quarta-feira, 28 de outubro de 2015

CONTANDO A VIDA 129

Nosso historiador-cronista leu um poema e divagou sobre a história e a representação da obesidade/magreza ao longo da História. Crônica erudita é outra coisa, né?

ARTE E OBESIDADE: o tempo do corpo.

Há relação entre arte e obesidade? As respostas a essa questão são complexas e demandam duas ordens de reflex ões: uma de teor médico e outra estética. A Organização Mundial de Saúde, desde 2003, classificou a obesidade como um problema de saúde pública que, assim, integra a lista dos dez maiores fatores de risco para o bem-estar global. Vista hoje como uma epidemia, a obesidade tem assumido proporções alarmantes, sobretudo nos países desenvolvidos e em fase emergente. Sob essa perspectiva, a sondagem histórica revela que a “gordura” foi vista inicialmente como condição para suprir necessidades vitais, guardando potências energéticas que promovem proteção térmica e nos garantem a sobrevivência. Cabe lembrar que a obesidade sempre incomodou iniciados em medicina e sabe-se, por exemplo, que há 2500 anos Hipócrates, pai da medicina, falava dos perigos da obesidade, apontando índice de mortalidade mais elevado em indivíduos gordos do que magros. Já seu discípulo Galeno estabelecia que a obesidade poderia ser distinguida segundo sua aparência: obesidade em natural ou moderada, e obesidade mórbida, aquela exagerada. Indo além, Galeno afirmava que a obesidade era consequência da falta de disciplina do indivíduo, por isso, preconizava um tratamento que incluía: corridas, massagens, banho, descanso ou lazer, e refeições com bastante comida, mas com alimentos de baixo valor calórico. Como ameaça à vida e como forma de controle, estavam dadas desde a modernidade os critérios de tratamento que acompanham questões ligadas ao excesso de peso. Pelo olhar médico, pois, a história da obesidade busca fundamento na Idade da Pedra, evidenciando a luta por alimentos e proteção térmica, fatores que permitiriam a sobrevivência. A reserva de “gordura”, portanto responderia a necessidade de queima de calorias. No mundo moderno, contudo, tais demandas mudaram e contrastam com a excessiva oferta de alimentos e progressivas conquistas em favor do conforto que tende a nos tornar cada vez mais inativos.
Pelo enfoque estético, sem desprezar as interpretações biológicas, sabe-se que a obesidade e a magreza estão vinculadas a problemas psicossociais, que acatam pressupostos de integração ou exclusão sociais. Seria errado, pois, ver a “gordura” apenas pelo viés médico. Assim, as representações da obesidade se formulam como questões afeitas às tramas ligadas à cultura, sociedade, mundo do trabalho, com implicações de consumo, raça e de gênero. Lembrando que a palavra estética está ligada a sensibilidade, Platão já caracterizava as ambições humanas dizendo que “os três desejos de todo homem são: ser saudável, rico por meios lícitos e belo.” A beleza, portanto, seria condição da felicidade. Foi assim que a cultura se moldou formulando padrões de referência aos ideais do corpo. Tais modelos, contudo variaram ao longo dos tempos.
Na história da representação do corpo, pode-se dizer que há três momentos considerados pontos de virada: o primeiro se deu no Renascimento, o segundo na virada do século XIX para o XX e o último, depois da Segunda Guerra. No primeiro caso, as Madonas arredondadas com seios à mostra metaforizavam a promessa de fartura advinda da era das Grandes Navegações. A virada do século XIX para o XX – os chamados anos loucos – marcaram o surgimento de novos papeis sociais, em particular para a mulher que então ganhava o espaço público impondo novo padrão estético, e, finalmente, o momento da contracultura onde a variedade de padrões corpóreos passa a ser tratada como mercadoria.    
Devo dizer que este breve trajeto em torno da relação do modelo ideal de corpo e arte derivou da leitura de um poema que serve de chave para terminar esta crônica esfomeada de fundamentos. Eis os versos de Otávio Azevedo: Obesidade abstrata/ O que não mata engorda/ Acredito nessa verdade/ Já estou de barriga cheia/ Cabeça cheia/ Alma cheia/ Tudo está cheio, mas não transborda!/ Me sinto um obeso por engolir palavras e problemas demais/ Não quero ser tão pesado assim/ O que a sociedade dirá de mim?/ Chega de engordar/ É hora de morrer!

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