quarta-feira, 9 de setembro de 2015

CONTANDO A VIDA 122

Nosso historiador-cronista, em vista das delações da Lava Jato, pondere sobre ética, dedurismo e nosso sistema político-judiciário. 


ÉTICA E DEMOCRACIA: meditações sobre a Delação Premiada.


José Carlos Sebe Bom Meihy

Ética no mundo ocidental sempre foi tema filosófico da mais alta relevância, ainda que nem sempre evocado publicamente e raramente exposto ao debate coletivo. Aristóteles, por exemplo, a qualificava como espécie de condição do bem-estar social, fator saudável à paz e harmonia. Sem ética, poder-se-ia viver, mas no reino dos conflitos e das injustiças, da falta de limites. Talvez, por isso, como fator natural, nunca se fazia imperiosa discussão sobre ética que apenas repontaria quando necessária. Por sua feição prática, entre o abstrato moral e o pacto social firmado na depuração de acordos implícitos, a ética se formularia como ponto de equilíbrio entre o que nos interessa individual e coletivamente e a realidade factível do que se quer alcançar. Tudo, porém no varejo, não no atacado. Até onde podemos ir, qual a fronteira que nos leva à consciência do alcance de atuações? Como atingir a verdade? Estas e outras questões conduzem à reflexão sempre conveniente quando pensamos em procedimentos socialmente desejáveis e consequentes. Desdobramento natural destes pressupostos, o espaço do desempenho convoca juízos sobre direitos. Sobre direito e moral, diga-se. O perigo que se vê é quando a moral precisa ser aplicada como lei. Pior, porém, é quando a lei reina sobre a moral, praticamente, anulando-a.
Não é sem razão que sempre que se fala de ética em termos coletivos evocam-se fundamentos jurídicos. Uma das grandes perplexidades notadas no comportamento social, pois remete a necessidade de superação dos acordos verbais, morais, que repousam naturalmente em tempos de paz e concórdia. Legislar sobre ética se afigura como indicativo de que algo de anormal se passa e então se impõe a regra jurídica como mecanismo corretivo. Quando o mero respeito à palavra ou ao exercício dos pactos estabelecidos na articulação dos dias corriqueiros não mais dá conta da lógica dos procedimentos feridos, como que se esquece da moral, passamos a confundir ética com lei. Assim, mesmo sem enlear ética com moral, cabe acatar o respeito à negociação como forma de bom convívio e acertos de contas.  Confesso que duvido da beleza da busca de justiça quando começamos a nos valer da lei como caminho corretivo compulsório
Sabe-se que para os círculos autoritários basta a lei, não se fazem relevantes as justificativas ou fundamentos, pois estas são estabelecidas por outros, “autoridades”, e vigoram por imposição, alheias à opinião pública. Exatamente, quando a força da lei se faz necessária, quando para falar de ética precisamos do rigor legal, devemos nos assustar. Algo de muito estranho pode estar acontecendo. Tudo piora, porém, a partir do momento em que se premiam corruptores com benesses. E tudo fica muito feio. Horrível, aliás. Historicamente, durante o Tribunal do Santo Ofício da Inquisição, a delação era forma de disseminar acusações. Uma sociedade de medo e terror levava a duas consequências danosas: uma ligada ao feio ato da denúncia, e outro aos chamados “rumores”, ou seja, a disseminação da suspeita. Não demorou, aliás, para que pessoas maldosas se valessem da prática secreta para envolver inimigos e o que agravava mais ainda, a indicar mortos, pessoas importantes ou distantes como culpadas. O resultado eram processos complexos, intermináveis, sempre odiosos.  Com o tempo, aprendeu-se que delatar era algo errado e ensinamos aos filhos que ser “dedo duro” é algo condenável.
No leito da permissividade, no silêncio das negociatas políticas, vimos subterrâneos serem feitos, fazendo correr a corrupção. De repente, a dimensão dos problemas foi tanta que não mais se conteve. E a multiplicação dos escândalos foi se instalando em muitos níveis. E os efeitos públicos disso não mais foram controlados. Reside aí a maior contradição da prática da delação: o incentivo público à denúncia, e o que é pior, a premiação por tal ato sempre bordado de nomes públicos. O mais intrigante, porém, é que de repente perdemos todo o teor do debate sobre a moral da ética e passamos a usar a delação premiada, como instrumento jurídico. É evidente que há vantagens nessa forma de premiação de corruptos, mas há também muito de vergonhoso. No fundo, o que assistimos é a falência de um sistema de investigação que para fazer justiça se vale de denúncias. Pensemos.

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