segunda-feira, 1 de junho de 2015

CAIXA DE MÚSICA 172

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Roberto Rillo Bíscaro

Filha do Céu e da Terra, a titânica deusa da memória, Mnemosine, é mãe das Musas, inspiradoras das artes e da História. Essa genealogia telúrica indica que, pros helênicos, memória e imaginação não estavam tão dissociadas como presentemente muitos idealizam. A preocupação com a realidade ou relatos fidedignos faz alguns esquecerem que o rememorar envolve selecionar, apagar e sobrepor informações. Ter isso em mente ajuda a compreender e fruir alguns lançamentos que usam lugares-comuns de produção oitentista, (re)criando uma década por vezes fictícia ao juntar elementos que na época não se davam bem ou nem eram coetâneos, mas que, como existentes, não deixam de representar “de verdade” o decênio.
O sensacional segundo álbum-solo de Brandon Flowers exemplifica isso com perfeição. As 10 faixas lembram inúmeros artistas/canções 80’s numa quase-paródia, mas os elementos estão tão misturados que nenhuma faixa é cópia de artista A ou B, porque possuem cacoetes de produção de diversos. Hall and Oates (fase Out of Touch), Stevie Nicks, Huey Lewis and the News, Paul Simon (fase Graceland), Peter Gabriel (fase So), Steve Winwood (fase Higher Life) são fração das influências e semelhanças encontradas em The Desired Effect, lançado há um par de semanas.
10 canções fortes produzidas por Ariel Rechtshaid, que nos anos de inspiração seriam pejorativamente chamadas de exageradas. Hoje, críticos usam o mesmo adjetivo pra elogiar.  Untangled Love é o tipo de Americana febril de estádio pra ver o show cantando com os braços pra cima. Diggin’ Up the Heart é rockão cinquentista produzido como o século XXI percebe os 80’s produzindo rock dos Anos Dourados. Rick Springfield querendo ser Bruce Springsteen (Brandon morre de vontade de ser!) encontra Dire Straits. Pra ser mais typical 80’s só se tivesse participação da Tina Turner, onipresente na época.
Teclados múltiplos, bateria pesada, uma tonelada de backing vocals femininos anônimos, eventual vozeirão de negra ao fundo (como não lembrar de Oleta Adams, tendo vivido a década?) e todos – sim, todos – os truques, cacoetes e barulhões power pop a la Laura Branigan, Robert Palmer ou Dan Hartman (descansem em paz), mas Lionel Ritchie também virà à cabeça se você prestar atenção e conhecer bem o pop ointentista. A contagiante Can’t Deny My Love tem teclado calmo de Foreigner no começo, mas desabrocha num bombástico hino com piano elétrico merengado a la Miami Sound Machine e aquele efeito freestyle que metade do europop usou. 
I Can Change não deixa dúvidas quanto à paternidade oitentista de Desired Effect. Começa baladeira com vozinha fina e piano elétrico, mas no momento em que Brandon promete pra garota que pode mudar, entra a batida de Smalltown Boy, do Bronski Beat bem ao estilo pós-moderno dos meshups e o negócio vira synth-dance pulável. A heterossexualização da letra – a canção dos ingleses do Bronski tem forte subtexto gay – camufla subversão deliciosa, porque quando a promessa é feita à guria pela primeira vez, entra backing vocal fininho; ninguém menos que Jimmy Somerville da canção original, soltando a franga. E quer maldade maior pra homofóbicos em potencial do que colocar Neil Tennant, dos Pet Shop Boys, pruma discreta participação? Brandon Flowers é um mórmon do bem. Claro que a sonoridade Pet Shop Boys tipo It’s a Sin aparece em algum canto do álbum.
Suspeito quo o efeito desejado pelo vocalista do The Killers nessa aventura sozinho era ser universalmente amado e respeitado como astro pop. OK, Brandon, você venceu. The Desired Effect é incrível do começo ao fim com sua rememoração duma década de 1980 bastante imaginada. 

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