quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

CONTANDO A VIDA 135

Em tempos de tanta indignação contra a corrupção, nosso historiador-cronista indaga, e as pequenas falcatruas de nosso dia a dia, que relação têm com aquela em maior escala e mais visível?

PEQUENAS (NOSSAS) E GRANDES FALCATRUAS (DELES).

José Carlos Sebe Bom Meihy

Discutia-se com costumeiro entusiasmo questões ligadas à corrupção nacional. A conversa, na verdade, fervia. Foi quando, não mais que de repente, começamos a avaliar a inviabilidade dos cálculos. É tanto o dinheiro resultado das fraudes que perdemos os parâmetros. Não se fala mais em milhões, mas sim em bilhões. Bilhões de dólares, diga-se. E nos faltava imaginação para aferir significados, sobre o que poderia ser feito com o montante desviado. Frente a essa constatação variamos o tema, tentando enquadrá-lo à nossa realidade pequena, de simples cidadãos. E o tema deslizou para as pequenas malandragens, esses desvios que fazemos diariamente quase sem notar. De maneira incisiva e quase filosófica, porém, surgiu a grave questão: e nós com isso? Quais as nossas manhas e como elas dialogariam com os alvoroços governamentais? Aliás, teriam nossos dolos algo a ver com os tumultos que nos distinguem mundialmente como um dos países onde mais se rouba no planeta? Bastou chegar a esse ponto para que os ânimos amainassem e em conjunto nos puséssemos a costurar em fatos do nosso dia a dia. E surtiu efeito, pois não queríamos sustentar a tese de que isso, na nossa história é algo “cultural” e que “acontece desde que o Brasil se fez Brasil. A fim de dar argumentos, então começamos a declinar nossas barbaridades domésticas: CDs piratas, produtos sem nota fiscal, muambas do Paraguai ou da China, impostos negados, contrabandos domésticos...
Insistente, no entanto, persistia a questão: o que uma contabilidade tem a ver com a outra, a deles e a nossa? Seria tudo apenas uma questão de magnitude ou escala? A moral dos salafrários teria relação com as nossas malandragens miúdas? Antes que nos deprimíssemos em face das possibilidades, tratei de convocar o bom senso e mesmo divergindo sobre o fundo de onde provém os nossos salários em contraste com o dos políticos – e também do destino do dinheiro – busquei qualificar os danos. Foi quando alguém evocou a moral coletiva em contraste com a individual. A conversa ganhou o tom do público X privado, mas não conseguiu fugir da ética e da moral: afinal, roubar é roubar, ou há roubos e roubos. E mesmo foi exclamado um “Ah! não dá para comparar”. Será que não?, perguntei...

Como se fosse uma aula de antropologia cultural, o tal do jeitinho despontou como desculpa esperta. A fronteira da lógica pessoal ganhava contornos ameaçadores, pois o jeitinho teria certa graça justificadora. Se em uma ponta nos era explicável buscar o mais barato – fosse o produto que fosse – em outra, o montante assaltado dos cofres públicos não coadunava com nossas cobranças. Tudo se complicou muito quando alguém usou o argumento mais perverso de todos: os impostos são altos demais, por isto os burlamos. Foi imediata a culpa delegada ao próprio governo que seria o causador dos contornos. Mas seria inevitável retornar ao caso do jeitinho. O entusiasmo novamente se fez ruidoso quando uma voz mansa disse algo próximo disso “ué, o Eduardo Cunha ao mentir sobre o dinheiro na Suíça também quis dar um jeitinho.” Não preciso dizer do labirinto que se montou. A anfitriã, preocupada com a falta de saída para o embaraçoso debate resolveu quebrar o andamento da conversa e em alto e bom tom fez um brinde aos novos tempos. Foi o que bastou. Atrevido, o marido dela, tentando ainda mais desviar o assunto disse “olhem, o vinho é bom. É estrangeiro, eu comprei de um importador sério que entrega em casa... Contrabandista.   

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