Roberto Rillo Bíscaro
O temor insano de um(a) invasor(a) ameaçando nossa
família certamente forneceria filmes, séries e livros pruma vida inteira apenas
consumindo esse tipo de narrativa. Em muitos casos, a abordagem é maniqueísta,
delineando bem os lados, pra sabermos por quem torcer. Às vezes, somos
manipulados a perdoar ou esquecer a culpa de quem tem a vida invadida,
especialmente se for macho adulto branco pulador de cerca; tadinho, mesmo assim
é vítima se despertar a ira dalguma “doida” de plantão, como no oitentista
Atração Fatal.
Sorte que em alguns quadrantes, os tons de cinza são usados
de maneira inteligente e fronteiras de mocinho e bandido são obliteradas, ou,
pelo menos, problematizadas. É o caso d’ O Presente (2015), fresquinho nos
cinemas nacionais. Roteirizado, produzido, dirigido e estrelado por Joel
Edgerton, a competência do material impõe que fiquemos de olho nesse
australiano.
Um casal de classe média muda-se de Chicago pros
arredores de Los Angeles, numa casa meio isolada e cheia de paredes
envidraçadas. Simon e Robyn estão fugindo do passado; a esposa tivera problemas
com barbitúricos, perdera um bebê, nunca fora muito popular, meio caladona.
Simon, não, é o típico Macho Alfa, simpático, bem-sucedido, falastrão, pingando
testosterona. Numa loja, o casal encontra Gordon, que se apresenta como antigo
colega de escola de Simon. Também meio esquisito, as tentativas de aproximação
de Gordo, como é chamado, são ridicularizadas e rechaçadas por Simon, mesmo que
Robyn nutra certa simpatia por afinidade com o “perdedor”, pra usar uma
terminologia tão cara a certas anglo-mentalidades. Sendo thriller psicológico,
claro que a rejeição soltará os diabos de Gordon.
The Gift presenteia-nos com praticamente todos os clichês
do sub-gênero, mas torce-os na medida em que descobrimos mais sobre Simon –
junto com a esposa – e a fronteira entre perpetrador e vítima relativiza-se
muito. O filme prende a atenção e até promove um par de genuínos sustos. A
música incidental é eficaz, mas discreta e as atuações muito boas.
A despeito de subverter um par de convenções, O Presente
não escapa da misoginia sedimentada em quase todos os resultados desse
sub-gênero: os erros do passado do macho adulto branco são reconhecidos – um
avanço em relação a Fatal Attraction – mas quem paga a parcela mais alta da
conta ainda é a “pobre fêmea”, meio neurótica, insegura. Ela pode nem suspeitar
disso nessa história exemplar sobre possíveis consequências do bullying, mas a audiência sabe.
Fica a sugestão pra professores tratarem de bullying, usando material que também
divirta.
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