Sendo historiador de renome mundial, nosso cronista está sempre viajando. Nunca esquecerei o susto que tomei no 11 de setembro, quando pensava que o Prof. Sebe podia estar sob os escombros do WTC!
Hoje ele nos fala um pouco sobre a diferença entre viajante e turista e revela em qual das categorias se encaixa.
TURISTAS E VIAJANTES...
Hoje ele nos fala um pouco sobre a diferença entre viajante e turista e revela em qual das categorias se encaixa.
TURISTAS E VIAJANTES...
José
Carlos Sebe Bom Meihy
Constantemente ouço reclamações do tipo “professor, onde
o senhor está? ” Vezes há em que mesmo meus filhos se perdem em buscas e
reclamam por não conseguirem minha localização. O pior, porém, é que isso tem
se complicado pelo tipo de tratamento que dispenso a celulares e outros
aparelhos “localizadores”. Brincando, costumo replicar que não apenas sou filho
de imigrante, de alguém que atravessou mares para chegar ao Brasil, como também
lembro que meu pai foi mascate, andarilho, tipo “pé na estrada”. Viajar tem
sido minha vida e garanto tal pressuposto baseado na frase de Fernando Pessoa
que afiançava “para viajar basta existir”. Aliás, foi o próprio Pessoa que abonou
que “navegar é preciso, viver não é preciso”. Apelando para a poesia ou mesmo
para o doloroso périplo dos velhos deslocamentos parentais, creio que no fundo,
procuro dar certa dignidade ao fato de estar sempre em trânsito, e assim
invento uma mitologia caminhante que, afinal, dignifica a agitação sempre
latente. A par da imagem poética ou trágica, contudo, existem também aqueles
impertinentes – chatos mesmo – que de forma maldosa deixam entrever que há algo
de errado, que o viajante foge de alguma coisa, talvez de si mesmo. Seria
cômodo dizer que em qualquer dessas observações residem resquícios de verdades.
Até porque me apoio em Milton Nascimento; posso repetir que sou “eu caçador de
mim”.
Mas há frases importantes para dizer de minha postura
frente às andanças. Uma que me perturba sobremaneira é de Mario de Andrade que
reza "o importante não é ficar, é viver. Meu destino não é ficar. Meu
destino é lembrar que existem mais coisas que as vistas e ouvidas por todos”.
Outro dizer que me inquieta remete a Susan Sontag, que reclama do alcance
possível de viagens “não estive em todos os lugares, mas está na minha lista
chegar lá”. Há autores mais detalhistas que distinguem turistas de viajantes,
Paul Theroux, por exemplo, diz “turistas não sabem onde estiveram. Viajantes
não sabem para onde irão”. No dizer geral preside a ânsia de desbravar, de
novos desafios e paisagens a serem palmilhadas. Há algo de conquista nessas
façanhas que combinam desafio e aventura.
Pois é, tais reflexões
feitas na maturidade permitem balanço sobre a própria experiência de viajante
ou de turista. Aprendi comigo mesmo que não é sempre que gosto de ir para
espaços inéditos e desconhecidos. Quase sempre, prefiro voltar a locais que
visitei, sítios que se tornaram clássicos em minha memória de cidadão do mundo.
Nessas situações, duplico a investida: uma, aos locais escolhidos ou indicados,
e, outra, ao meu próprio passado, guiado pelas lembranças colecionadas. Gosto imenso
de passar por onde andei e medir o nível de estranhamento ou familiaridade, ver
o que mudou ou se as pessoas ainda estão lá. Aprecio também refletir sobre como
estava, quando palmilhei aquelas trilhas. Às vezes, o exageradamente extravagante
me assusta e me faz inseguro e também não gosto de ir a espaços que assumam radicalismos
políticos ou sectarismos religiosos. Acontece, porém, de se imporem casos que
independam de escolhas. Talvez, então, seja por instinto que antes de me
aventurar em espaços exóticos eu precise ler e me informar melhor, e assim ter
certo preparo. Combinar visitas repetidas com descobertas é um segredo quase mágico.
Por força da profissão tenho ido a lugares insuspeitados e o interessante
dessas aventuras é que temos obrigações que subvertem a noção de mero divertimento.
Ademais, sempre que isso acontece, surgem personagens locais, facilitadores de
informações que sugerem ângulos interessantes. Meditando sobre tais situações,
acabo por entender que não sou turista. Prefiro ser mesmo viajante e assim
repetir como Fernando Pessoa “A vida é o que fazemos dela. As viagens são os
viajantes. O que vemos não é o que vemos, senão o que somos”.
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