Roberto Rillo Bíscaro
A crise da meia-idade foi punk pro Pai da Moderna
Literatura Sueca, August Strindberg. Ele denominou esse período de sucessivas
crises psicóticas de seu inferno. O dramaturgo achou consolo nas ideias de seu
compatriota do século XVIII, Emanuel Swedenborg, que acreditava em contato com
mortos, dizia que nossos corpos são apenas invólucros pros espíritos (“we are spirits
in a material world”, desculpe, não deu pra evitar cantarolar The Police) e
influenciou maluquetes como William Blake e Baudelaire.
Li uma peça menor do cânon strindbergiano, Brott och Brott, traduzida pro inglês como There
Are Crimes and Crimes (1899), escrita precisamente no cinquentenário do autor,
um ano depois da influente e badalada Rumo a Damasco.
A ideia central é que mesmo quando pensamos alguma
maldade já estamos cometendo um crime, mesmo ele não sendo previsto no código
penal. Trata-se, então, da recontextualização da afirmação de Cristo, no
Evangelho de Mateus, de que quando se olha pruma mulher com malícia o adultério
já se consumou.
Depois de anos na luta, Maurice finalmente terá sua peça
estreando nos prestigiosos palcos parisieneses. No mundo pré-cinema/TV/Youtube,
essas coisas podiam deixar um escritor rico e celebrizado, especialmente na
capital cultural do mundo ocidental. Maurice mantém relacionamento morno com
Jeanne, com a qual tivera uma filha, Marion. Mantendo a estrutura temporal
herdada de Aristóteles, onde tudo acontece feito avalanche, em pouco mais de
24, 36 horas Maurice conhece Henriette, amante de seu amigo Adolphe, ambos se
apaixonam, pensam como seria bom se não houvesse a pequena Marion em seu
caminho, a peça de Maurice é sucesso estrondoso, Marion morre em circunstâncias
misteriosas, Maurice passa de sucesso instantâneo a pária da hora, ele e
Henriette começam a se culpar e desconfiar um do outro, a causa da morte da
menina é descoberta e Maurice acha seu caminho.
Essa rapidez não é problema, quando se entende e aceita a
convenção; o que diminui a peça no conjunto da obra de Strindberg é a solução
chocha, de meio termo, indicativa de que é possível desfrutar do melhor dos 2
mundos, o material e o espiritual depois de se haver passado por turbulência
mental tão intensa. Até dá pra aceitar a noção de temperança, incrustrada no
mundo protestante onde Strindberg se criou. Mas ela é decidida quase tão
casualmente como se escolhe a cor do casaco pra sair de casa. Bem brochante o
final.
Mas, There Are Crimes and Crimes tem seus momentos –
Strindberg era bom. A discussão acerca do que é legal ou moral e a construção
dialógica da cena em que Maurice e Henriette começam a achar
elementos/argumentos pra se acusar é típica dança da morte entre os sexos de
Strindberg.
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