Roberto Rillo Bíscaro
Esta postagem será mais bem aproveitada se você ler os
textos sobre o New Romantic (aqui e aqui) na Inglaterra de fim dos 70’s/início
dos 80’s. Dentre os grupos investindo pesado no visual e no sintetizador estava
o Visage, liderado por Steve Strange, host(ess)
do Blitz Club, epicentro dos maquiados new
romantics.
Em atividade desde 1978, o Visage teve Midge Ure e Billy
Curie, do Ultravox, em sua formação e um grande sucesso em 1981, com a seminal
Fade to Grey, síntese perfeita do que era o New Romantic/synthpop. Fundamental
mesmo é só essa, mas vale a pena baixar uma coletânea pra conhecer/possuir a
gelidez do teclado interestelar de Damned Don’t Cry; o balanço quadradão New
Wave de Mind of a Toy; a síndrome de Roxy Music, de Visage; a de Bowie, em We
Move (especialmente se você descolar um best of que tenha a versão remix) e a
melancolia disfarçada da sintetizada In the Year 2525. Pouca coisa mais se
salva desse grupo que em 83 já tinha álbum de “maiores sucessos”. Isso
significava que já estavam mortos comercialmente, eram passé.
Em 1985, o Visage era defunto (e o New Romantic também) e
a partir daí os problemas pessoais de Strange tomaram precedência. Vício em
heroína, colapso nervoso e até roubo de boneco de Teletubbie em loja.
Quase 30 anos após o desmantelamento, o Visage lançou
Hearts and Knives, em 2013. As 3 décadas não passaram no planeta-purpurina de
Steve Strange; parece que estamos ouvindo canções lançadas em 1983. E não é que
esse tornou-se o único álbum (quase) completo que mantenho do grupo? Exceto
pela chata Breathe Life, gosto de todas e uma considero clássico oitentista
temporão. Never Enough abre com sua referência ao batidão que Giorgio Moroder
fez pra Donna Summer e bom trabalho de Robin Simon, guitarrista do Ultravox,
fase pré-Midge Ure. A guitarra continua afiada e competente na maravilhosa
Shameless Fashion, puro New Romantic glam, com baixo galopante e barulhinho de
máquina fotográfica à Girls on Film, do Duran Duran. Sexy, desfilável e
posável.
Eletricidade obcecou a geração 70’s/80’s. Além da
Electric Light Orchestra (o ELO, de Xanadu, lembram?), Kraftwerk, OMD, Duran Duran, Debbie Gibson, Phil Oakey e o desprezível OFF eletrificaram títulos de
canções e álbuns. O Visage, tão retro-moderno, também plugou sua moça elétrica:
She’s Electric (Coming Around) tem teclados The Human League. Como resistir ao
synth disco de I Am Watching?
A voz de Steve Strange nunca foi grande coisa, mas servia
pra remota finalidade gelada de muito do synthpop. Em Hearts and Knives dá pra
perceber como a idade e os desregramentos cobraram seus impostos, mas vocais de
apoio estrategicamente camuflam um pouco essa deficiência e sai até canção mais
lenta linda como Lost in Static ou a minissinfonia de araque de sintetizador On
We Go.
Em março de 2014, o Visage tocou com uma orquestra tcheca
na cidadezinha de Harrachov, pro enceramento do campeonato mundial de salto de
esqui. A experiência deu a ideia pra Orchestral, que reúne canções dos 4 álbuns
e uma inédita em versão synth-orquestral. Embora conceito original prum álbum
tipo “maiores sucessos” (só há uma inédita, a deletável The Silence), o
casamento com sinfônico nunca funciona de verdade. Por mais simpáticas que Fade
to Grey e Damned Don’t Cry tenham resultado, na hora H o ouvinte quer a versão
original, especialmente da última. O estado da voz de Strange acabou pesando,
especialmente em Pleasure Boys, que ficou pior que o original; e mesmo com os
disfarces de estúdio, a gelidez jovem faz falta. Orchestral pode servir como
curiosidade pros (muito) poucos fãs do Visage, mas pro público geral nada
acrescenta.
E assim terminou o retorno às atividades do Visage, pelo
menos em sua encarnação com Strange (e pode haver outra?).
O coração New Romantic do vocalista parou de bater em
fevereiro, enquanto de férias no Egito. O enterro contou com a presença de Boy George e os irmãos Kemp, do Spandau Ballet carregando o caixão; Martin Fry, do
ABC; Andy Bell, do Erasure; Tony Hadley, vocal do Spandau. Celebridades New
Romantic e synthpop de há 30 anos que foram se despedir dessa figura
complicada, mas definidora de muito do que amamos na primeira metade da melhor
década da História. A imprensa britânica não poupou laudas e louros pra
importância de Steve. Se o considerava tão especial, por que
ignorou seus últimos lançamentos?
Descanse em paz, Steve
Strange.
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