Frequentemente nos colocamos a recordar acontecimentos, objetos que não mais existem no cotidiano, programas de TV extintos. Mas, envelhecer é só isso? Nosso historiador-cronista ensaia uma resposta.
ENVELHECER É...
ENVELHECER É...
José Carlos Sebe Bom Meihy
Foi assim, eu estava solto numa tarde e olhava o dia virar
noite. A agitação da cidade também fugia dos sons e meu pensamento flanava leve
e despregado de referências imediatas. Sem perceber, comecei a derivar para coisas,
acontecimentos, que agora habitam o afastado “reino do nunca mais”. Uma a uma,
as lembranças se perdiam entre saudade, nostalgia e abandono. Não mais sessões
de matinê em tardes preguiçosas de domingos; onde terão ido parar os discos comprados
em lojas especializadas; o que aconteceu com as cartas, ninguém mais as escreve
– e como é ruim apenas receber contas e notificações pelo correio; o que fazer
com a velha máquina de escrever? E com o aparelho de Fax? Com a Roleyflex que
um dia foi atualíssima? E com os negativos de filmes revelados “antigamente”?
Aliás, por onde andará o Simca Chambord fotografado no momento da primeira
compra de automóvel com meu próprio salário? E as velhas televisões com antenas
“adornadas” com BomBril? E as programações de cinema, os livros do Tarzan, os
santinhos da igreja? São tantas as coisas que desapareceram que talvez não haja
mais memória do Gumex que passava no cabelo, nem do corte “escovinha” que
arrepiava o topete ou do cabelão do Elvis. E por falar em topete, que dizer da
chamada calça americana – se fosse de brim branco, então! Lembro-me do tempo em
que os sabonetes eram o Lifebuoy, Lever e Gessy. E como esquecer que bom
presente para a namorada era Água de Alfazena, perfume Rastro? Para as mamães, os produtos Cotty eram um luxo. Jovenzinhos, muitos de nós usávamos o perfume
argentino Lancaster e combatíamos as espinhas com a pomada Minâncora e ainda
falávamos de combate a caspas. Outro dia recordei as emoções do programa “O céu
é o limite” e também me deixei embalar pela lembrança da Celly Campelo cantando
“Banho de lua”, “Estúpido Cupido” e, lógico, não faltou espaço para O fino da
Bossa e nem para a Jovem Guarda. Devo dizer que as imagens vinham se
desdobrando em cortes de cabelo à Roberto Carlos – e que dizer dos paletós
sem lapela, das roupas de duas cores? As primeiras camisas vermelhas eram
usadas com a gola levantada atrás e com dobrinhas nas mangas e como nossos pais
se irritavam com isso... Era um tempo em que a pasta de dente mais popular se chamava
Kolynos e convidava a todos a se transformar em Kolynosistas. Como fiquei feliz
quando ganhei uma caneta tinteiro Parker 51! E tinha compasso, esquadro, régua
e cadernos com o Hino Nacional. E por falar em cadernos, será que ainda existem
os de caligrafia? E os que ensinavam o passo a passo dos desenhos? Quanta
saudade do lança-perfume, do confete, serpentina e das fantasias de Pierrô! Pena que as meninas, no carnaval, não se vestem mais de ciganas, odaliscas,
baianas. Hoje – que triste – fantasias só em escolas de samba e dentro de
enredos... Onde terá ido parar o meu cachimbo e os apetrechos com os quais
pretendia me mostrar moço feito?
Envelhecer é colecionar recordações emocionadas, dar sentido
a objetos que compuseram nossa feição construída ao longo de anos, décadas.
Certo? Mais ou menos diria, pois, envelhecer também implica escolhas. Podemos
decidir entre dois modelos básicos: ou ficamos simpáticos ou ranzinzas, doces ou
amargos. Também podemos optar por virtudes que nos distingam. Escolhi como meta
a paciência e a busca. Não que tenha conseguido aposentar a irritação e a falta
de controle frente a atrasos e erros alheios, mas saber que ela é uma espécie
de utopia doméstica, me faz melhor. E me ensina a buscar o lado terno que
existe em todos e em tudo. Aprender o respeito aos sinais da vida é uma benção
que substitui o culto à doença, aos malefícios ameaçadores da beleza que existe
sim no envelhecimento. Colecionar amigos, refazer trajetos perdidos, pedir
perdão e desculpar, são predicados da idade conseguida. Com essas somas,
reconheço a celebração da vida e aprendo que o caminho que me resta é um
prêmio.
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