Roberto Rillo Bíscaro
Uma leitora reclamou que abandonei os filmes iranianos em
favor das séries/películas escandinavas. Fazia mesmo tempo que não via produção
do Irã, mas isso porque já vira tantas que estava meio difícil achar
interessantes com alguma legenda em língua que entendo. Curiosidade aguçada,
investiguei um dos HDs externos e encontrei o oscarizado Jodaí-e
Nadér az Simín (2011), em português batizado de A Separação. Porrada do
roteirista/diretor Asghar Farhadi!
Sempre
às voltas com censura, o cine daquele país tem que simbolizar bastante e isso
ocorre n’A Separação também, mas Farhadi escancara no motivo do conflito do
casal de classe média: ele quer ficar no Irã; a esposa, a separação. Ela ainda
ama o esposo, mas quer vazar de lá pra garantir à filha um futuro digno. O
alzaimer do pai de Nader foi muito salientado em sumários e obviamente é importante,
porque é a concretização cênica da impossibilidade de o filho deixar o país, mas não
é correto dizer que se trata duma relação pai e filho blá blá blá. A Separação
envolve conflitos e (falta de) perspectiva de classe, encruzilhadas religiosas
e sobretudo, a violência do cotidiano, perpetrada por gente decente, mas sem
muita escolha pra agir distintamente.
Quando
Nader se vê sem esposa, contrata Razieh pra cuidar do pai, sem na verdade,
contar-lhe quais seriam exatamente suas tarefas. Razieh é pobre, está grávida e
a religião, pelo menos em seus aspectos mais cutâneos, lhe é tão importante que
tem que ligar ao mentor religioso pra perguntar se limpar o ancião urinado é
pecado. Um dia, Nader chega em casa com a filha e descobre uma cena chocante;
ao confrontar Razieh, um acidente acontece e a cadeia de mal-entendidos, meias
verdades e táticas de sobrevivência iraniana aumenta a cada cena. O violento
marido da religiosa Razieh – outro casal-símbolo, sacaram? – manda a querela
pro judiciário. Nem que seja apenas pra ver a diferença entre um court drama ianque e um iraniano A
Separação já teria valido as mais de 2 horas de atenção que me exigiu.
Uma
lição de roteiro e de criação de personagens complexas e cheias dos tons de
cinza que interessam a este resenhista. Ninguém é bom ou mau, mas as condições
contextuais em diferentes níveis justificam as escolhas comportamentais. E quem
paga o pato são as crianças/adolescentes, que no processo de aprender as
mazelas do mundo adulto, ficam no meio do fogo cruzado dos que “sabem mais”.
Aliás, pelo menos nas produções filtradas pro Ocidente, crianças são proeminentes
no cine iraniano.
A
Separação é informada pelo Neo Realismo italiano e pelo cinema de Michael
Haneke no que tange ao roteiro falsamente simples baseado no cotidiano, com a
inclusão da violência reprimida, mas que frequentemente estoura a panela de
pressão.
Não
vi no Youtube, mas este arquivo promete o filme completo com legendas em
português.
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