Nosso historiador-cronista, em vista das delações da Lava Jato, pondere sobre ética, dedurismo e nosso sistema político-judiciário.
ÉTICA E DEMOCRACIA: meditações sobre a Delação Premiada.
ÉTICA E DEMOCRACIA: meditações sobre a Delação Premiada.
José
Carlos Sebe Bom Meihy
Ética no mundo ocidental sempre foi tema filosófico da
mais alta relevância, ainda que nem sempre evocado publicamente e raramente exposto
ao debate coletivo. Aristóteles, por exemplo, a qualificava como espécie de condição
do bem-estar social, fator saudável à paz e harmonia. Sem ética, poder-se-ia
viver, mas no reino dos conflitos e das injustiças, da falta de limites. Talvez,
por isso, como fator natural, nunca se fazia imperiosa discussão sobre ética
que apenas repontaria quando necessária. Por sua feição prática, entre o
abstrato moral e o pacto social firmado na depuração de acordos implícitos, a
ética se formularia como ponto de equilíbrio entre o que nos interessa
individual e coletivamente e a realidade factível do que se quer alcançar. Tudo,
porém no varejo, não no atacado. Até onde podemos ir, qual a fronteira que nos
leva à consciência do alcance de atuações? Como atingir a verdade? Estas e
outras questões conduzem à reflexão sempre conveniente quando pensamos em
procedimentos socialmente desejáveis e consequentes. Desdobramento natural
destes pressupostos, o espaço do desempenho convoca juízos sobre direitos.
Sobre direito e moral, diga-se. O perigo que se vê é quando a moral precisa ser
aplicada como lei. Pior, porém, é quando a lei reina sobre a moral,
praticamente, anulando-a.
Não é sem razão que sempre que se fala de ética em termos
coletivos evocam-se fundamentos jurídicos. Uma das grandes perplexidades notadas
no comportamento social, pois remete a necessidade de superação dos acordos
verbais, morais, que repousam naturalmente em tempos de paz e concórdia. Legislar
sobre ética se afigura como indicativo de que algo de anormal se passa e então
se impõe a regra jurídica como mecanismo corretivo. Quando o mero respeito à
palavra ou ao exercício dos pactos estabelecidos na articulação dos dias corriqueiros
não mais dá conta da lógica dos procedimentos feridos, como que se esquece da
moral, passamos a confundir ética com lei. Assim, mesmo sem enlear ética com
moral, cabe acatar o respeito à negociação como forma de bom convívio e acertos
de contas. Confesso que duvido da beleza
da busca de justiça quando começamos a nos valer da lei como caminho corretivo
compulsório
Sabe-se que para os círculos autoritários basta a lei,
não se fazem relevantes as justificativas ou fundamentos, pois estas são
estabelecidas por outros, “autoridades”, e vigoram por imposição, alheias à
opinião pública. Exatamente, quando a força da lei se faz necessária, quando
para falar de ética precisamos do rigor legal, devemos nos assustar. Algo de
muito estranho pode estar acontecendo. Tudo piora, porém, a partir do momento
em que se premiam corruptores com benesses. E tudo fica muito feio. Horrível,
aliás. Historicamente, durante o Tribunal do Santo Ofício da Inquisição, a
delação era forma de disseminar acusações. Uma sociedade de medo e terror
levava a duas consequências danosas: uma ligada ao feio ato da denúncia, e
outro aos chamados “rumores”, ou seja, a disseminação da suspeita. Não demorou,
aliás, para que pessoas maldosas se valessem da prática secreta para envolver
inimigos e o que agravava mais ainda, a indicar mortos, pessoas importantes ou
distantes como culpadas. O resultado eram processos complexos, intermináveis,
sempre odiosos. Com o tempo, aprendeu-se
que delatar era algo errado e ensinamos aos filhos que ser “dedo duro” é algo
condenável.
No leito da permissividade,
no silêncio das negociatas políticas, vimos subterrâneos serem feitos, fazendo
correr a corrupção. De repente, a dimensão dos problemas foi tanta que não mais
se conteve. E a multiplicação dos escândalos foi se instalando em muitos níveis.
E os efeitos públicos disso não mais foram controlados. Reside aí a maior contradição
da prática da delação: o incentivo público à denúncia, e o que é pior, a
premiação por tal ato sempre bordado de nomes públicos. O mais intrigante,
porém, é que de repente perdemos todo o teor do debate sobre a moral da ética e
passamos a usar a delação premiada, como instrumento jurídico. É evidente que
há vantagens nessa forma de premiação de corruptos, mas há também muito de
vergonhoso. No fundo, o que assistimos é a falência de um sistema de
investigação que para fazer justiça se vale de denúncias. Pensemos.
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