Nosso historiador-cronista leu um poema e divagou sobre a história e a representação da obesidade/magreza ao longo da História. Crônica erudita é outra coisa, né?
ARTE E OBESIDADE: o tempo do corpo.
ARTE E OBESIDADE: o tempo do corpo.
Há relação entre arte e obesidade? As respostas a essa questão são complexas
e demandam duas ordens de reflex ões: uma de teor médico e outra estética. A Organização Mundial de Saúde, desde 2003, classificou
a obesidade como um problema de saúde pública que, assim, integra a lista
dos dez maiores fatores de risco para o bem-estar global. Vista hoje como uma
epidemia, a obesidade tem assumido proporções alarmantes, sobretudo nos
países desenvolvidos e em fase emergente. Sob essa perspectiva, a sondagem
histórica revela que a “gordura” foi vista inicialmente como condição para
suprir necessidades vitais, guardando potências energéticas que promovem
proteção térmica e nos garantem a sobrevivência. Cabe lembrar que a obesidade
sempre incomodou iniciados em medicina e sabe-se, por exemplo, que há 2500 anos Hipócrates, pai da medicina, falava dos perigos
da obesidade, apontando índice de mortalidade mais elevado em indivíduos gordos
do que magros. Já seu discípulo Galeno estabelecia que a obesidade
poderia ser distinguida segundo sua aparência: obesidade em natural ou moderada,
e obesidade mórbida, aquela exagerada. Indo além, Galeno afirmava que a
obesidade era consequência da falta de disciplina do indivíduo, por isso,
preconizava um tratamento que incluía: corridas, massagens, banho, descanso ou
lazer, e refeições com bastante comida, mas com alimentos de baixo valor
calórico. Como ameaça à vida e como forma de controle, estavam dadas desde a
modernidade os critérios de tratamento que acompanham questões ligadas ao
excesso de peso. Pelo olhar médico, pois, a história da obesidade busca
fundamento na Idade da Pedra, evidenciando a luta por alimentos e proteção
térmica, fatores que permitiriam a sobrevivência. A reserva de “gordura”,
portanto responderia a necessidade de queima de calorias. No mundo moderno,
contudo, tais demandas mudaram e contrastam com a excessiva oferta de alimentos
e progressivas conquistas em favor do conforto que tende a nos tornar cada vez
mais inativos.
Pelo
enfoque estético, sem desprezar as interpretações biológicas, sabe-se que a
obesidade e a magreza estão vinculadas a problemas psicossociais, que acatam
pressupostos de integração ou exclusão sociais. Seria errado, pois, ver a
“gordura” apenas pelo viés médico. Assim, as representações da obesidade se formulam
como questões afeitas às tramas ligadas à cultura, sociedade, mundo do
trabalho, com implicações de consumo, raça e de gênero. Lembrando que a palavra
estética está ligada a sensibilidade, Platão já caracterizava as ambições
humanas dizendo que “os três desejos de todo homem são: ser saudável, rico por
meios lícitos e belo.” A beleza, portanto, seria condição da felicidade. Foi
assim que a cultura se moldou formulando padrões de referência aos ideais do
corpo. Tais modelos, contudo variaram ao longo dos tempos.
Na
história da representação do corpo, pode-se dizer que há três momentos
considerados pontos de virada: o primeiro se deu no Renascimento, o segundo na
virada do século XIX para o XX e o último, depois da Segunda Guerra. No
primeiro caso, as Madonas arredondadas com seios à mostra metaforizavam a
promessa de fartura advinda da era das Grandes Navegações. A virada do século
XIX para o XX – os chamados anos loucos – marcaram o surgimento de novos papeis
sociais, em particular para a mulher que então ganhava o espaço público impondo
novo padrão estético, e, finalmente, o momento da contracultura onde a
variedade de padrões corpóreos passa a ser tratada como mercadoria.
Devo dizer que este breve trajeto em torno da
relação do modelo ideal de corpo e arte derivou da leitura de um poema que
serve de chave para terminar esta crônica esfomeada de fundamentos. Eis os
versos de Otávio Azevedo: Obesidade abstrata/ O que não mata engorda/ Acredito nessa verdade/ Já
estou de barriga cheia/ Cabeça cheia/ Alma cheia/ Tudo está cheio, mas não
transborda!/ Me sinto um obeso por engolir palavras e problemas demais/ Não
quero ser tão pesado assim/ O que a sociedade dirá de mim?/ Chega de engordar/ É
hora de morrer!
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