Nosso historiador-cronista fala sobre seu bem sucedido livro Prostituição à Brasileira e também sobre a relação do tema com o Big Brother.
EX BBB: SALIÊNCIAS E FAVORES
EX BBB: SALIÊNCIAS E FAVORES
José
Carlos Sebe Bom Meihy
Foi assim: o telefone tocou e se tratava de uma
jornalista querendo saber do vínculo temático do meu livro “Prostituição à brasileira: cinco histórias”
com casos “da realidade de hoje”. Um tanto perplexo, perguntei “como assim, o
livro não responde a isso? ”. Mediante a insistência, desenvolvi argumentos
baseados na experiência decorrente de 72 entrevistas com brasileiras e
brasileiros que exercitam a prostituição no exterior. Minha pesquisa, iniciada
há mais de seis anos, desdobrou de dois fatores complementares: o número
alarmante – calcula-se em 70 ou 75 mil patrícios nessa seara – e a pluralidade
de adeptos – pessoas de diferentes classes sociais, idades e condição de
escolaridade. Também me vali da nossa perigosa reputação sexual e das
consequências temerosas que isso tem causado nos meios diplomáticos,
discriminatórios em países que dificultam nosso ingresso. O pressuposto que
rege minha reflexão, no entanto, vai além do problema institucional, e
dirige-se em primeiro lugar à necessidade de “desvitimizar” prostitutas e
prostitutos, vistos sempre como refugo, estorvo ou empecilho. Parto do
princípio que reconhece nesses agentes, autonomia soberana e direitos
garantidos inclusive por Constituições. Não estou dizendo que não haja pessoas
exploradas, casos de oprimidos pelo tráfico de pessoas, abusados pelas
diferentes máfias e aproveitadores. O que me parece fundamental, porém, é o
reconhecimento de atributos que mulheres e homens adquirem no convívio por
vezes difícil – mas também prazeroso – na prática do uso do corpo aqui ou
alhures. Sabe-se da complexidade do assunto que, por certo, tem filtro cultural
entranhado. A aproximação da prostituição ao pecado, à proscrição social, à
condenação, está claramente expressa em todos os Livros Sagrados e as igrejas
não se limitam a condenar essa prática que, paradoxalmente, está presente em
todas as sociedades, com maior ou menor tolerância.
A conversa com a jornalista prosseguia até o ponto em que
ela insistiu, quebrando reflexões, “mas professor, dê um exemplo capaz de
provar sua argumentação”. Foi muito fácil, perguntei se ela havia lido os
jornais do dia. Algo irritada, ela disse que sim e perguntei-lhe então se teria
algo a dizer do caso da ex-BBB, participante da quarta edição do Programa,
Juliana Lopes Leite. “Ah, sim, vejo agora o que o senhor quer dizer”, contestou
mudando o tom inquiridor. Juliana, a bela brasileira hoje com 34 anos, que se
viu enrolada em uma história confusa, mal explicada, mas indicativa de
atividades suspeitas. Trata-se de denúncia estampada no jornal norte-americano
"New York Post" acusando o senador, por Nova Jersey, Robert Menendez,
de 61 anos, do partido democrata, denunciando o tráfico de influência política
destinado a ajudar doadores de sua campanha. Juliana entra no imbróglio como favorecida por ter sido
namorada de um importante cirurgião, Salomon Melgen, um dos mais expressivos
doadores da campanha do político. Publicamente, a ex-BBB afirmou que teve um relacionamento
esporádico com o médico famoso, algo em torno de três ou quarto meses, mas que
teria sido só isso. Dito assim, o enredo narrado não se configuraria em caso de
prostituição, pelo menos nos moldes convencionais que caracterizariam o caso. A
favor de implicações condenatórias, contudo, vale lembrar que Juliana posou
para revistas masculinas em situações insinuantes e, sem maiores sucessos no
Brasil, resolveu mudar-se para Miami e se tornar advogada. Este breve enunciado
traz de volta os argumentos apresentados como hipótese de minha tese: não
estamos falando mais de meninas pobres, vítimas da miséria e de falta de
oportunidades. Assumida no mundo globalizado, boa parte dos brasileiros adeptos
da prostituição no exterior se “empodera”, se impõe e assim nos ensina que nossos
habituais critérios de promoção social não oferecem oportunidades para tantos
que buscam fora do país uma outra chance. E conseguem. Os perdedores nesta
equação somos nós, que não regulamentamos a prostituição prevista em lei e continuamos
a manter a prática da exclusão. De certa forma, enquanto não se discutir a
questão fora dos tabus estabelecidos, jamais teremos condições de
discernimentos socialmente desejáveis.
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