Roberto Rillo Bíscaro
Curioso. Enquanto a faixa etária dos 50 em diante é a
única que se conserva – até cresce - como audiência das grandes redes ou mesmo
da TV por assinatura nos EUA, são os serviços por streaming que nesse par de
anos têm feito mais pela representação dos idosos como protagônicos.
Transparent, da Amazon, trouxe o transgênero quase 70tão e em maio a Netflix
disponibilizou os 13 episódios da primeira temporada de Grace & Frankie, sitcom criada por Marta Kauffman, famosa
por ter co-criado Friends.
A premissa não difere tanto de Transparent: famílias
lidando com os efeitos de pais saindo do armário. Grace (Jane Fonda,
sensacional sempre!) é casada com o bem-sucedido advogado Robert (Martin
Sheen), sócio de Sol (Sam Waterston, que eu lembrava dos oitentistas Hannah e
Suas Irmãs e Setembro; nossa, como ele tá velhinho!), casado com Frankie (Lily
Tomlin, a qual muita gente acha engraçada, então, ok, né?). Em um jantar,
Robert e Sol anunciam que mantêm um relacionamento há 20 anos e pretendem
deixar suas esposas e se casar. Grace e Frankie, que se suportavam por causa da
sociedade dos maridos, têm que absorver e processar essa brusca mudança, ao
mesmo tempo que passam a dividir uma casa na praia. Usando a incompatibilidade
de personalidades à Um Estranho Casal (Jack Lemmon e Walter Mathau,
memoráveis), Grace and Frankie aborda temas sociocomportamentais sérios de
maneira leve e (razoavelmente) divertida. E passa também na aberta NBC, tem
beijos gays de terceira idade e os EUA não sofreram nenhum cataclismo nem os
heterossexuais estão sendo extintos por isso.
Não é sagaz como a também inclusiva Modern Family, mas as
personagens são tão gostáveis, o elenco tão bom e as situações tão pertinentes
e importantes de serem (re)tratadas que Grace & Frankie não demora a ganhar
o afeto. Dá gosto ver aqueles septuagenários ativos, vivendo a vida, tendo a
coragem de mudar, adaptando-se a novas estruturas emocionais/familiares e sendo
tão humanos, embora personagens de sitcom, que acho que está mais pra dramédia.
2 esclarecimentos:
a)
A maliciosa ambiguidade do diminutivo
Frankie, que soa algo como o masculino Frank, já fora usada pelo dramaturgo
Terrence McNally em sua peça virada filme Frankie and Johnny in the Clair de
Lune.
b)
A presença do “machão” Martin Sheen não
deveria surpreender no papel do reservado Robert. O ator sempre foi simpático à
causa gay e faz parte da representação televisiva desse segmento na TV
norte-americana desde 1972, quando estrelou That Certain Summer, primeiro
telefilme a representar um relacionamento gay de maneira não hostil. Morro de
vontade de ver e não encontro; caso alguém consiga, avise.
O problema maior reside nos filhos de Grace/Robert e
Frankie/Sol. Contrastando diametralmente com a inteligência e profundidade dos
4 veteranos, exceto por uma, os demais são muito rasos e um – o filho adotivo
afro-americano do casal judeu (deixa pra lá discutir apelação...) – beira o
retardamento mental. Marta, dear, ou dá um jeito nessa cria ou bota num saco e afoga
no tanque, por favor!
Provavelmente porque os episódios estão disponíveis pra
serem vistos em bloco – vi os 13 em 2 dias – tem-se a impressão duma série
disfarçada: dá pra entender os capítulos separadamente, mas há um arco descrito
neles, onde as personagens evoluem, fatos vão e vem, enfim, o conceito de
sitcom aqui é diferente dos episódios bem mais independentes de Mary Tyler Moore,
Supergatas ou a contemporânea Modern Family.
Pode não ser de rolar de
rir, pode ter a hipponga personagem de Lily Tomlin que não me agrada(m), mas é
terno, pró-ativo, suficientemente divertido, corajoso e tem a deliciosa Jane
“sou-foda-mesmo-aos-70” Fonda e os adoráveis Martin e Sam, que deram
tanta dignidade a esses senhores corajosos que também enfrentam uma barra ao se
distanciarem das mulheres com as quais viveram por 4 décadas. Grace &
Frankie valeria “só” por isso, mas seu valor é intrínseco; trata-se dum bom show, que ganhou segunda temporada, a
que não vejo a hora de ter acesso.
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