Roberto Rillo Bíscaro
Na última seção de cinema, comentei sobre Séptimo,
produção argentina, cuja premissa é ótima, mas o incompetente roteiro sabota
tudo. Desta feita, o assunto é uma minissérie inglesa cuja premissa é bastante estapafúrdia,
mas o desenvolvimento, atuações e a familiaridade com certa convenção suspendem
nossa descrença e em poucos minutos do primeiro dos 6 episódios somos
irremediavelmente engolfados pelo rio de emoções que é River (2015), da BBC.
Centenas de séries e filmes apresentando uma dupla de
policiais cujas personalidades nada têm a ver ou detetives birutas - que em
ambos os casos, desmentem a existência/eficiência dos psicólogos das
corporações – acabaram convencionalizando esses dados. Aceitamos por
conveniência ficcional, afinal, se queremos conflito, há que fazer concessões.
River pede que aceitemos a permanência na polícia inglesa de um inspetor louco
de pedra, que desde criança tem visões psicóticas, além de conversar e
interagir com elas, podendo tornar-se violento nesse intercâmbio, atirando
cadeiras ou esmurrando paredes.
Esse é John River, o imigrando sueco – os britânicos
estão obcecados por Nordic Noir – já no fim da meia-idade, que vemos na cena
inicial conversando sobre Abba, Roxette e A-Ha (they are Norwegian, ele ri) com sua parceira Stevie. Não demora 10
minutos pra percebermos que ele falava sozinho; sua companheira fora
assassinada há 2 semanas, logo depois de ambos saírem dum restaurante, onde
River não tivera coragem de revelar-lhe algo importante.
Em princípio, a trama de River é a busca pelo assassino
de Stevie, mas o roteiro de Abi Morgan – que escrevera o problemático A Dama de Ferro – é muito mais que isso, transformando a mini num dos grandes programas
de TV do ano.
John River é atormentado por diversas manifestações, como
ele as denomina; desde vítimas a personagens históricos como um serial killer vitoriano, que proporciona
alguns dos momentos mais bizarros. Sabiamente
evitando o fácil reino da sobrenaturalidade, o roteiro usa essas aparições como
projeções variadas da psique do Inspetor-Detetive. River, a série, daria uma
tese de doutorado, não exagero. A manifestação principal é obviamente Stevie,
que conhecemos exclusivamente pelo filtro da memória/imaginação de River, mas a
qual entendemos, passamos a gostar e sentimos pena.
Outro trunfo de River é que todas
as personagens têm alguma profundidade e algumas secundárias crescem muito. Os
diálogos são certeiros e finalmente achei um detetive inteligente e atormentado
que mora num apartamento transado, que não ouve ópera ou jazz: River e Stevie
ouvem/iam disco music meio trash, tipo Tina Charles (quero dançar I
Love to Love nas ruas de Londres com o Stellan Skarsgård!)
E chegamos ao momento crucial, o
intérprete de John River. Em tese, não deveria ser fácil empatizar com um
senhor amalucado e tão estranho. A personagem é suculenta e uma das mais
memoráveis da TV contemporânea, mas poderia facilmente escorregar pro exagero
ou caricatura. Se StellanSkarsgård não faturar pelo menos um BAFTA ano que vem, perderei a fé na espécie
humana. O filho mais velho dos atores Paul Bettany e Jennifer Connelly chama-se
Stellan em homenagem ao sueco. Dá pra entender o porquê de tamanha tietagem. O
desgramado me cativara com o sorriso final em
En Ganske Snill Mann, que literalmente, traz toda a simbologia da
primavera numa só cena. Dessa vez, chorei, ri, torci, quis abraçar, fiquei com
raiva, tudo pela habilidade dramática de Skarsgård,
que parece não ter limites; o cara convence em sueco, norueguês e inglês.
Pra não dizer que não vi defeitos, no episódio 1 há um
par de cenas inverossímeis mesmo pra esse tipo de programa: John River está
meio velhusco pra correr quase tanto quanto um carinha de 20 anos ou subir numa
grande árvore e andar nos galhos. Qual é fião, virou Tarzan? Mas, falhas
grandes assim não ocorreram nos demais 5 episódios.
Morgan afirmou que deu
tanto trabalho escrever o policial, que dificilmente faria outro. Realmente,
não sei se compensa uma segunda temporada. Dá muita vontade de ver mais John
River, mas será conveniente arriscar ofuscar o brilho desses 6 capítulos?
Talvez valha mais rever River de vez em quando; isso certamente farei.
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