Nosso historiador-cronista, que é professor de História da Arte (phyno!), dá uma aula sobre Concretismo através do trabalho do artista-plástico Regis Machado. Texto riquíssimo e poético.
A POESIA DAS FORMAS DIMENSIONAIS: REGIS MACHADO SILVA.
A POESIA DAS FORMAS DIMENSIONAIS: REGIS MACHADO SILVA.
José
Carlos Sebe Bom Meihy
Sempre... Sempre me encantei
com histórias de pessoas predestinadas. Gosto de determinações existenciais, em
particular quando perdem a dureza da obsessão e alçam a graça do destino bem
resolvido. E viram arte... Regis Machado Silva é um destes seres que se
singularizam por recriar o mundo em formas concretas. Concretas e perfeitas. Concretas,
perfeitas e combinadas. Semideus dos contornos exatos, é desses artistas que
perturbam a relação da autoria e produto, ambos se comunicam. Os contornos
usados em suas obras – não quadros ou pinturas – são elementares e até prosaicos,
mas de identificação apenas fácil na complexidade da aparência. Então, não se
pode dizer dele que é simplesmente “pintor”. Organizando elementos, dispondo
matéria em espaços volumétricos, e a cada vez mais tridimensionados, seus
trabalhos exigem esforços analíticos cartesianos, devedores da precisão e do
equilíbrio, mas também do desafio harmonioso. Da discrição também.
Paradoxalmente, o escândalo de seus produtos repousa no elementar.
A concisão dos objetos recompostos
por Regis, convocados para arranjos combinatórios de disfarçada ingenuidade, sugere
decisões exatas, inspiração de matemáticas imperceptíveis, poeticamente
científicas. Mas não é qualquer inventividade a dele. Não. E nem é fácil gostar
sem conhecer. Nada de amor à primeira
vista ou de assimilação espontânea. A pausa reflexiva se faz necessária. E
exige tempo. E imobilidade observatória... Árvore diversa de floresta variada,
sua opção é pelo palpável explicado no apuro do contorno obrigatório e bem
feito. Fugindo do minimalismo, ele apavora tanto o esboço como o rebuscado. Os
movimentos indicados também. Calma medida. Comedida, diria. E como é difícil
ser concretista tendo que se bastar na somatória da forma em estado bruto e na
economia das cores.
Quais materiais usados? Como
pensar a pureza do termo na síntese de poucas linhas? E o peso dos volumes em
combinações que exigem consonância e equilíbrio? Mais que tudo, como produzir
algo que concorra com o gosto domesticado que temos na aceitação vulgar de linhas
identificáveis e em abstrações sugestivas? O comprometimento com o bom gosto é
outro, exigente de apuro meditativo. Não basta olhar; não basta ver; não basta
admirar. A arte de Regis, regiamente exige conhecer a linha reta proposta pelo
Concretismo como Movimento. Paradoxalmente, não é difícil historiar o trajeto
dos concretistas, artistas de diversas áreas, despontados na Europa dos anos
que sucederam a Segunda Grande Guerra. Poetas reputados, como Vladimir
Mayakovsky, não mais aceitavam a palavra pela palavra ou por suas combinações
imediatas. Era preciso extrair ouro das entranhas vocabulares e a junção da
grafia com a sonoridade presumida com a forma, tornou-se matéria. Max Bill,
suíço alucinado por figuras geométricas foi pioneiro na proposta de uma “outra
arte”, revolucionando o mundo plástico. A música de Pierre Schaeffer também
motivou frases sonoras que fugiam das ondulações românticas.
Por certo no Brasil, em São
Paulo particularmente, os fluidos do Concretismo se impuseram apesar das críticas
severas. Era difícil para a percepção convencional entender, por exemplo, a
utilização de elementos gráficos que fundiam na forma conteúdo. Foi preciso uma
Revista “Noigrandes” fundada em 1952 para que nomes como Augusto de Campos,
Décio Pignatari, Haroldo de Campos, entre outros, produzissem se impondo como
“novos modernos”. Foi pela literatura, precisamente pelos versos, que a sintaxe
dos discursos permitiu a contração entre significados e significantes. Ramificações
gerais foram dando sentido ao Concretismo brasileiro e assim poetas da nova
geração como Paulo Leminski, Caetano Veloso, Gilberto Gil dimensionaram os
supostos do movimento para a cultura de massa. Então, pergunta-se, qual o papel
de Regis Machado neste voo? E aí as respostas se organizam como soma de atributos
também concretos. O moço nascido em Paraibuna, SP, não se deixou perder em
ângulos retos ou curvas perfeitas isoladas. Nem apenas em transversais
previsíveis ou cortes atrevidos. Regis foi mais longe. Separando formatos
dimensionais, na evolução de sua prática de cerca de 50 anos de arte, aprendeu recolocar
suas figuras inventando espaços avessos do vazio. E faz muito mais: sóbrio, dá
vida ao colorido puro; reinventa o equilíbrio e nos coloca num mundo com a
materialidade das exatidões. O relevo lhe é consequência. E agora ainda mais
ousado inventa movimentos e articula janelas e gavetas. A sugestão do ato de
abrir e fechar, de puxar e empurrar é irresistível. A interatividade da obra e
do observador o qualifica como agente participante constante de um objeto que
dialoga com a mudança do status da obra. Vivamos nele a concretude artística de
nosso tempo. Salve Regis...
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