Fim de ano, época de presentes, agradecimentos, votos. Nosso historiador-cronista escreve sobre aquelas palavrinhas mágicas "obrigado" e "por favor", além de outras pequenas regras de convívio social, tão importantes, quanto humanizadoras.
SOBRE AGRADECIMENTOS, PRESENTES E OUTRAS COISAS.
José
Carlos Sebe Bom Meihy
Sempre me comovo com gestos de gentileza. Aliás, acho até
que na delicadeza reside a condição essencial da elegância e do bom viver. Por
lógico, não me refiro aos atos mecânicos, ensinados protocolarmente, mas do
tipo de sentimento que decorre da naturalidade do reconhecimento. Falo de
grandiosidade, de graça e alegrias frente aos acontecimentos da vida. São Tomás
dizia que só existe um pecado e uma única virtude. O pecado seria o orgulho,
visto como ato soberano que se vale de toda e qualquer forma de anulação dos
outros. A virtude seria a generosidade, mãe de todas as equidades. Aprendi com
a vida que a generosidade não é filha única, tem irmãs e é aparentada de
benesses correlatas. O “por favor”, por exemplo, é seu guardião inseparável,
como se fosse um anjo da guarda da gentileza. Aliás, lembro-me de um debate
antigo onde se discutia se o tal “por favor” ficava melhor antes ou depois de
qualquer pedido. Tal contenda, diga-se, remetia ao fato do pedido ser emitido
por mulher ou homem. Não interessava o receptor, mas sim o emissor. Outra
pendência interessante endereçava-se ao fato de superiores pedirem ou não, aos
subalternos, “por favor”. De maneira autoritária, ficava claro que ordem era
ordem e dispensava os tais requintes de delicadeza. O argumento é que um
general, por exemplo, ao mandar não deveria se valer de qualquer complemento,
pois fazia parte da hierarquia determinar.
Em relação aos agradecimentos o debate fica ainda mais
fermentado, pois o reconhecimento, quase sempre, demanda certa cerimônia e
ritual. É lógico que existem os obrigados mecânicos, aqueles que acontecem só
por costume ou boa educação, mas há também aqueles que impõem certo ritual, são
acompanhados de sorrisos ou mesmo de lágrimas. Se o “por favor” pode ser
calibrado por tom de voz, o agradecimento demanda cerimônias decorrentes, algo
do tipo, beijinhos, abraços e afagos que vão do aperto de mão aos tapinhas nas
costas. Interessante como o agradecimento se difere do “por favor” em termos de
gênero. Sempre fiquei intrigado com o fato de existir “obrigada” e “obrigado”.
Isto, diga-se, só acontece na língua portuguesa, pois em inglês, alemão,
japonês ou árabe, tal não ocorre.
Dos trejeitos ditos civilizados o mais cativante para mim
é o gesto presenteador. Dar presente parece-me a síntese e o limite das boas
maneiras. Estou valorizando o presente espontâneo, generoso, feito com afeto.
Em contraste perfeito, condeno o presente compulsório, forçado, obrigatório.
Gosto, inclusive, da palavra “presente” que qualifica o ato de presença no mino
ofertado. Isso é lindo, diga-se. Mas, as regras de etiqueta não dão conta de
tudo o que ocorre nas relações. O que dizer, por exemplo, quando depois dos
agradecimentos expressos pelo recebimento de um presente a gente ouve algo do
tipo “não precisava”, “imagine, você adivinhou”, ou “nossa, é exatamente o que
eu queria”. Sei que é difícil avaliar tais procedimentos e calibrar a carga de
realidade ou de exagero, mas não há como garantir que é melhor pecar pelo
excesso do que pela falta dele.
Em referência às formalidades de convívio, há uma que
intriga mais que todas: o tal do “muito prazer em ‘te’ conhecer”. Ah... a essa
não me rendo mesmo. É claro que expresso contentamento em ser apresentado a
alguém que, pelo menos em termos de possibilidade, pode vir a significar algo
em minhas relações, mas daí ao “muito prazer” vai uma distância razoável.
Nessas horas me basta um “olá” e se for o caso um sorriso.
Pois é, mas o leitor deve estar pensando no fundamento de
toda essa minha reflexão: teria motivo? Sim, vivemos em uma época de trocas de
presentes e o preparo de tudo isso exige compra, embalagem, cartões, pois
afinal o comércio exige disfarces e eles implicam regras de convívio adequadas.
É exatamente esse o ponto central desta mensagem. Por favor, recebam meu abraço
como presente e obrigado pela leitura de um ano de crônicas. E, por favor, não
digam “não precisava”.
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