Para entender o direito à inclusão escolar
Recentemente a inclusão escolar de alunos com deficiência, que já era garantida por várias leis, foi contestada pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino perante o Supremo Tribunal Federal. É que a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), aprovada este ano e que começa a valer em janeiro de 2016, estabelece que as escolas particulares não podem cobrar taxas extras das famílias dos alunos com deficiência como condição para que eles sejam aceitos e estudem nas escolas. A prática configura discriminação, punível com prisão de 1 a 4 anos, além de pagamento de multa, de acordo com a LBI.
Preparamos abaixo um resumo para que você possa entender melhor a questão:
“As escolas particulares só podem ser escolas porque a Constituição assim autoriza. Ela diz que só é aberto à iniciativa privada se elas cumprirem os mesmos deveres das escolas públicas e as leis gerais de educação. Nada autoriza ninguém a discriminar, não e?
Seria o mesmo que eu ir num restaurante, uso cadeira de rodas e receber um percentual mais caro na minha conta porque o meu banheiro adaptado custou mais caro que os outros. É um ato de discriminação também.”
Procuradora Eugênia Gonzaga (entrevista ao Jornal Nacional *)
As escolas devem compor no seu custo geral de funcionamento todos os requisitos de acessibilidade porque esses requisitos são necessários à igualdade de direitos entre pessoas com e sem deficiência.
Martinha Clarete – MEC (entrevista ao Jornal Nacional *)
“Custo é preço. E preço vai no serviço da mercadoria.”
Presidente da Confederação das Escolas Particulares
“À escola não é dado escolher, segregar, separar, mas é seu dever ensinar, incluir, conviver.”
Ministro Edson Fachin (STF)
APROVAÇÃO DA LEI BRASILEIRA DE INCLUSÃO
Lei que foi construída de forma amplamente democrática. Tramitou por longos 15 anos, ficou por seis meses no site “e-democracia” do Congresso e recebeu mais de mil propostas populares de alterações (o site criou recursos de tecnologia assistiva para que pessoas com deficiência visual também pudessem contribuir). Trata-se do primeiro Projeto de Lei da Câmara dos Deputados traduzido/interpretado para Libras (Língua Brasileira de Sinais) e foi aprovada por unanimidade em ambas as Casas Legislativas atendendo aos valores universais de Dignidade da Pessoa Humana, bem como dispositivos da Magna Carta de 1988. Houve ampla participação de segmentos sociais, assim como por seus respectivos representantes.
A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (ADI 5.357): INÍCIO
No princípio de Agosto de 2015, a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen), ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5.357) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) visando a inconstitucionalidade do §1º do Art. 28 da Lei 13.146/15 (Lei Brasileira de Inclusão-Estatuto da Pessoa com Deficiência). Em sua petição inicial, os autores defendem que as escolas privadas devem ter o direito de escolher quem pode ou não estudar em suas instituições filiadas. Abrindo, assim, temerária margem de consolidação de colégios exclusivos para grupos específicos da sociedade seja por critérios raciais, de gênero, hereditariedade, condição genética, física, sensorial, motora, intelectual, residencial, censitária ou qualquer outro que, porventura, cogitarem estabelecer e defender. Outro dado interessante é que esta mesma confederação ajuizou ação perante STF contra cotas para negros nas universidades. Vem de longe a orientação segregadora…
ADI 5.357: INSTITUIÇÕES EM DEFESA DA EDUCAÇÃO PARA TODOS
A ação proposta pela Confenen para excluir alunos com deficiência gerou ampla mobilização da sociedade contra o que pretendem. Nesse sentido, ingressaram como “Amigos da Corte” (amicus curiae) na ADI 5.357 para defender a constitucionalidade do art. 28: Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), a Associação Nacional do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência (AMPID), a Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DP-SP), a Federação Nacional das APAES (FENAPES), a Federação Brasileira as Associações de Síndrome de Down (FBASD), a Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas com Autismo (ABRAÇA) e o Movimento Down. Existem ainda outros importantes grupos dispostos para o ingresso, como o Instituto Brasileiro de Direito das Famílias (IBDFAM) e o Instituto Alana (de São Paulo).
ADI 5.357: DECISÃO
Na semana passada, o Ministro Relator Edson Fachin já decidiu, liminarmente, manter a constitucionalidade do Art. 28. Portanto, a partir de janeiro, as escolas privadas devem estar preparadas para atender às exigências legais dispostas no mesmo. A Confenen agravou da decisão. De qualquer forma, o plenário ainda julgará. A tendência, pela composição da Corte, pelo disposto na Constituição e pela mobilização nacional em prol da constitucionalidade (reparem que não há sequer uma instituição como amiga da corte ao lado da Confenen) é que o Plenário apenas confirme a decisão liminar do Ministro Relator.
DIREITO À EDUCAÇÃO PARA TODOS
O pleito contraria diversos dispositivos constitucionais (Artigos 01º, 05º, 06º, 205, 206, 208, 209, 214 e 227), infraconstitucionais (múltiplos normas contidas nas Leis nº 7.852/89, nº 8.069/90, nº 8078/90, nº 9.394/99 e nº 12.764/12; nos Decretos nº 2.398/99 e nº 8.368/14, dentre muitos outros), Resoluções, Pareceres e Notas Técnicas do MEC (destaque para a NT nº 20/2015/MEC/SECADI/DPEE, Resolução nº 04/2009, Parecer nº 171/2015/CONJUR-MEC/CGU/AGU, entre tantos outros), Tratados Internacionais (diversos, dentre os quais a Convenção Interamericana para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência – Convenção da Guatemala – Decreto nº 3.955/01) e, também, o art. 24 do Decreto 6.949/09 que, cabe destacar, possui status de emenda constitucional (promulgou a Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, aprovada nos termos do §3º, Art. 5º da Magna Carta da República).
Além disso, afeta diretamente cerca de 45,6 milhões de pessoas com deficiência no país e suas famílias, segundo Censo 2010/IBGE (25% da população brasileira).
ADAPTAÇÕES DAS ESCOLAS: DETERMINAÇÃO LEGAL
As escolas deverão, a partir de janeiro:
- Garantir um sistema educacional inclusivo em todos os níveis e modalidades, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida;
- O aprimoramento dos sistemas educacionais, visando a garantir condições de acesso, permanência, participação e aprendizagem, por meio da oferta de serviços e de recursos de acessibilidade que eliminem as barreiras e promovam a inclusão plena;
- Construir um projeto pedagógico que institucionalize o atendimento educacional especializado, assim como os demais serviços e adaptações razoáveis, para atender às características dos estudantes com deficiência e garantir o seu pleno acesso ao currículo em condições de igualdade, promovendo a conquista e o exercício de sua autonomia;
- Promover a adoção de medidas individualizadas e coletivas em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social dos estudantes com deficiência, favorecendo o acesso, a permanência, a participação e a aprendizagem em instituições de ensino;
- Promover o planejamento de estudo de caso, de elaboração de plano de atendimento educacional especializado, de organização de recursos e serviços de acessibilidade e de disponibilização e usabilidade pedagógica de recursos de tecnologia assistiva;
- Estimular a participação dos estudantes com deficiência e de suas famílias nas diversas instâncias de atuação da comunidade escolar;
- Viabilizar a oferta de ensino da Libras, do Sistema Braille e de uso de recursos de tecnologia assistiva, de forma a ampliar habilidades funcionais dos estudantes, promovendo sua autonomia e participação;
- Garantir acesso da pessoa com deficiência, em igualdade de condições, a jogos e a atividades recreativas, esportivas e de lazer, no sistema escolar, garantir a oferta de profissionais de apoio escolar;
ADAPTAÇÕES DAS ESCOLAS: A DESCONSTRUÇÃO DO MITO DE IMPOSSIBILIDADE E CUSTO
As determinações legais não são impossíveis ou excessivas, ao contrário. Podem ser atendidas a partir do conhecimento necessário e conexo às práticas da educação inclusiva. Por exemplo, a existência de uma sala de recursos multifuncionais é um pressuposto básico. A escola que não possui, deverá estruturar ou terá custos muito mais elevados e dificuldade em atender às exigências. A sala pode ter um custo muito baixo e ainda servir de oportunidade para que a escola promova valores de inclusão e diversidade com a participação da comunidade escolar na estruturação da mesma. Essas iniciativas reduzem custos e promovem cidadania.
Existem diversos materiais disponíveis gratuitamente para orientação de como se deve montar uma sala de recursos multifuncionais. Lembrando que a estruturação é assunto sério e deve ser coordenado por alguém que entenda do tema, sob pena de graves prejuízos para escola, inclusive, responsabilizações de caráter civil, administrativo e até criminal.
A QUESTÃO DA MEDIAÇÃO
A mediação escolar percebida e garantida no “Profissional de Apoio Escolar” pela Lei nº 13.146/15 é um dos temas centrais e estratégicos na conformação às exigências legais. A oferta do profissional é RESPONSABILIDADE DA ESCOLA e a família não pode ser obrigada a arcar co taxas extras, sob pena de responsabilização cível e criminal da escola.
Há grande desconhecimento acerca do profissional, por exemplo, não há uma receita pré-determinada orientando que seja um por aluno ou que esse profissional possa atender mais alunos numa classe. Inclusive, um por aluno pode gerar retrocesso, pois se tornariam “babás” e não permitiram a independência e autonomia do aluno. Por outro lado, existem casos em que se faz necessário uma atenção mais específica e a necessidade pode determinar políticas específicas.
CONTRATOS
Qualquer contrato que preveja negativa de matrícula, enseja responsabilidade criminal na forma da Lei nº 7853/89 que foi alterada pela Lei nº 13.146/15, com pena de 02 a 05 anos e multa para escola. Além disso, o contrato que preveja cobranças extras específicas da família que matricule o aluno com deficiência, o não atendimento às necessidades específicas do aluno, a impossibilidade de adequação curricular ou qualquer outra medida em prejuízo do aluno é inconstitucional e enseja responsabilidade administrativa e cível (indenizatória), podendo ser tiopificada como conduta criminosa dependendo do caso e da desídia.
AUTORIZAÇÃO E CUSTOS
Ao optar pela atividade de empresa “escola”, o empreendedor assume o risco da atividade como em qualquer outro negócio. E essa atividade de empresa tem caráter acentuado no cumprimento de função social, portanto, submetidas de forma ainda mais inequívoca às normas de caráter público e que, porventura, incluam ações afirmativas e responsabilidade social. Sendo assim, enquanto autorizações do MEC, as escolas privadas devem se submeter às mesmas condições de regramento das normas nacionais de educação. Devem obedecer ao disposto na Lei nº 13.146/15 (que, inclusive, cita as escolas privadas especificamente no parágrafo 1º).
Educação é base de formação e convívio da diversidade. Inúmeros estudos apontam para os seus benefícios, não só para os próprios alunos com deficiência como para os que não possuem deficiência e a comunidade escolar em geral. Vai muito além de planilhas de custos, projeções de margem e lucro. Além disso, a educação inclusiva é totalmente viável financeiramente, basta a informação adequada.
Por Gonzalo Lopez
Delegado da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB/RJ (CDPD-OAB/RJ);
Colaborador do Coletivo de Advogados (CDA/RJ) para Direitos da Pessoa com Deficiência;
Diretor de Escola Privada;
Mestrando HCTE/UFRJ;
Colaborador e Ativador do Movimento Down;
Moderador RJ Down;
Pai do Tiago e do Gabriel.
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