Nosso historiador-cronista escreveu sobre sua relação com animais domésticos em um texto que causará polêmica com amantes de animais domésticos, especialmente gateiros!
SOBRE CÃES E GATOS.
José
Carlos Sebe Bom Meihy
Já declarei que não sou muito chegado a animais
domésticos. Certa feita, ganhei três passarinhos cantores que me cativaram.
Confesso que, frente à simpática oferta de uma aluna querida, me foi difícil recusar.
Aconteceu que a decisão dela em me presentear com os tais canários, ocorreu
depois de paciente escuta sobre as virtudes de ter pássaro em casa. Sabe, ela
ao elencar os méritos dos passarinhos parecia virar um deles e eu me deleitei
com a narrativa. Pois é, bastou isso para a menina tornar realidade o sonho
(dela) e ato contínuo, no outro dia a gaiola estava em casa. Mas, o trio era
mesmo maravilhoso: amarelo forte, perfil fidalgo, elegantíssimos e superafinados.
Não demorei para batizá-los com o nome dos três tenores: Pavarotti, Domingos e
Carreras (devo segredar que não distinguiria um do outro se me pedissem). E
assim se passaram alguns anos até que o primeiro morreu, fiquei abalado e a dor
se ampliou mais quando, por descuido, na troca de água, outro fugiu. Quase
precisei de um psiquiatra ao constatar que ele não voltava e, não bastasse,
tive o sono perturbado pensando que ele não saberia se defender onde estivesse.
Pela segunda vez, me senti viúvo quando o último morreu. Juro, quase entoei um
Réquiem. Depois que o trio amado partiu, jurei que não mais teria animal algum
e, em troca, adotei avencas, samambaias, trevos. Sou do tipo que conversa com
plantas e troco tranquilamente nosso “diálogo surdo” por qualquer latido ou
miado.
Pois é, basta pensar em animais que me vêm à cabeça um
dilema doido: mas por quê? Por que se tanta gente gosta? Tenho que responder
esta questão aos meus netos que, os três, adoram cachorros e gatos e até os
tratam como eu gostaria der cuidado se cão ou gato fosse. Na solidão dos meus
dias, tento articular argumentos sólidos, capazes de garantir consistência
filosófica ao caso. É fácil começar pela evocação anarquista que prezava a
liberdade de toda natureza viva. Devo contar que este argumento libertário me
fascina e até eleva minha qualidade política. O problema crucial que se me
abate, porém, é que basta eu fixar tal propositura, logo vejo à minha frente alguma
criança alegre, feliz mesmo, correndo com seu cãozinho solto. Vejam que
loucura, basta uma cenazinha dessas e me derreto. Também fico comovido como
cães destratados, desses que conduzem cegos. Nossa, isso me emociona demais e
chego a olhar para trás a cada vez que passo por um. E que dizer dos cães de
pobres, fieis vigilantes, amantíssimos, seres capazes de dar a vida pelos donos
que, quase sempre, não têm como retribuir a não ser com afeto? Quando me vejo
entrando nos labirintos argumentativos sobre a relação canina, trato logo de me
desiludir e apelo para tradições maldosas que, por exemplo, se valem de xingamentos
esdrúxulos para ofender os rivais: “seu cachorro”, “vira lata”, “cão
pulguento”. Não pensem que alço equilíbrio nesses embates discursivos. Nada.
Basta eu recuperar as maledicências caninas que me vêm outras imagens que,
quase sempre, se iniciam com a mensagem do “cão, o melhor amigo do ser humano”
ou “fidelidade canina”.
Outra forma de defesa que
adoto é mudar de animal. Aí afloram os gatos. Mas, não é que a mesma
ambiguidade se instala? Gosto de pensar que os gatos são diversos dos cães, e
que eles é que escolhem os donos. Fico cativado com a suposição de que os gatos
são autônomos, decidem eles onde ficar e marcam seu território. Diria que
desenvolvendo tal catilinária, seria possível alguém pensar que estou prestes a
colocar um dentro de casa. É quando então recorro à mesma esgrima discursiva:
os gatos são tiranos, maldosos, egoístas, traiçoeiros. Termino esta crônica de
maneira sutil, valendo-me do aforismo dado pelos próprios bichanos: como cães e
gastos. Sim, vejam que explicativa a expressão. Eu vivo como cão e gato comigo
mesmo, exatamente por causa de cães e gatos.
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