O PAPA ESTRELA CADENTE!...
José
Carlos Sebe Bom Meihy
O século XXI mal começou e já elegi o personagem
emblemático, mais importante, da centúria: o Papa Francisco. Duvido que algum
outro tipo possa comover e provocar mais que ele. “Está pra nascer”, diria.
Indo além do elogio periférico, é preciso dar garantias, edificar argumentos
capazes de sustentar minha ousadia qualitativa. E seria fácil. Bastaria, por
exemplo, citar o posicionamento amoroso junto aos gays; a abertura para maior
participação das mulheres nos polos decisivos – inclusive rituais –; os pedidos
de perdão aos indígenas, judeus e às vítimas de pedofilia exercida por
sacerdotes, e agora, o acolhimento a casais de matrimônios que não deram certo.
Isso sem falar da discussão sobre o celibato de religiosos. A coleção de
avanços promovidos pelo Sumo Pontífice é surpreendente. Até entendo a
profundidade desta referência, lembrando que a expressão solene “pontífice”
deriva de “ponto”. Sim, o Papa deveria representar a palavra final, o sumo ponto,
da prática e vivência religiosas.
Pensando nessas (re)conquistas, me vejo cativado à
retomada de meu posicionamento religioso. Permitam-me breve digressão
histórico-pessoal. Nasci e fui criado em lar católico. Sempre gostei de rezar,
de seguir rituais sagrados e até de estudar a Bíblia. Tudo mudou quando fui
aluno de colégio interno, sob a mira de severos salesianos. Saí daquela escola
abominando aspectos da religião, em particular o verticalismo autoritário que
hierarquizava tudo. Tive uma reconversão durante a ditadura militar, movido em
muito pelo papel sensível de Dom Evaristo Arns frente a defesa da democracia. Fui
ardente admirador da teologia da libertação e até, por essa época, entrei de
cabeça nos movimentos religiosos que prometiam outra igreja. Lembro-me
emocionado do apoio às Comunidades Eclesiais de Base e do entusiasmo de
trabalhar em colégio religioso. Aconteceu, porém, que a retomada conservadora
dos anos de 1990 em diante, novamente me jogou na descrença. Diria que estava
acomodado e que descansava à sombra, num aprazível “deixa disso”. Mas, eis que
de repente me aparece o Papa argentino. Confesso que ele me perturbou desde o
começo e um dos efeitos provocados foi uma miragem na minha própria trajetória.
E tudo ficou mágico. Uma das implicações disso foi a revisão que fiz de minhas
atitudes capitais em função do histórico pessoal cristão.
Não pensem que a situação me é fácil. Nada! Estou
mergulhado em dilemas sérios, pois não tenho mais o desprendimento de quantos
creem sem necessidades de se justificar. Acatar pressupostos religiosos nessa
altura da vida demanda explicações severas. Para mim, hoje, os pecados capitais
não são mais aqueles de antigamente. Acho que a miséria, a exploração dos
outros, o consumismo, a violência, sãos as grandes iniquidades praticadas pelos
humanos. Mas, ironicamente, é exatamente aí que o Papa Francisco me tonteia.
Ele critica tudo isso e o faz de maneira cativante, simples, com as palavras
que queria ouvir. E não se exaure em dizer. A simplificação do ritual
doméstico, com a suspensão do luxo no Vaticano, as constantes quebras de
protocolo e os dribles na segurança pessoal, e até o fato de torcer por um time
“menor” de futebol o humaniza de maneira santa. Gosto da imagem dele.
Sei que devo lembrar que o Papa não é a igreja e que
esta, como instituição sólida que é, não mudará tão cedo. É-me claro que alguns
segmentos conservadores já afiam as unhas, mas não dá para deixar a esperança e
ficar passivo aguardando resultados. É assim que me coloco na berlinda: tenho
que tomar posição. E tomar posição implica aderir. Foi pensando nisso que me
veio uma imagem significativa. O Papa Francisco se afigura na noite do meu céu
pessoal como uma estrela cadente. Sei que estrela cadente não é propriamente
estrela, mas lampejo de brilho intenso que transita no espaço, meteoro de
massas desintegradas de outros astros. Ao entrar na atmosfera, tais “estrelas”
encantam os que olham a noite. O fascinante das estrelas cadentes é que elas
deixam memórias, marcam. Por enquanto o Papa Francisco está brilhando. Preciso
de tempo para ver o impacto dessa luz forte no meu firmamento pessoal. Mas algo
já mudou.
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