quinta-feira, 18 de junho de 2015

TELONA QUENTE 123

Resultado de imagem para dvd sobrevivente
Roberto Rillo Bíscaro

Em 1984, um barco pesqueiro afundou perto das ilhas Westman, ao sul da Islândia. Contrariando as (im)probabilidades de sobrevivência nas gélidas águas do Atlântico Norte, um marinheiro gorducho nadou por 6 horas na escuridão hipotermizante, alcançou a praia pedregosa e, descalço, caminhou sobre cortantes rochas vulcânicas e por mais 2 horas até alcançar uma casa, onde uma ambulância foi chamada. O retraído Gulli tornou-se celebridade instantânea e passageira, foi estudado por cientistas perplexos com sua resistência fora no normal. Tudo sem compreender direito tanto paparico; segundo ele, tudo o que fizera fora sobreviver, enquanto seus desafortunados companheiros pereceram em uma fatalidade da arriscada profissão de pescador pra alimentar a comunidade.
Robert Duvall certa feita afirmou que existe uma infinidade de boas histórias de “gente comum” a serem filmadas. Não sei se o diretor Baltasar Kormákur (de The Sea, resenhado aqui) leu essa entrevista, mas inspirou-se nesse acontecimento pra filmar Djúpið (2012), que no Brasil foi lançado como Sobrevivente. O filme evita qualquer tentação narrativa, interpretativa ou sonora de transformar a história de Gulli em ação supra-humana dum cara acima da média. A escolha tem como resultado desigualdade no ritmo. Ou nós que precisamos de reeducação pra aprender a fruir narrativas menos bombásticas?
Os 3 atos de Sobrevivente são cristalinamente bem delineados. A primeira parte lida com os preparativos pra fatídica viagem e com os momentos pré-naufrágio. Em estilo algo documental, faria bom par com Brim (resenhado aqui).

O ato segundo é sensacionalmente realista sem ser sensacionalista. Demorará pra eu esquecer a expressão de medo, desalento e frio de Ólafur Darri Ólafsson, sozinho na vastidão de breu e água, conversando com gaivotas, hipotetizando o que faria se Deus lhe concedesse mais um dia de vida em terra firme e rememorando outra tragédia: a erupção vulcânica que o afastou temporariamente de casa, quando criança (a mesma que serve de introdução pro excelente Eldfjall, resenhado aqui). Baseado num monólogo teatral, a permanência no mar nunca fica enfadonha, porque Kormákur intercala imagens em 16mm pra representar os pensamentos e recordações de Gulli. E quando ele alcança a costa, o calvário do choque das ondas, da impossibilidade de escalar uma falésia, dos pés retalhados, da exaustão; dá arrepios de frio e dó.

O derradeiro ato mostra o retorno ao cotidiano, depois de um período estudado como cobaia por cientistas que o veem menos como ser humano do que como um caso de estudo. Fiel à trajetória e à personalidade de Gulli – no final vemos o tímido marinheiro real em entrevista da época – Sobrevivente perde ritmo. “Desobedece” o cânon da mistificação da figura do herói, mas ganha em cotidianidade e verdade, embora o roteiro pudesse ter aproveitado melhor a questão da desumanização pela qual passa todo “diferente”, seja herói, seja marinheiro sobrevivente de condições radicais.

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