segunda-feira, 8 de junho de 2015

CAIXA DE MÚSICA 173

Roberto Rillo Bíscaro

Ao comentar o recente trabalho do Hot Chip (resenha aqui), afirmei amar diversos ingleses branquelos que gostariam de ser negros estadunidenses. No altamente categorizado mundo pop não poderia faltar sub-gênero com essa característica, o blue-eyed soul, que não incorpora apenas britânicos, mas tem diversos representantes da ilha que adoro. Surgido nos 60’s pra enquadrar artistas brancos, como Dusty Springfield e Tom Jones, o blue-eyed soul teve grandes momentos/nomes nos anos 80, um dos quais, Lisa Stansfield, foi resenhado aqui.
Em 1985, destoando da lugubridade associada à Manchester pós-punk dos Smiths e da Joy Division o Simply Red lançou Picture Book, gerador de diversos hits, dentre eles a arrasante Holding Back the Years. Era o início duma carreira vendedora de dezenas de milhões de álbuns e receptora de inúmeras farpas da crítica, à medida que o ruivo (Red) Mick Hucknall ficava mais e mais mainstream. Deixei de seguir a trajetória da banda lá pelos fins dos 90’s; ouvia algo aqui e acolá, mas nunca álbuns completos. Tanto é que nem sabia que Hucknall lançou álbuns-solo após o encerramento das atividades do Simply Red, em 2010 (agora sei, mas continuo não me importando).
Pois não é que semana passada saiu Big Love, lançado pra celebrar o trigésimo niver da banda? Sequer me dei o trabalho de verificar a formação. Simply Red sempre foi um nome falsamente coletivo: Vermelho é o apelido de Hucknall, o grupo é simplesmente ele mandando em músicos contratados. Mas, me deu curiosidade pra checar o blue-eyed soul que estão fazendo. Nostalgia de 1985 – lembro bem do sucesso de Holding Back the Years nas rádios -, gostei bastante de Big Love.
A dúzia da canções pesca elementos dos anos 70, especialmente disco music, (Philly) soul e easy listening, e foi feita pra agradar a nós, cidadãos de meia-idade que assistimos à gênese do Simply Red e hoje estamos mais preocupados com a taxa do colesterol. Daydreaming nasceu de Marvin Gaye, fase What’s Going On; a faixa-título mescla Phily soul com Burt Bacharach; a fugaz introdução glamorosa de The Ghost of Love estaria confortável nalgum álbum do setentista Odissey; Tight Tones é James Brown totalmente domesticado pra nossos ouvidos já zunidos; WORU abunda em arranjo de cordas disco, ecoando boa parte do álbum. A coisa mais moderna é Shine On, meio soul dance anos 90 e a mais antiga é o jazzinho de The Old Man and the Beer. Tudo muito simpático e agradável.
Alguns dos astros oitentistas – hoje 50tões – mudaram o tema de algumas letras. Em seu álbum de 2010, a ex-Everything But the Girl cantava sobre a diferença hormonal dela e da filha adolescente (resenha aqui). Hucknall dedica menos tempo ao sexo agora. OK que em Love Gave Me More tem uma moça suspirando “give me more”, mas o Simply Red 2015 homenageia o pai falecido e fala de renovar laços matrimoniais. Se você foi adolescente/jovem nos 80’s/90’s, Big Love tocará todos seus pontos G ainda em funcionamento.
Se você é posterior, seria sacanagem eu recomendar o trabalho dum cantor cuja voz já está meio degradada e liquidifica tanta influência e música sublimes que você deveria conhecer. Assim, indico uma coletânea do Simply Red e, mais importante, Marvin Gaye, Barry White, Burt Bacharach e coletâneas de disco music e Philly soul. Daí você ouve Big Love sacando de onde saiu cada charmoso acorde.

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