Nosso historiador-cronista além de estudioso do Carnaval é também louquinho por um sacolejo de samba. Mas, sendo do interior, está feliz e torcendo pelas escolas de samba carioca que optaram por temas sertanejos este ano. Olha o Professor Sebe aí, gente!
CARNAVAL CAIPIRA: SINAL DOS TEMPOS?
CARNAVAL CAIPIRA: SINAL DOS TEMPOS?
José Carlos Sebe Bom Meihy
Neste ano, o carnaval vem logo. Dia 10 de fevereiro
estaremos entrando na Quaresma. É bom por um lado, pois como dizem, o ano
começará mais cedo, mas, na outra ponta resta o tal “desengano”. Na realidade,
todos queremos paz e harmonia, mesmo tendo certeza de que será uma quadra
difícil e de muitos ajustes. Que o medo não apague as esperanças. É preciso
manter o fervor ativo, pois como diz a poetisa mineira Adélia Prado, “até para
cortar a unha é preciso ter fé”. Fiz um balanço nos sambas-enredos deste ano a
fim de pôr meu tino sociológico para funcionar. Fiquei surpreso com o
resultado, pois no fundo preside um ar de festa e novidade. Tendei alinhavar
alguma lógica nos temas e acho que consegui algum resultado.
Achei relevante destacar dois sambas que trazem inovações
temáticas. Imaginem que contra a tendência urbana do tríduo momístico, este ano
duas escolas celebram o mundo caipira. Até então, falar do interior era uma
espécie de avesso da celebração, sempre atenta à exaltação de feitos modernos,
assuntos da moda ou da crítica citadina. Para falar do campo e da agricultura,
a Unidos da Tijuca apresentará “Semeando sorriso, a Tijuca festeja o solo
sagrado”. O refrão é forte e em compasso de samba ligeiro diz “Sou matuto
sonhador em louvação/ lá no meu interior, a viola dá o tom/ vendo o campo
colorido/ cai a noite a me envolver/ vou rogando ao Pai querido/ pra colheita
florescer”. E os demais versos exaltam o trabalho do agricultor dizendo “vou
levantando a poeira da terra/ que aterra a magia do grão/ fertilidade é a arte
do homem que cuida/ protege seu chão”. Na mesma senda, a Imperatriz
Leopoldinense surpreende com o enredo “É o amor... que mexe com a minha cabeça
e me deixa assim: Do sonho de um caipira nascem os filhos do Brasil, uma
homenagem aos dois filhos de Francisco”, sobre Zezé Di Camargo e Luciano. A
letra se abre anunciando as belezas do cerrado goiano “Sagrada lida, vida
sertaneja/ guardo as lembranças lá do meu torrão/ o galo canta anuncia novo dia/
abre a porteira do meu coração/ minhas andanças marejadas de saudade/ semeiam
sonhos”. Ainda mais surpreendente, porém é o final “Chora cavaco, ponteia viola/
pega a sanfona, meu irmão, chegou a hora/ sou brasileiro, caipira Pirapora”.
Numa síntese bem resolvida, numa espécie de rapsódia, a letra transforma o
sertanejo localizado em Goiás em um ente brasileiro onde o ponteio da viola
“abrasileira” a todos, nos declarando à Renato Teixeira “caipira Pirapora”. E
não há como não se emocionar, posto que as duas propostas não se valem da
caricatura do chamado “homem do campo”. Pelo reverso, trata de dignifica-lo num
suposto elevado. E que dizer da concorrência proposta em relação às festas juninas?!
O caipira no carnaval, exatamente na Marquês de Sapucaí, exibe, em dose dupla,
a tendência respeitosa ao trabalhador rural. As fantasias certamente irão
promover o trabalho na terra, indo além da folclorização barata e gasta.
Há algo mais a dizer, pois o carnaval de rua deste ano, no
Rio de Janeiro, inscreve o tema rural em um mosaico bem completo, promovendo
contrastes, fazendo-o se compor com eternos temas como a malandragem (Salgueiro
“A ópera dos malandros”); com a repetida badalação do nordeste (Vila Isabel
“Memórias de Pai Arraia. Um sonho pernambucano, um legado brasileiro”).
Certamente Paulo Barros vai no surpreender nos efeitos de “No voo da águia uma
viagem sem fim...”, mas ao falar de viagens, desde a mitologia, os arroubos
inovadores não estão no tema. Evocação literária não pode faltar e neste ano
teremos a Mocidade Independente de Padre Miguel fazendo aproximações “O Brasil
de La Mancha: sou Miguel, Padre Miguel, sou Quixote Cavaleiro, Pixote
brasileiro”. A sempre rica Beija-flor exibirá a história do mineiro “Marques de
Sapucai” e a São Clemente “mais de mil palhaços no salão”. A Mangueira
exaltando Maria Bethânia e a Grande Rio falando de Santos completam a lista.
Não sou de apostas, mas se depender da torcida a premiação será caipira...
Caipira Pirapora.
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