Roberto Rillo Bíscaro
Juro que de vez em quando não premedito milimétrica e
maquiavelicamente meu “consumo” cultural. Claro que há um padrão de repetição e
semi-obsessão nas postagens de música, cine e TV: divas negras, 80’s e progrock; cine de horror/sci fi e europeu; policiais noir de países escandinavos,
sitcoms e séries “clássicas”.
Quando decidi comentar sobre The Clockwork Universe,
lançado em setembro pelos ingleses do Thieves’ Kitchen (TK), não pensava em
quebrar nenhum padrão, afinal, trata-se duma banda prog britânica e ser
britânico ganha pontos neste blog. Mas, qual não foi minha surpresa ao
descobrir que 2 membros do sueco Änglagård participaram das gravações e um
terço do TK, o tecladista Thomas Johnson, era membro do grupo prog escandinavo.
Desse modo, dá a impressão de que ao escrever sobre um trio binacional, deixei
meu gosto nórdico falar mais alto também na seção de música. Nada; mera
coincidência.
The Clockwork Universe já é o sexto álbum, mas como a
classificação deles era prog eclético ou Neo Prog, nunca me animava a
escutá-los. Fã de prog sinfônico, jamais consegui aceitar a “simplicidade”
instrumental e a sonoridade de Pallas, IQ, Marillion e toda uma leva de bandas,
que liquefaziam monumentos sinfônicos 70’s, mormente o Genesis. Como também por
acaso li que o álbum estava bem complexo e pouco Neo Prog e dava pra ouvir
grátis no Bandcamp, dei-lhes uma chance e não me arrependo.
É um trabalho muito bom, que em linhas gerais, combina
elementos de bandas sinfônicas, como o Yes, com elementos jazzísticos da cena
setentista de Canterbury, que, se não comercialmente tão bem sucedida, produziu
combos ótimos, como Caravan, Camel, The Soft Machine e Hatfield and the North.
O agradável é que o TK não soa como desfiguração de nenhum estilo; antes,
combina elementos com suas próprias características pra produzir um som só
deles.
Library Song abre o álbum com uma orgia de baixo,
guitarra ótima de jazz e órgão nervoso; tudo muito bem executado, intrincado e
com uma dinâmica fluída. Pena que o vocal de Amy Darby seja meio mortiço e dê a
impressão de desconexão com o instrumental, resultando em estranheza negativa.
A vocalista e a mixagem se redimem em Railway Time, onde a melodia é conduzida
pela voz em mais de um trecho.
Há 2 faixas instrumentais. Astrolabe é delicada valsinha
de ninar, onde fios de guitarra e teclado se enlaçam e Orrery traz um tapete de
órgão e a doce flauta de Anna Holmgren realçando uma melodia circular, ou
melhor, elíptica como a órbita planetária sugerida pelo título. As 6 canções de
The Clockwork Universe têm ligação com ciência ou tecnologia.
Prodigy inicia com delirante diálogo entre teclado
Hammond e guitarra e baixo, que exclamam amor por Steve Howe e Chris Squire,
mas logo entra a flauta que dilui a ideia de possível cópia. É que o som das
grandes bandas prog da fase áurea virou fitas de DNA musical do sub-gênero. Fãs
do Genesis notarão ecos de Tony Banks e Steve Hackett também.
Os quase 20 minutos de The Scientist’s Wife apresentam os
trechos mais Canterbury, especialmente na alentada introdução de uns 5 minutos.
Com diversas mudanças de andamento, poderia ser o centro do trabalho, mas,
embora o casamento de Yes com Soft Machine não deixe de ser interessante, o TK
não mantém o gás o tempo todo.
Vale constatar a vitalidade desse rock progressivo de boa
qualidade no Bandcamp:
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