Roberto Rillo Bíscaro
Dobradinha com vários pontos coincidentes: 2 produções
escandinavas influenciadas por Tarantino e irmãos Coen, bastante violentas e
cujas tramas estão diretamente relacionadas à maciça diáspora dos ex-países
comunistas, que formou bolsões de máfia, prostituição e sub-empregos na outrora
pacata (será?) Escandinávia.
E quem diria que a esparsamente
povoada Islândia tem que se haver com disputas de gangue e prostíbulos povoados
por europeias orientais? Segundo Borgríki (2011), a pequena Reikjavik esconde policiais
corruptos que protegem mafiosos locais, cuja hegemonia está ameaçada pela nova
onda sérvia de mafiosos profissionais treinados na guerra, inclusive, muito
superiores aos “inocentes” islandeses (nos termos do filme, conhecido em inglês
como City State).
Um imigrante jura
vingança a um bandido local após perder seu filho. No processo, seu caminho se
cruza com o de uma policial, seu superior corrupto e os rivais balcânicos. Não
sei se teria entendido o lance da vingança caso não tivesse lido a sinopse. A
primeira parte de Borgríki picota a trama e as trajetórias das personagens, mas
lá pelo meio, tudo fica linear. Como não
nos acostumamos a nenhuma convenção, nos perdemos um pouco. Alguns personagens
precisavam estar mais bem desenvolvidos, como a policial. Faltou perícia na
montagem pra brincar de ser Tarantino, mas o filme vale por abordar uma
realidade que poucos parecem julgar possível na Islândia. Claro que se trata de
ficção e não documentário, mas a porrada come solta no submundo da terra de
Bjork, com policial sendo atirado de prédio e chefe de polícia importando
namorada eslava via internet.
O norueguês
Kraftidioten (2014 - no Brasil batizado de O Cidadão do Ano) é bem superior com sua ironia de comédia de humor-negro.
Nils é pacato operador de máquina de remover neve das estreitas estradas
nórdicas. Vivendo com a esposa num vilarejo, sua vida não tem grandes
acontecimentos, salvo o recente prêmio de Cidadão do Ano, considerado por um
conhecido como grande avanço na integração de imigrantes à sociedade
norueguesa. Como o tom cômico escandinavo não é tão conhecido por nós como o
norte-americano, talvez alguns percam a ironia: Nils é imigrante... sueco.
Embora a região não seja aquela harmonia trans-escandinava como idealizamos, é
diferente ser imigrante sueco do que sérvio ou congolês. De toda forma, também
há que se considerar que a ideia dum referendo pra estabelecer limites pra
migração europeia – como fez a Suiça – foi cogitada por um dos partidos da base
aliada do governo, em 2014. É bom situar Kraftidioten nesse contexto.
Quase
simultaneamente à condecoração, Nils recebe a devastadora notícia de que seu
filho único morrera de overdose. Sabedor que o jovem não era usuário, quando
Nils está prestes a cometer suicídio (portanto, sem nada a perder) aprende que
o menino fora morto por uma gangue de traficantes noruegueses. Na tradição de Desejo
de Matar e dos filmes exploitation
anos 70 de vingança, Nils começa a eliminar os malfeitores num processo que
escala prum banho de sangue e guerra entre mafiosos noruegueses e sérvios. Se o
espectador não aceitar/entender que estamos nessa convenção, frustrar-se-á com
a aleatoriedade de certos eventos e ligações; tipo, do nada aparece um irmão do
honesto Nils que era envolvido com o grupo de traficantes ou também de repente
surge um moço contando o destino do filho ao pai, na garagem de casa, quando o
coroa estava com o cano da espingarda na boca. Kraftidioten é pastiche no mais
puro sentido jamesoniano e amontoa sinais de convenções como western (no confronto final a areia do
deserto é a espessa neve setentrional e preste atenção à guitarrinha
incidental).
Tudo
é ajudado pela gelidamente excelente interpretação de Stellan Skarsgård, pelo majestoso cenário nevado (o removedor de
gelo pilotado por Nils fornece cenas belíssimas e amedrontadoras) e por
soluções espertas como apresentar uma curta interrupção após cada morte: a tela
fica preta e o nome do defunto aparece, sob cruz, estrela de Davi ou o que
seja.
Mas,
poderia ser um pouco mais curto.
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