quinta-feira, 25 de junho de 2015

TELONA QUENTE 124


Roberto Rillo Bíscaro

Dobradinha com vários pontos coincidentes: 2 produções escandinavas influenciadas por Tarantino e irmãos Coen, bastante violentas e cujas tramas estão diretamente relacionadas à maciça diáspora dos ex-países comunistas, que formou bolsões de máfia, prostituição e sub-empregos na outrora pacata (será?) Escandinávia.

E quem diria que a esparsamente povoada Islândia tem que se haver com disputas de gangue e prostíbulos povoados por europeias orientais? Segundo Borgríki (2011), a pequena Reikjavik esconde policiais corruptos que protegem mafiosos locais, cuja hegemonia está ameaçada pela nova onda sérvia de mafiosos profissionais treinados na guerra, inclusive, muito superiores aos “inocentes” islandeses (nos termos do filme, conhecido em inglês como City State).

Um imigrante jura vingança a um bandido local após perder seu filho. No processo, seu caminho se cruza com o de uma policial, seu superior corrupto e os rivais balcânicos. Não sei se teria entendido o lance da vingança caso não tivesse lido a sinopse. A primeira parte de Borgríki picota a trama e as trajetórias das personagens, mas lá pelo meio, tudo fica linear.  Como não nos acostumamos a nenhuma convenção, nos perdemos um pouco. Alguns personagens precisavam estar mais bem desenvolvidos, como a policial. Faltou perícia na montagem pra brincar de ser Tarantino, mas o filme vale por abordar uma realidade que poucos parecem julgar possível na Islândia. Claro que se trata de ficção e não documentário, mas a porrada come solta no submundo da terra de Bjork, com policial sendo atirado de prédio e chefe de polícia importando namorada eslava via internet. 

O norueguês Kraftidioten (2014 - no Brasil batizado de O Cidadão do Ano) é bem superior com sua ironia de comédia de humor-negro. Nils é pacato operador de máquina de remover neve das estreitas estradas nórdicas. Vivendo com a esposa num vilarejo, sua vida não tem grandes acontecimentos, salvo o recente prêmio de Cidadão do Ano, considerado por um conhecido como grande avanço na integração de imigrantes à sociedade norueguesa. Como o tom cômico escandinavo não é tão conhecido por nós como o norte-americano, talvez alguns percam a ironia: Nils é imigrante... sueco. Embora a região não seja aquela harmonia trans-escandinava como idealizamos, é diferente ser imigrante sueco do que sérvio ou congolês. De toda forma, também há que se considerar que a ideia dum referendo pra estabelecer limites pra migração europeia – como fez a Suiça – foi cogitada por um dos partidos da base aliada do governo, em 2014. É bom situar Kraftidioten nesse contexto.

Quase simultaneamente à condecoração, Nils recebe a devastadora notícia de que seu filho único morrera de overdose. Sabedor que o jovem não era usuário, quando Nils está prestes a cometer suicídio (portanto, sem nada a perder) aprende que o menino fora morto por uma gangue de traficantes noruegueses. Na tradição de Desejo de Matar e dos filmes exploitation anos 70 de vingança, Nils começa a eliminar os malfeitores num processo que escala prum banho de sangue e guerra entre mafiosos noruegueses e sérvios. Se o espectador não aceitar/entender que estamos nessa convenção, frustrar-se-á com a aleatoriedade de certos eventos e ligações; tipo, do nada aparece um irmão do honesto Nils que era envolvido com o grupo de traficantes ou também de repente surge um moço contando o destino do filho ao pai, na garagem de casa, quando o coroa estava com o cano da espingarda na boca. Kraftidioten é pastiche no mais puro sentido jamesoniano e amontoa sinais de convenções como western (no confronto final a areia do deserto é a espessa neve setentrional e preste atenção à guitarrinha incidental).

Tudo é ajudado pela gelidamente excelente interpretação de Stellan Skarsgård, pelo majestoso cenário nevado (o removedor de gelo pilotado por Nils fornece cenas belíssimas e amedrontadoras) e por soluções espertas como apresentar uma curta interrupção após cada morte: a tela fica preta e o nome do defunto aparece, sob cruz, estrela de Davi ou o que seja.

Mas, poderia ser um pouco mais curto.

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