sempre foi muito trabalhador, mas teve uma epifania durante uma discussão sobre produção acadêmica. Publicar ou perecer tem sido o mote de tantos obcecados com rechear o Lattes. Mas, será que a cigarra da fábula tem algo a ensinar? E nosso Monteiro Lobato não contribuiu sobremaneira para uma conclusão mais humanitária do clássico de La Fontaine?
e qual lição o Professor Sebe tirou dos estudos sobre cigarras?
Delicie-se lendo a deliciosa crônica de hoje.
SOBRE FORMIGAS E CIGARRAS. SOBRE LOBATO TAMBÉM.
e qual lição o Professor Sebe tirou dos estudos sobre cigarras?
Delicie-se lendo a deliciosa crônica de hoje.
SOBRE FORMIGAS E CIGARRAS. SOBRE LOBATO TAMBÉM.
José
Carlos Sebe Bom Meihy
De repente, como estalo, sem mais, lembrei-me de Lobato.
Foi uma sensação forte. Fortíssima, eu diria. E complicada. Não sei dizer
porque, mas em meio a um debate interminável sobre produtividade acadêmica,
perdido em argumentos intelectuais sobre publicar ou não, primeiro me veio à
cabeça a fábula de La Fontaine sobre a Cigarra e a Formiga. Decorrência
imediata, porém, progredi para a retomada feita pelo nosso escritor querido que,
de maneira intrigante, apresentava para a mesma fábula, duas versões
complementares e polêmicas: uma coerente com a fonte francesa, apontando a
moral da história construída a partir da prudência. Outra, mantendo o mesmo
mote narrativo, porém, alertando para um epílogo diverso, caracterizado pela
grandiosidade do acolhimento à Cigarra desvalida.
Lembremo-nos da trama proposta como lição que se encerra
com mais uma clássica moral da história. Baseada na tradição, a Cigarra ia cantando
leve, livre e solta num dia quente de verão. Cantarolava quando se viu frente a
uma Formiga trabalhando atrozmente e então, toda pomposa, a cantante
galanteadora que tocava seu violão interrompeu a apresentação espontânea para
desafiar a operária e foi dizendo “dona Formiga, venha e cante comigo, em vez
de trabalhar tão arduamente, vamo-nos divertir". Sem se distrair a Formiga
respondeu negativamente, afirmando que tinha que ir em frente, que precisava guardar
comida para o inclemente inverno. Obsessiva, a Formiga deixou a Cigarra
cantando sozinha. Convém lembrar que os argumentos da saltitante Cigarra contrastavam
com o alerta ajuizado e aflito da interlocutora que se mantinha dizendo da
distância do inverno, da garantia da fartura de alimentos e do prazer de cantar.
Alheia à delícia e ao gozo musical, atenta e obstinada, a Formiga persistia em
sua labuta até que, por fim, o tempo passou e o inverno se impôs rigoroso. Diz
a lenda que a Cigarra, então em apuros, fustigada e com o frio e fome, sem
alternativas, chegou à casa da Formiga implorando abrigo. Soberana a Formiga
bradou "se você tivesse ouvido o meu conselho no verão, não estaria agora
tão desesperada. Preferiu cantar e tocar violão?! Pois agora dance!". A
genialidade de Lobato, porém, apresentou uma esperta desviada com ares de
negociação filosófica. Dado o enredo conhecido, a Formiga teria, apesar de
tudo, tomado outra atitude e em vez do “bem feito, quem mandou”, teria aberto o
lar e recebido com simpatia a desvalida Cigarra. Confortada a Cigarra, refeita
e agradecida, presume-se que teria aprendido a lição.
Como mecanismo de fuga da
situação que discutia a produtividade acadêmica, dei asas à imaginação e cismei
que sabia mais sobre Formigas do que sobre Cigarras. Saí do encontro inconformado
e, já em casa, dei vazão a curiosidade. Devo dizer antes que sou fascinado pelo
canto das Cigarras. Entre as melhores lembranças que tenho de minha vida no
interior, os sons eletrizantes das Cigarras, até hoje, enchem meu imaginário e
me tornam cativo de memórias inegociáveis. O canto das cigarras situa-se entre minhas
saudades favoritas. Lendo, aprendi que o som produzido pelas Cigarras se
relaciona com a reprodução. Fecundadas, elas põem ovos e depois, como que
vazias, silenciam e morrem. Sem vidas, suas larvas drenam terra abaixo, e por
18 anos permanecem latentes até que se metamorfoseiam para novamente viver. Revitalizadas,
estridentes, saem e cantam. Cantam e cruzam repetindo o ciclo que as eternizam
para, depois de mais ovos, morrerem secas no tronco de alguma árvore. Com meus
botões perguntei: por que não sabemos mais das Cigarras? Que faria com que as
informações sobre as Formigas fossem mais divulgadas e até propaladas como
metáfora do trabalho? E resolvi caminhar por esta senda que me levou, por fim,
a compreender melhor a engrenagem do capitalismo que nos obriga a preterir o
canto ao exercício da produtividade. A moral da minha reflexão levou-me a outra
triste constatação: se soubesse da beleza do ciclo vital das Cigarras, passaria
a cantar mais e trabalhar menos.
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