Roberto Rillo Bíscaro
Nossa dobradinha de hoje traz 2 álbuns de estilos
diametralmente opostos, mas o elo é a participação de Gregory Porter em ambos.
Vencedor do Grammy 2014 por melhor álbum de jazz vocal, o norte-americano já fora
indicado ao prêmio no álbum de estreia, em 2010. Seu barítono pode ser
conferido neste show na Holanda, sinta a delícia que é Gregory.
Como tantas cantoras negras norte-americanas, Lizz Wright
começou cantando na congregação onde seu pai era pastor e diretor musical, no
sulista estado da Georgia. Sua estreia fonográfica foi em 2003 e desde então
lança álbuns regularmente misturando gospel, jazz e pop. No começo de setembro
saiu Freedom & Surrender, quinto trabalho que traz uma dúzia de canções
envolventes, sem qualquer grito e com instrumentação “tradicional”, i.e., sem electronica, influências de qualquer
tipo de dub ou hop. Nada contra, o leitor assíduo sabe, mas experimente ouvir
F&S no escuro e verá que experiência telúrica.
A voz quente de Wright é o destaque; a instrumentação
sempre acompanha essa preciosidade aveludada ao invés de soterrá-la, mesmo nos
momentos mais incisivos da faixa-título e de The New Game, que mostra bem
porque o rock’n’roll tem matriz
metade negra (não tema quem não curte barulho; a faixa é vigorosa apenas).
Forte no Urban Soul, Quiet Storm e pop jazz, F&S
transforma a orquestração violonada de River Man, do trágico Nick Drake, em
esparso jazz com pistão e tudo, cujo arranjo é fluido e poroso com um rio
encoberto por neblina. To Love Somebody, dos Bee Gees pega o blue eyed soul dos irmãos Gibb e
converte-o em gospel tão poderoso que
se você não souber que é cover jurará
que é clássico do gênero lá dos anos 50/60. O Mississippi desagua na Austrália.
A ausência de elementos contemporâneos de electronica e de rappers fazendo “uh hu uh hu” pode elevar a idade de quem mais apreciará
Freedom & Surrender. Quem viveu os 70’s adorará a baladice de The Game e a
valsa-pop Right Where You Are teve congêneres nos 80’s. Quem conhece os duetos
de Roberta Flack ou Peabo Bryson adorará o de Wright com Gregory Porter e seu
vozeirão. Mas, não se trata de álbum “pra velho”: a malemolência sensual de
Lean In assanhará muitas idades.
Freedom & Surrender é
sensível e manda bem ao juntar tantos sub-gêneros de black music ao mesmo tempo que os acessibiliza.
Em
2013, Settle, estreia dos irmãos Howard e Guy Lawrence como o duo Disclosure, me
chapou. Os britânicos fizeram com a Deep House
e o UK Garage o que o Daft Punk fez com a disco music: atualizou os sub-gêneros recombinando convenções pra
criar outras, mas ao gosto da contemporaneidade e de quem não tem saco pras
idiossincrasias demoradas de bate-estaca e prefere música pop. No processo,
criaram singles inesquecíveis como
Latch e impiedosamente dançáveis, como Stimulation. White Noise entrou direto
pra minha seleção de canções pra caminhar/viajar, junto com seleto grupo que só
tem idolatradas, predominantemente 80’s. Com o vocal de AlunaGeorge, esses
ingleses safados usaram 2 ou 3 elementos apenas e criaram um vício. Settle
estabeleceu parâmetros de produção que ainda vigorarão por anos e conseguiu a
proeza rara de agradar público, critica, galera underground, tigrada mainstream.
Diz que esta playlist tem todas
as faixas, sei lá, tente (ouça; é clássico já!)
Imagine a pressão e responsabilidade sobre os manos
Lawrence pro lançamento de Caracal, dia 25 de setembro. Racionalmente sabemos
muito difícil encadear 2 obras-primas definidoras de tendências, mas mesmo
assim, criamos expectativas e como o cérebro funciona por comparação, medimos
um trabalho pelo outro. ”I'm only human/Of flesh and blood I'm made/Human/Born
to make mistakes”, filosofava o Human League, em 1986. Mea culpa feita, vamos comparar? Não dá. Caracal é legal. Só.
Por falar em Human League, os teclados eletro de Jaded são possíveis por causa
de grupos como o de Sheffield. Nessa canção, Howard e Guy também brincam com a
sonoridade freestyle. O eletrofunk com palminha de Molecules
quase poderia estar num álbum do Tuxedo; Disclosure abdicou de definir
tendência pra segui-las. Cheio de participações estelares, parece que os manos
se adequaram ao estilo de cada um e não o contrário. Magnets, cantada pela
Lorde, estaria mais à vontade num álbum da moça. Não é ruim, mas não é boa; é
legal, eis o drama de Caracal.
Também deixaram de lado beats muito acelerados. Boa parte de Caracal parece música pra chill in/out e na Deluxe Edition tem até coisa chatinha, como Moving Mountains. Há
gostosuras midtempo como Afterthought
e Superego, que deixam refrães grudados; Disclosure não é ruim, eles entendem
do babado.
Não há nenhum arraso dance
desloca-coluna, apenas 2 ou 3 rapidinhas, dentre elas Holding On, com vocal
de Gregory Porter, que, num álbum mediano, consegue ser uma das melhores faixas
sem ser grande coisa.
Concluindo: se você está lendo sobre Disclosure pela
primeira vez, ouça Settle, pince as legais de Caracal e esperemos que os
Lawrence superem a “maldição” do segundo álbum, que recaiu sobre este.
Será que Caracal realmente
está todinho nesta playlist?
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