segunda-feira, 12 de outubro de 2015

CAIXA DE MÚSICA 187

Roberto Rillo Bíscaro

Nossa dobradinha de hoje traz 2 álbuns de estilos diametralmente opostos, mas o elo é a participação de Gregory Porter em ambos. Vencedor do Grammy 2014 por melhor álbum de jazz vocal, o norte-americano já fora indicado ao prêmio no álbum de estreia, em 2010. Seu barítono pode ser conferido neste show na Holanda, sinta a delícia que é Gregory.
Como tantas cantoras negras norte-americanas, Lizz Wright começou cantando na congregação onde seu pai era pastor e diretor musical, no sulista estado da Georgia. Sua estreia fonográfica foi em 2003 e desde então lança álbuns regularmente misturando gospel, jazz e pop. No começo de setembro saiu Freedom & Surrender, quinto trabalho que traz uma dúzia de canções envolventes, sem qualquer grito e com instrumentação “tradicional”, i.e., sem electronica, influências de qualquer tipo de dub ou hop. Nada contra, o leitor assíduo sabe, mas experimente ouvir F&S no escuro e verá que experiência telúrica.
A voz quente de Wright é o destaque; a instrumentação sempre acompanha essa preciosidade aveludada ao invés de soterrá-la, mesmo nos momentos mais incisivos da faixa-título e de The New Game, que mostra bem porque o rock’n’roll tem matriz metade negra (não tema quem não curte barulho; a faixa é vigorosa apenas).
Forte no Urban Soul, Quiet Storm e pop jazz, F&S transforma a orquestração violonada de River Man, do trágico Nick Drake, em esparso jazz com pistão e tudo, cujo arranjo é fluido e poroso com um rio encoberto por neblina. To Love Somebody, dos Bee Gees pega o blue eyed soul dos irmãos Gibb e converte-o em gospel tão poderoso que se você não souber que é cover jurará que é clássico do gênero lá dos anos 50/60. O Mississippi desagua na Austrália.
A ausência de elementos contemporâneos de electronica e de rappers fazendo “uh hu uh hu” pode elevar a idade de quem mais apreciará Freedom & Surrender. Quem viveu os 70’s adorará a baladice de The Game e a valsa-pop Right Where You Are teve congêneres nos 80’s. Quem conhece os duetos de Roberta Flack ou Peabo Bryson adorará o de Wright com Gregory Porter e seu vozeirão. Mas, não se trata de álbum “pra velho”: a malemolência sensual de Lean In assanhará muitas idades.
Freedom & Surrender é sensível e manda bem ao juntar tantos sub-gêneros de black music ao mesmo tempo que os acessibiliza. 

Em 2013, Settle, estreia dos irmãos Howard e Guy Lawrence como o duo Disclosure, me chapou. Os britânicos fizeram com a Deep House e o UK Garage o que o Daft Punk fez com a disco music: atualizou os sub-gêneros recombinando convenções pra criar outras, mas ao gosto da contemporaneidade e de quem não tem saco pras idiossincrasias demoradas de bate-estaca e prefere música pop. No processo, criaram singles inesquecíveis como Latch e impiedosamente dançáveis, como Stimulation. White Noise entrou direto pra minha seleção de canções pra caminhar/viajar, junto com seleto grupo que só tem idolatradas, predominantemente 80’s. Com o vocal de AlunaGeorge, esses ingleses safados usaram 2 ou 3 elementos apenas e criaram um vício. Settle estabeleceu parâmetros de produção que ainda vigorarão por anos e conseguiu a proeza rara de agradar público, critica, galera underground, tigrada mainstream. Diz que esta playlist tem todas as faixas, sei lá, tente (ouça; é clássico já!)

Imagine a pressão e responsabilidade sobre os manos Lawrence pro lançamento de Caracal, dia 25 de setembro. Racionalmente sabemos muito difícil encadear 2 obras-primas definidoras de tendências, mas mesmo assim, criamos expectativas e como o cérebro funciona por comparação, medimos um trabalho pelo outro. ”I'm only human/Of flesh and blood I'm made/Human/Born to make mistakes”, filosofava o Human League, em 1986. Mea culpa feita, vamos comparar? Não dá. Caracal é legal. Só.
Por falar em Human League, os teclados eletro de Jaded são possíveis por causa de grupos como o de Sheffield. Nessa canção, Howard e Guy também brincam com a sonoridade freestyle. O eletrofunk com palminha de Molecules quase poderia estar num álbum do Tuxedo; Disclosure abdicou de definir tendência pra segui-las. Cheio de participações estelares, parece que os manos se adequaram ao estilo de cada um e não o contrário. Magnets, cantada pela Lorde, estaria mais à vontade num álbum da moça. Não é ruim, mas não é boa; é legal, eis o drama de Caracal.
Também deixaram de lado beats muito acelerados. Boa parte de Caracal parece música pra chill in/out e na Deluxe Edition tem até coisa chatinha, como Moving Mountains. Há gostosuras midtempo como Afterthought e Superego, que deixam refrães grudados; Disclosure não é ruim, eles entendem do babado.
Não há nenhum arraso dance desloca-coluna, apenas 2 ou 3 rapidinhas, dentre elas Holding On, com vocal de Gregory Porter, que, num álbum mediano, consegue ser uma das melhores faixas sem ser grande coisa.
Concluindo: se você está lendo sobre Disclosure pela primeira vez, ouça Settle, pince as legais de Caracal e esperemos que os Lawrence superem a “maldição” do segundo álbum, que recaiu sobre este.
Será que Caracal realmente está todinho nesta playlist?

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