Roberto Rillo Bíscaro
O canal TV Land era famoso por exibir séries antigas,
tipo Batman e Jeannie É Um Gênio, até que em 2010 começou a produzir a sitcom
Hot in Cleveland, que no Brasil parece ter o título No Calor de Cleveland (que
não dá a ideia exata do título, BTW), Não deve ter sido surpresa que o primeiro
produto do canal especializado em vintage
tenha sido uma atualização das clássicas Super Gatas oitentistas. Vi os 128
episódios (mais os especiais), divididos em 6 temporadas dessa delícia que
terminou dia 3 de junho, ainda com boas histórias e sem a sensação de show
decadente. HIC parou quando estava no topo do jogo, talvez pudesse ter ido uma
temporada mais. Nesse ponto ganha de The Golden Girls, cuja temporada
derradeira despencou em qualidade. No geral, porém, as senhoras de Miami têm a
vantagem da originalidade.
3 amigas estão voando a Paris pra cumprir uma das
indicações do livro de Melanie Moretti, que listava coisas a fazer antes de
morrer (ou algo assim). As senhoras de meia-idade altamente preocupadas com
botox e dietas e cronicamente mentirosas no tangente à idade, passam grande
susto quando uma pane faz o piloto pousar em Cleveland, cidade de terceiro
escalão no contexto ianque. Passadas pra Los Angeles obcecada com magreza e
juventude, as 3 ficam surpresas, lisonjeadas e morrendo de T, quando se
percebem cobiçadas na urbe interiorana, onde homens e mulheres podem ser obesos
e calvos e não ligam tanto pra caras e corpos plastificados. Como as carreiras
em LA também estavam em decadência, decidem ficar em Ohio, afinal, é melhor ser
realeza lá do que ninguém na ensolarada Califórnia. Daí o título: elas é que
são “quentes” e não a fria Cleveland. Alugam casa enorme e passam a viver
juntas, numa premissa tão improvável quanto a das Supergatas – imagine se daria
certo um bando de tias narcisistas coabitando.
Elas são Melanie Moretti, que faz a linha ingênua; não é
Rose Nyland, mas é a versão com PHD da loira de Saint Olaf. Joy Scroggs,
expatriada britânica que vai pra cama com meio mundo; uma Blanche Devereaux com
sotaque diferente. E Victoria Chase, egocêntrica atriz de soap vespertina, cuja carreira está em decadência; em termos de voz
grave, a Bea Arthur do conjunto. I have a major announcement: La Chase e a
atriz Wendie Mallick são minhas favoritas absolutas. Ainda mais que a
personagem se envolve sentimentalmente com Sir Emmett Lawson, interpretado pelo
neo-zelandês Alan Dale, que também adoro. Pena que não o aproveitaram na
conclusão do enredo. Como o fim de HIC foi planejado, os roteiristas tiveram
como armar final feliz pra todo mundo (não é spoiler; alguém acha que alguma delas morreria no fim?).
As Golden Girls eram 4 e uma delas uma velhotinha de
língua ferina, Sofia Petrillo. Então, toca pôr uma personagem assim como administradora
do sobrado. E se a velhinha for ninguém mais, ninguém menos do que uma das
Super Gatas, a única viva, a nonagenária Betty White? Pois ela completa o
quarteto, como Elka Ostrovsky, polonesa fugida do nazismo, chegada numa vodka e
em causar entre os caras do centro pra pessoas idosas (mas não só eles). A
lasciva e venenosa Sue Ann Nivens, de Mary Tyler Moore encontrou Rose Nyland
(ambas vividas por White) combinada com Petrillo e garantiu outra interpretação/personagem
arrasa-quarteirão pra venerável Betty, sem dúvida, o mais precioso tesouro vivo
da TV mundial. Alguém pode disputar a importância dessa mulher?
4 mulheres maduras sexualmente ativas tentando provar que
superficialidade pode ser profunda, muitas confusões, humor autodepreciativo,
constantes duplo-sentidos, atrizes conhecidas de outras séries de sucesso,
música-tema com papapapa (pra mim isso conta!), muita alegria e simpatia só
resultariam em sucesso e HIC teve-o merecidamente. Um deleite de sitcom, que sabia não poder se apoiar em
linguagem inovadora ou tema inédito. Tudo fora testado por outras séries; HIC
investiu no carisma do elenco e das situações algo insanas e, até com uma
pitada de nonsense de humor britânico
às vezes, conquistou corações e fãs devotos. Eu incluso.
Sei lá se pelo calibre do elenco, mas HIC foi coalhada de
participações especiais, especialmente de astros vintage, como Carol Burnett e Robert Wagner, o Jonathan Hart, de
Casal 20. Astros antigos e atores canadenses, britânicos, australianos. Será a
fama vintage da TV Land ou por que ambas as categorias são mais baratas de
contratar? Cinismo do resenhista à parte, TVmaníacos terão frêmitos de prazer
caçando as participações ao longo da mais de centena de episódios.
O oitentista Huey Lewis como roqueiro velhusco que não aguenta
mais a vida de sexo, drogas e rock. Wayne Knight, o Don Orville de 3rd Rock From the Sun, novamente vivendo um cara que tem um caso com uma mulher bonita
demais pra ele. Incrível, parece que o tempo não passou pro gordinho! Dan Lauria,
o pai do Kevin Arnold, de Anos Incríveis.
Chamou-me atenção que Mark Indelicato, Michael Urie (o
Justin e o Mark, de Ugly Betty) e Jesse Tyler Ferguson (o Mitchell de Modern Family) tenham sido escalados pra personagens gays, como em suas séries de
origem. Estariam tipificados? Se sim, cadê a tão decantada modernidade da TV
ianque?
Em meio a tantas aparições de famosos de outrora, o
episódio que reuniu todo o elenco feminino de Mary Tyler Moore foi arrepiante,
com direito a miado no final e tudo. Quando Ed Asner aparecera bem mais
discretamente, já vibrara, imagine ver Mary, Rhoda, Phylis, Georgette e Sue Ann
ao redor da mesma mesa. HIC era gravado em frente a uma plateia; conta-se que o
diretor de cena teve que pedir que parassem de aplaudir. Eu abriria o bocão!
Dos vivos só faltou Gavin MacLeod. Sem Mary Tyler Moore HIC não teria sido
possível; sem MTM a sitcom contemporânea não existiria, simples assim.
Além do prazer e da graça intrínsecos dos episódios, a
miríade de referências a outros shows, atuais e antigos faz de HIC um prazer de
ver. Quando Joy e Elka mencionam um lugar chamado Shady Pines, fãs das Golden
Girls já lembram do asilo do qual Sofia fugira. E os impagáveis episódios onde
maneirismos de House of Cards e Scandal foram parodiados? A posuda Downton Abbey fez mesmo sucesso em terras do Tio Sam, mesmo exibido pelas públicas
PBSs. A série inglesa é mencionada várias vezes e até Lesley Nicol – a Mrs.
Patmore! – aparece num episódio de Natal.
Para as pessoas com albinismo cumpre destacar que na
sexta temporada um episódio apresentou o filho de Joy saindo com uma albina sem
que isso parecesse de outro mundo. Claro que um par de piadas foi feita, mas
nada ofensivo. Pena que a atriz não era albina, tava pintada, daí não fica
legal.
HIC não entrará pro rol de clássicos televisivos, mas tem
fôlego pra ser reprisado por décadas. Certamente, a TV Land se incumbirá disso;
não deixe de ver.
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