segunda-feira, 26 de outubro de 2015

CAIXA DE MÚSICA 189


Roberto Rillo Bíscaro

Quando adolescente, nos anos 80, artistas como Culture Club e Echo & The Bunnymen desenvolveram sonoridade própria, mas apresentavam influência de seus estilos/ídolos da juventude, então, era comum canções soando como Motown ou The Doors. Ouço a história se repetir com artistas contemporâneos evocando memórias oitentistas. Bom pra nós que envelhecemos, mas não queremos viver de recordações. Dá pra chegar a meio termo: curtir coisa moderna sem levar a pecha de dinossauro e ao mesmo tempo celebrar nossas raízes juvenis.
O segundo álbum do escocês Chvrches me fez reouvir o primeiro e arrepender-me de não haver escrito sobre eles. Lauren Mayberry, Iain Cook e Martin Doherty começaram em 2011 e fazem delicioso pop sintetizado. Fiquei mais de uma semana apenas escutando os 2 trabalhos.
The Bones of What You Believe (2013) trouxe aquela chuva de teclados gelados em canções deliciosamente pop, espécie de dia de inverno ensolarado. De dar orgulho a Vince Clark, Chris Lowe e Gillian Gilbert pelo legado. A produção cristalina apenas aumenta a vontade de dançar e ser feliz ao som das pipocantes Gun e Strong Hand. Ao contrário de grupos oitentistas como Propaganda que tinham 2 ou 3 canções contagiantes, o Chvrches é uma mina de delícias tecnopop. A única chatinha é You Caught the Light, mas daí deve ser aquela tradição synth de querer escrever minissinfonias pop. Às vezes lembrando a gelidez do Visage, como não se encantar com a rigorosa muralha de teclados glaciais ao fim de Tether? Science/Visions une techno às lambadas de teclados sci fi B à Giorgio Moroder.

Mês passado saiu Every Open Eye, mais dançável ainda e com sonoridade que mostra uma banda que sabe que tem potencial pra estourar maciçamente e dá uma maneirada na gelidez dos teclados, mas mantém nível de qualidade invejável. Keep You On My Side e Empty Threat foram feitas pra saltitar; esta ultima lembra certo synthpop da Europa continental, mormente escandinavo, tipo o do dinamarquês Alphabeat. Talvez seja a voz de anjo agitado de Lauren. Talvez a felicidade induzida pela canção intoxicante.
Iain assume o vocal em High Enough to Carry You Over e te leva pra 1985 com o synth levemente funkeado e as pesadinhas repetições de Playing Dead, com Lauren de volta aos vocais, fará os oitentistas recordarem o Rock Me Amadeus, do finado Falco. Esse álbum tem espaço até pruma balada: a melodia de Afterglow é construída basicamente por Lauren, que canta sobre fino carpete de teclados.
O DNA do Depeche Mode, presente desde a estreia, produz filho impossível de negar a paternidade em Clearest Blue, com citação musical de Just Can’t Get Enough numa letra que repete “it’s not enough” adoidado. Nem que quisesse o Chvrches conseguiria esconder a ascendência 80’s: a capa de Every Open Eye referencia a de Power, Corruption and Lies, ponto de virada synth da New Order.
Esta playlist promete o álbum completo:

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