Em um texto terno, nosso historiador-cronista relembra uma daquelas amizades eternas e um livro que marcou a infância/adolescência de muitos de nós. Lindo, lindo...
José Carlos Sebe
Bom Meihy
Dia desses, andava meio acabrunhado, com saudade de mim mesmo e dos chamados “bons tempos”. Bateu uma certa melancolia e dei asas a esse sentimento tão fora de moda. Demorei para entender o que se passava e o diagnóstico veio manso e bom, como uma brisa confortável em dia quente. Confesso que minha primeira reação foi indagar se o que sentia era algum tipo de depressão. Perguntei-me, algo perplexo “será que estou com o mal do século”? Do século XIX, diga-se. Logo vi que não, mas mesmo assim fiquei melindrado, pois melancolia também é coisa de antigamente.
Desbravado o universo conceitual, passei para
outro estágio analítico: o que teria motivado aquela viagem ao meu passado? E
aos poucos a rememoração foi se fazendo narrativa. Havia dado um tempo em
leituras pertinentes, mas exaustivas, e fui para o facebook – acontece
de vez em quando, viu? Entre as “novidades”, meu amigo Luis Fernando Vieira
Negrini, postava uma foto ao lado de sua filha Leda. Tratava-se do aniversário
da moça. Fiquei encantado ao ver aquela menininha, hoje crescida, linda e com
olhar feliz. Num impulso imediato, mais do que “curtir”, escrevi: Parabéns,
pergunte ao seu pai por quê. Estava dada a largada para minha
interiorização. E deixei-me levar por uma saudade arrebatadora. Fernando foi
meu grande amigo. O melhor, diria. Com ele ao lado, atravessei os anos difíceis
da adolescência e mesmo quando virei aluno de colégio interno mantivemos viva
correspondência. Ah! a prática das cartas enviadas pelo correio, com selos
sobre os envelopes...
Mas, nossa amizade não se resumia a nós dois.
Havia um entorno fantástico e um terceiro nome compunha a solidez de um
relacionamento que sempre foi forte, alegre, confidente, amigo mesmo, enfim.
Paulo Francisco Moreira completava o trio. E como ríamos, a par dos sofrimentos
característicos da idade. Nossa! E tudo era tão bonito e pleno que não faltavam
amigos complementares. Vivíamos unidos, e juntos fazíamos uma espécie de clube
paralelo, exclusivo. Frequentávamos outros grupos, muitos aliás, mas nos
bastávamos para discutir filmes, leituras e, sobretudo o destino futuro. Li
outro dia uma frase que me deixou pensativo: não se faz amigos verdadeiros
depois dos 30 anos. Sei lá se isso é verdade, mas no real de minha
experiência aquele trio está entre as melhores coisas que me aconteceram. Crescemos,
casamos e tivemos filhos, profissionalizamo-nos e a vida cuidou de nos separar.
Temos afinidades eletivas e sei da solidez daquela experiência e a presença
desta certeza nos é referencial. Preside até um inexplicável respeito ao
passado, algo que não nos permite reencontros frequentes. Seria factível
planejar situação em que nos juntássemos, mas para quê? A distância, ironicamente,
possibilita guardar o perfume de um tempo que foi único. E sem qualquer
comunicação retraçamos um pacto de silêncio.
Depois que meditei sobre essa ligação de
amizade antiga, pensei em escrever sobre isso. Virar crônica, porém, exigiu um
enquadramento formal e demandava título. Logo, então, me veio à memória um
livro que àquela altura da vida, no tempo real do passado longínquo, me marcou
profundamente. Não se trata de nenhum clássico, mas de um texto terno e
alentador “Éramos seis”, escrito por Maria José Dupré. Tratava-se de uma
história comum, estranha até. O drama vivenciado nos anos de 1920, transcorria
até a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial. O curioso é que a narrativa
não amarra uma história de amor central, sobre a qual giraria o enredo. Nem é
um texto de indagações ontológicas, ou sequer tem suspense. Trata-se de
circunstâncias rotineiras, de uma família qualquer. O diferencial daquele
escrito está no afeto que enlaça os personagens. A ligação emocional dos filhos
de dona Lola é comovente, do começo ao fim. Curiosamente, “Éramos seis”
virou novela e foi exibida em 1994, constituindo-se em sucesso vertido para
televisão por Sílvio de Abreu e Rubens Ewald Filho. Pois é, precisei deste mote
para nomear a crônica presente. Dei parabéns a Leda exatamente por evocar na
simpatia do romance de Maria José Dupré o resultado de uma experiência que de
certa forma a integra.
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