quarta-feira, 29 de julho de 2015

CONTANDO A VIDA 116

Nosso historiador-cronista, que é professor de História da Arte (phyno!), dá uma aula sobre Concretismo através do trabalho do artista-plástico Regis Machado. Texto riquíssimo e poético.


A POESIA DAS FORMAS DIMENSIONAIS: REGIS MACHADO SILVA.
José Carlos Sebe Bom Meihy

Sempre... Sempre me encantei com histórias de pessoas predestinadas. Gosto de determinações existenciais, em particular quando perdem a dureza da obsessão e alçam a graça do destino bem resolvido. E viram arte... Regis Machado Silva é um destes seres que se singularizam por recriar o mundo em formas concretas. Concretas e perfeitas. Concretas, perfeitas e combinadas. Semideus dos contornos exatos, é desses artistas que perturbam a relação da autoria e produto, ambos se comunicam. Os contornos usados em suas obras – não quadros ou pinturas – são elementares e até prosaicos, mas de identificação apenas fácil na complexidade da aparência. Então, não se pode dizer dele que é simplesmente “pintor”. Organizando elementos, dispondo matéria em espaços volumétricos, e a cada vez mais tridimensionados, seus trabalhos exigem esforços analíticos cartesianos, devedores da precisão e do equilíbrio, mas também do desafio harmonioso. Da discrição também. Paradoxalmente, o escândalo de seus produtos repousa no elementar.
A concisão dos objetos recompostos por Regis, convocados para arranjos combinatórios de disfarçada ingenuidade, sugere decisões exatas, inspiração de matemáticas imperceptíveis, poeticamente científicas. Mas não é qualquer inventividade a dele. Não. E nem é fácil gostar sem conhecer. Nada de amor à primeira vista ou de assimilação espontânea. A pausa reflexiva se faz necessária. E exige tempo. E imobilidade observatória... Árvore diversa de floresta variada, sua opção é pelo palpável explicado no apuro do contorno obrigatório e bem feito. Fugindo do minimalismo, ele apavora tanto o esboço como o rebuscado. Os movimentos indicados também. Calma medida. Comedida, diria. E como é difícil ser concretista tendo que se bastar na somatória da forma em estado bruto e na economia das cores.
Quais materiais usados? Como pensar a pureza do termo na síntese de poucas linhas? E o peso dos volumes em combinações que exigem consonância e equilíbrio? Mais que tudo, como produzir algo que concorra com o gosto domesticado que temos na aceitação vulgar de linhas identificáveis e em abstrações sugestivas? O comprometimento com o bom gosto é outro, exigente de apuro meditativo. Não basta olhar; não basta ver; não basta admirar. A arte de Regis, regiamente exige conhecer a linha reta proposta pelo Concretismo como Movimento. Paradoxalmente, não é difícil historiar o trajeto dos concretistas, artistas de diversas áreas, despontados na Europa dos anos que sucederam a Segunda Grande Guerra. Poetas reputados, como Vladimir Mayakovsky, não mais aceitavam a palavra pela palavra ou por suas combinações imediatas. Era preciso extrair ouro das entranhas vocabulares e a junção da grafia com a sonoridade presumida com a forma, tornou-se matéria. Max Bill, suíço alucinado por figuras geométricas foi pioneiro na proposta de uma “outra arte”, revolucionando o mundo plástico. A música de Pierre Schaeffer também motivou frases sonoras que fugiam das ondulações românticas.

Por certo no Brasil, em São Paulo particularmente, os fluidos do Concretismo se impuseram apesar das críticas severas. Era difícil para a percepção convencional entender, por exemplo, a utilização de elementos gráficos que fundiam na forma conteúdo. Foi preciso uma Revista “Noigrandes” fundada em 1952 para que nomes como Augusto de Campos, Décio Pignatari, Haroldo de Campos, entre outros, produzissem se impondo como “novos modernos”. Foi pela literatura, precisamente pelos versos, que a sintaxe dos discursos permitiu a contração entre significados e significantes. Ramificações gerais foram dando sentido ao Concretismo brasileiro e assim poetas da nova geração como Paulo Leminski, Caetano Veloso, Gilberto Gil dimensionaram os supostos do movimento para a cultura de massa. Então, pergunta-se, qual o papel de Regis Machado neste voo? E aí as respostas se organizam como soma de atributos também concretos. O moço nascido em Paraibuna, SP, não se deixou perder em ângulos retos ou curvas perfeitas isoladas. Nem apenas em transversais previsíveis ou cortes atrevidos. Regis foi mais longe. Separando formatos dimensionais, na evolução de sua prática de cerca de 50 anos de arte, aprendeu recolocar suas figuras inventando espaços avessos do vazio. E faz muito mais: sóbrio, dá vida ao colorido puro; reinventa o equilíbrio e nos coloca num mundo com a materialidade das exatidões. O relevo lhe é consequência. E agora ainda mais ousado inventa movimentos e articula janelas e gavetas. A sugestão do ato de abrir e fechar, de puxar e empurrar é irresistível. A interatividade da obra e do observador o qualifica como agente participante constante de um objeto que dialoga com a mudança do status da obra. Vivamos nele a concretude artística de nosso tempo. Salve Regis...

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