A dramaturgia norte-americana presenteou o mundo com
poderosos dramas familiares. Foram tantas peças que rendeu até sub-gênero, as
Family Plays ou Family Drama. Eugene O’Neill, Tennessee Williams, Arthur Miller, Edward Albee e outros tantos juntavam os membros duma família numa
casa/sala-de-estar e demoliam-na. Geralmente era uma gritaria que expunha
podres, neuroses e jogos de poder, cujo objetivo era criticar a estrutura
social através da representação familiar. O Teatro Naturalista foi vovô dessa
fecunda geração ianque; leia aqui minha resenha prum desmonte familiar escrito
por Leon Tolstoy.
Mas, os EUA
não detém monopólio sobre os Family Dramas, que pipocaram pelo planeta,
inclusive na pequena e insular Islândia. Ólafur
Haukur Símonarson escreveu Hafið, sobre uma rica família reunida numa isolada aldeia pesqueira nos
confins da ilha. Confins da Islândia são realmente confins, não!? O diretor Baltasar Kormákur adaptou o texto pras telonas, em 2002.
O resultado foi meia-boca: tem fios soltos e muita pretensão pra pouca
realização.
A
globalização está afetando os negócios pesqueiros do patriarca Thordur, que,
velho e doente, precisa passar o cetro prum dos 3 filhos e pensar em
diversificar e flexibilizar sua produção. Mas, ele também quer lavar e passar a
roupa suja familiar. Pra isso, convoca os rebentos e respectivas famílias prum
fim de semana na cinzenta, esquálida e fria aldeia, onde todo mundo é
esquisito. Segredos vêm a tona, ódios e paixões reprimidos afloram, tudo que se
espera dum family drama, mas com a explosão de violência deste nosso mundo
pós-Sam Shepard. The Sea (como é conhecido internacionalmente) pode ser mais ou
menos definido como Shakespeare encontra Lillian Hellman encontra Thomas
Vinterberg. Só que qualquer um dos três vale mais a pena.
Nos
family dramas, geralmente empatizamos com alguma personagem, que representa a
crítica ao que “está errado” na sociedade; ou mesmo que seja difícil empatizar,
entendemos seu problema/comportamento. Em Hafið é difícil adotar o ponto de
vista de alguém, porque todos são superficiais, desagradáveis e/ou
inconsequentes. O adolescente que grafita os cifrões no carro do pai yuppie é
revoltado contra o quê? Com cara apalermada, ele não fala quase nada durante o
filme, então como não classificar seus atos como idiotas ou falta dum bom cabo
de enxada apenas?
As
tentativas de humor talvez sejam islandesas demais pra estrangeiros rirem;
aquele policial e aquela cabra não têm nada a ver, pelo sangue de Cristo!
De
praxe nessas obras, o conteúdo social sedimentado é o mais interessante e dá um
mapa preciso do estágio do capitalismo na Islândia pré-arrombo do final da
década passada. Cheque o destino do negócio pesqueiro e como termina Thordur e
preste atenção aos imigrantes negros e asiáticos trabalhando globalizadamente
há anos-luz de seus habitats primevos. E atente pro que o dono do bar fala a
respeito do preço da cerveja e dos saquinhos de chá; superdetalhe pro contexto
do drama familiar, mas foi uma das frases que mais me chamaram a atenção no
mediano Hafið.
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