Em tempos de tanta indignação contra a corrupção, nosso historiador-cronista indaga, e as pequenas falcatruas de nosso dia a dia, que relação têm com aquela em maior escala e mais visível?
PEQUENAS (NOSSAS) E GRANDES FALCATRUAS (DELES).
PEQUENAS (NOSSAS) E GRANDES FALCATRUAS (DELES).
José
Carlos Sebe Bom Meihy
Discutia-se
com costumeiro entusiasmo questões ligadas à corrupção nacional. A conversa, na
verdade, fervia. Foi quando, não mais que de repente, começamos a avaliar a
inviabilidade dos cálculos. É tanto o dinheiro resultado das fraudes que
perdemos os parâmetros. Não se fala mais em milhões, mas sim em bilhões.
Bilhões de dólares, diga-se. E nos faltava imaginação para aferir significados,
sobre o que poderia ser feito com o montante desviado. Frente a essa
constatação variamos o tema, tentando enquadrá-lo à nossa realidade pequena, de
simples cidadãos. E o tema deslizou para as pequenas malandragens, esses desvios
que fazemos diariamente quase sem notar. De maneira incisiva e quase
filosófica, porém, surgiu a grave questão: e nós com isso? Quais as nossas
manhas e como elas dialogariam com os alvoroços governamentais? Aliás, teriam
nossos dolos algo a ver com os tumultos que nos distinguem mundialmente como um
dos países onde mais se rouba no planeta? Bastou chegar a esse ponto para que
os ânimos amainassem e em conjunto nos puséssemos a costurar em fatos do nosso
dia a dia. E surtiu efeito, pois não queríamos sustentar a tese de que isso, na
nossa história é algo “cultural” e que “acontece desde que o Brasil se fez
Brasil. A fim de dar argumentos, então começamos a declinar nossas barbaridades
domésticas: CDs piratas, produtos sem nota fiscal, muambas do Paraguai ou da
China, impostos negados, contrabandos domésticos...
Insistente,
no entanto, persistia a questão: o que uma contabilidade tem a ver com a outra,
a deles e a nossa? Seria tudo apenas uma questão de magnitude ou escala? A
moral dos salafrários teria relação com as nossas malandragens miúdas? Antes
que nos deprimíssemos em face das possibilidades, tratei de convocar o bom
senso e mesmo divergindo sobre o fundo de onde provém os nossos salários em
contraste com o dos políticos – e também do destino do dinheiro – busquei
qualificar os danos. Foi quando alguém evocou a moral coletiva em contraste com
a individual. A conversa ganhou o tom do público X privado, mas não conseguiu
fugir da ética e da moral: afinal, roubar é roubar, ou há roubos e roubos. E
mesmo foi exclamado um “Ah! não dá para comparar”. Será que não?, perguntei...
Como
se fosse uma aula de antropologia cultural, o tal do jeitinho despontou como
desculpa esperta. A fronteira da lógica pessoal ganhava contornos ameaçadores,
pois o jeitinho teria certa graça justificadora. Se em uma ponta nos era explicável
buscar o mais barato – fosse o produto que fosse – em outra, o montante
assaltado dos cofres públicos não coadunava com nossas cobranças. Tudo se
complicou muito quando alguém usou o argumento mais perverso de todos: os
impostos são altos demais, por isto os burlamos. Foi imediata a culpa delegada
ao próprio governo que seria o causador dos contornos. Mas seria inevitável
retornar ao caso do jeitinho. O entusiasmo novamente se fez ruidoso quando uma
voz mansa disse algo próximo disso “ué, o Eduardo Cunha ao mentir sobre o
dinheiro na Suíça também quis dar um jeitinho.” Não preciso dizer do labirinto
que se montou. A anfitriã, preocupada com a falta de saída para o embaraçoso debate
resolveu quebrar o andamento da conversa e em alto e bom tom fez um brinde aos
novos tempos. Foi o que bastou. Atrevido, o marido dela, tentando ainda mais
desviar o assunto disse “olhem, o vinho é bom. É estrangeiro, eu comprei de um
importador sério que entrega em casa... Contrabandista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário