quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

CONTANDO A VIDA 132

Fim de ano e nosso historiador-cronista revisita seus melhores momentos em um 2015 difícil, de dores e perdas. Uma crônica linda e reflexiva, desfrutem. 

2015: CINCO ACONTECIMENTOS...

José Carlos Sebe Bom Meihy
Indique cinco coisas boas que aconteceram no ano que se finda... Pois é, logo eu que não gosto dessas tiradas que fazem as delícias dos seguidores de redes sociais! Logo eu que acho que essas perguntinhas inúteis são para adolescentes ou pessoas que têm tempo para rever detalhes de trajetórias recentes... Logo eu que acho tudo isso uma bobagem... Aconteceu, porém. Assim que a questão se iluminou no meu celular, me vi jogado no mar de lembranças tumultuadas, intrigado por não achar com facilidade os tais momentos arrebatadores, os convocados cinco mais importantes fatos que marcaram meu complicado 2015. Não que deixassem de existir. De jeito nenhum, mas de tal maneira foram entremeados por outras emoções contrárias que, se tivesse mesmo que usar uma metáfora para metaforizar essa longa trajetória, seria uma vertiginosa “montanha russa”. Uma daquelas em que as quedas são alucinantes, depois de subidas árduas.
Estou dizendo com isso que tive sim fases positivas – boas até demais – , mas as tristes foram tantas e tão profundas que encobriram – ou pelo menos turvaram sensivelmente – os azuis que insistiam em me lembrar que a vida tem um céu irrecusável. Sobretudo, este me foi um ano de perdas fatais e acompanhamento angustiante de doenças de familiares. E como doeu!... Aprendi muito, diga-se, mas pela dor, e, creiam, essa prática custa lágrimas cobradas com juros e juras. Tive que reaprender o sentido da aflição e da impotência. E não posso esquecer mais. Nem deixar pálido o sentido da beleza filtrada pela expiação.

É verdade que, por lições passadas, deveria estar alerta, pois Fernando Pessoa já decretara a dificuldade dos anos terminados no número cinco. Ele, supersticioso como só, temia qualquer combinação de dias que se encerrasse naquele número. Permitam-me dizer, eu mesmo provei isso antes, em 1985, o pior da minha existência, mas a rotina do dia a dia, as demandas e os compromissos acumulados me arrastaram para falsas ilusões, e não havia de ser de outro jeito. Agora, contudo, vendo os balanços dados por colegas, noto outra vez que Fernando Pessoa tinha razão também quando asseverou os versos “nunca conheci ninguém que tivesse levado porrada/ meus amigos têm sido campeões em tudo”. Apanhei muito, demais, ao longo dos últimos meses, mas como se me vingasse, enumerei os cinco melhores feitos. Com a discrição devida, revelo-os, pois todos têm algo em comum com o coletivo. 1- na doença de familiares, aprendi que a morte não é o pior dos resultados e é um acontecimento que se impõe exigindo reaprendizados sobre sua unicidade. Cada falecimento é único e demanda respeito ao ritual que justifica no adeus provisório. Cresci na despedida surda; 2- lancei um livro que na sequência de meus escritos se mostra atrevido, mas coerente com o encaminhamento que sempre pretendi dar aos meus passos metodológicos frente à disciplina História. Receber o reconhecimento de um crítico que prezo muito, me fez iluminado; 3- olhar para os meus netos e vê-los pessoas adequadas ao mundo dimensionou a alegria de ter filhos encontrados com suas propostas de vida, e sobretudo unidos; 4- em meio a muito trabalho ter podido estar em Lisboa sozinho, sem muitos compromissos, e aproveitar para, entre fados e doces, poder dar um balanço da vida me valeu como um abraço na minha própria experiência; 5- visitar o Museu do Prado e ter o privilégio de me ver frente as Meninas de Velásquez equivaleu ao prazer incalculável de me sentir gratificado por tantos anos de dedicação aos estudos. Foi como se compreendesse integralmente o momento de revelação que o artista retraçou.  A soma de tantos acontecimentos inventariados no ato desta reflexão me exulta à compreensão da experiência e chego até a ouvir, ao longe e mansamente, Mercedes Sosa repetindo “gracias a la vida”.

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