Fim de ano e nosso historiador-cronista revisita seus melhores momentos em um 2015 difícil, de dores e perdas. Uma crônica linda e reflexiva, desfrutem.
2015: CINCO ACONTECIMENTOS...
2015: CINCO ACONTECIMENTOS...
José Carlos Sebe Bom Meihy
Indique cinco coisas boas que aconteceram no
ano que se finda... Pois é, logo eu que não gosto dessas tiradas que fazem as
delícias dos seguidores de redes sociais! Logo eu que acho que essas perguntinhas
inúteis são para adolescentes ou pessoas que têm tempo para rever detalhes de
trajetórias recentes... Logo eu que acho tudo isso uma bobagem... Aconteceu, porém.
Assim que a questão se iluminou no meu celular, me vi jogado no mar de
lembranças tumultuadas, intrigado por não achar com facilidade os tais momentos
arrebatadores, os convocados cinco mais importantes fatos que marcaram meu complicado
2015. Não que deixassem de existir. De jeito nenhum, mas de tal maneira foram
entremeados por outras emoções contrárias que, se tivesse mesmo que usar uma
metáfora para metaforizar essa longa trajetória, seria uma vertiginosa “montanha
russa”. Uma daquelas em que as quedas são alucinantes, depois de subidas
árduas.
Estou dizendo com isso que tive sim fases
positivas – boas até demais – , mas as tristes foram tantas e tão profundas que
encobriram – ou pelo menos turvaram sensivelmente – os azuis que insistiam em
me lembrar que a vida tem um céu irrecusável. Sobretudo, este me foi um ano de
perdas fatais e acompanhamento angustiante de doenças de familiares. E como
doeu!... Aprendi muito, diga-se, mas pela dor, e, creiam, essa prática custa
lágrimas cobradas com juros e juras. Tive que reaprender o sentido da aflição e
da impotência. E não posso esquecer mais. Nem deixar pálido o sentido da beleza
filtrada pela expiação.
É verdade que, por lições passadas, deveria
estar alerta, pois Fernando Pessoa já decretara a dificuldade dos anos
terminados no número cinco. Ele, supersticioso como só, temia qualquer
combinação de dias que se encerrasse naquele número. Permitam-me dizer, eu
mesmo provei isso antes, em 1985, o pior da minha existência, mas a rotina do
dia a dia, as demandas e os compromissos acumulados me arrastaram para falsas
ilusões, e não havia de ser de outro jeito. Agora, contudo, vendo os balanços
dados por colegas, noto outra vez que Fernando Pessoa tinha razão também quando
asseverou os versos “nunca conheci
ninguém que tivesse levado porrada/ meus amigos têm sido campeões em tudo”.
Apanhei muito, demais, ao longo dos últimos meses, mas como se me vingasse,
enumerei os cinco melhores feitos. Com a discrição devida, revelo-os, pois
todos têm algo em comum com o coletivo. 1- na doença de familiares, aprendi que
a morte não é o pior dos resultados e é um acontecimento que se impõe exigindo
reaprendizados sobre sua unicidade. Cada falecimento é único e demanda respeito
ao ritual que justifica no adeus provisório. Cresci na despedida surda; 2-
lancei um livro que na sequência de meus escritos se mostra atrevido, mas
coerente com o encaminhamento que sempre pretendi dar aos meus passos
metodológicos frente à disciplina História. Receber o reconhecimento de um
crítico que prezo muito, me fez iluminado; 3- olhar para os meus netos e vê-los
pessoas adequadas ao mundo dimensionou a alegria de ter filhos encontrados com
suas propostas de vida, e sobretudo unidos; 4- em meio a muito trabalho ter
podido estar em Lisboa sozinho, sem muitos compromissos, e aproveitar para,
entre fados e doces, poder dar um balanço da vida me valeu como um abraço na
minha própria experiência; 5- visitar o Museu do Prado e ter o privilégio de me
ver frente as Meninas de Velásquez equivaleu ao prazer incalculável de me
sentir gratificado por tantos anos de dedicação aos estudos. Foi como se
compreendesse integralmente o momento de revelação que o artista retraçou. A soma de tantos acontecimentos inventariados
no ato desta reflexão me exulta à compreensão da experiência e chego até a
ouvir, ao longe e mansamente, Mercedes Sosa repetindo “gracias a la vida”.
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