Nosso historiador-cronista - especialista na obra de Lobato - anda cheio das releituras acusatórias contra o autor do Picapau Amarelo. As acusações de preconceito racial não deveriam ser contextualizadas no momento da produção das obras? E mais, não há plurais exemplos de diversidade na obra lobateana?
PARA LER LOBATO HOJE – PERGUNTAS SOBRE
DIVERSIDADE E PLURALISMO
José
Carlos Sebe Bom Meihy
Um dos graves problemas afeitos às leituras de autores que escreveram em outros tempos é a “presentificação”. A retomada de livros produzidos em contextos diferentes tem implicado em deformações que, quase sempre, anulam o espaço e tempo da escrita, bem como as características das recepções públicas de tais trabalhos, constantemente reeditados. Tomando Monteiro Lobato como exemplo maior em nosso círculo, deve-se considerar algumas particularidades desse escritor que figura entre os cinco mais lidos na cultura brasileira. Falecido em 1948, desde 1914 teve seus textos estampados em diferentes suportes: artigos de jornal, panfletos, cartas e, sobretudo em livros. Tanto a chamada “literatura infantil” como a “obra adulta” geraram leitores de várias gerações, ao ponto de se justificar a expressão “Filhos de Lobato”.
De diferentes maneiras, tipos sociais brasileiros e
estrangeiros foram abordados pelo escritor de Taubaté. Tais figuras, pela
pujança da narrativa lobateana, ganharam destaque como referência na cultura
brasileira como um todo. Assim, personagens como: o caipira, o negro, o índio,
o imigrante, se combinaram em diferentes tramas que também envolviam crianças, adolescentes,
familiares e neste caso, principalmente, uma composição relacional bastante
diferenciada, fugida da convenção parental que reza a regularidade da presença
de pai, mãe, irmãos. Reside nessa concepção plural de mundo uma das riquezas do
autor de “Caçadas de Pedrinho” e “Cidades Mortas”. É chegada a hora de se
pensar as contexturas de tais personagens. Que acordos, ajustes e pactos
existiriam entre tão cativantes e diversificados tipos? Além da procedência –
campo ou cidade –, da cor da pele ou etnia – brancos, pretos, índios, mestiços,
imigrantes –, como se deram os laços afetivos que articulavam os casos? É justo
analisar em exclusivo, tipos descontextualizados? E o que dizer do conteúdo de
“outros seres como “boneca de pano”, “sabugo de milho”, animais falantes e
personagens importados de outras literaturas e cinemas?
Há, perversamente, razões maiores para a retomada da obra
de Monteiro Lobato hoje: a existência de campanhas que se arvoram como
libertárias de preconceito e que, portanto, trabalham com a noção de identidade
– em particular identidade étnica – isolando dos casos alguns tipos sociais, em
particular o negro. A reinserção desses personagens nas histórias significaria
alguma coisa a mais? Pensemos nessa pergunta para avançar na interpretação de
Lobato como pensador que, sobretudo, propôs a diversidade inscrita na ficção.
Além da prolífica multiplicidade de personagens, da mistura fina de faixas
etárias, da movimentação de gente do campo, da “cidade morta”, das metrópoles, de
tipos oriundos de outros países e até de esferas invisíveis, seria justo anular
as formas de tratamento de uns com outros. Falemos de empatia e dedicação. É
possível ler Lobato sem considerar o significado da graça narrativa? Tomemos, a
propósito o caso de negros, tanto na obra dita “para crianças” como “para
adultos”. Se de um lado temos a cativante “Tia Anastácia” como detentora de
“causos”, depositária de lendas e repertório de receitas da melhor culinária,
não residiria exatamente nessas qualidades o imenso afeto que a torna algo mais
do que “macaca”? Por que não considerar o termo “tia” como capital? Que dizer
então de “Negrinha” que foi deixada na fazenda vendida como objeto? Não haveria
aí um brado de denúncia? E o “Jardineiro Timóteo”? Pode-se, curiosamente,
multiplicar tais situações pelos índios – veja-se o conto “Marabá”, por exemplo
–, ou pelos mestiços como se passa com o surpreendente “Bocatorta”.
É tempo de se repensar Lobato. Até, saudando as críticas
atemporais, torna-se importante (re)apropriar aqueles escritos como dimensão
histórica e intensificar o debate. O respeito à produção de Monteiro Lobato
reclama reflexões sobre o preconceito como tema, mas muito mais sobre a
combinação da diversidade.
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