Roberto Rillo Bíscaro
Ed Motta começou novinho sob os holofotes, em 1988,
quando estourou com o Conexão Japeri. Tinha menos de 18, quando o país cantou
Manuel. Pode não ter sido fácil ser alcunhado “o sobrinho de Tim Maia”, mesmo
tendo talento e vozeirão. Ainda lembro do dueto com Marisa Monte, no início dos
anos 90. Na era do mimimi de rede social, controvérsia aqui, polêmica ali e
sempre mais importante do que essa cosmética derretida, uma carreira
internacional indo bastante bem pelo jeito. Perpetual Gateways, lançado dia 12
de fevereiro pelo selo gringo Must Have Jazz prova isso.
Motta organizou as 10 faixas como na época do vinil: um
lado mais R’n’B, outro jazz. Na idade do mp3 isso significa: as 5 primeiras
faixas na primeira categoria, as demais jazzy.
Gosto de imaginar Perpetual Gateways como uma crescente invasão do jazz. Nas
primeiras canções, piano aqui, clarineta acolá, remetendo ao que Terri LyneCarrington fez em The Mosaic Project: Love and Soul. A partir da sexta canção,
jazz contemporâneo total, virtuoso e febril.
Captain’s Refusal abre sophistipop com clima de jazz e isso só se avoluma posteriormente,
daí minha imagem de “invasão”. Hyponcondriac’s Fun bebe da mesma fonte da qual
Djavan se fartara: Steve Wonder. Deliciosa e com linhas vocais memoráveis;
aliás, Perpetual Gateways está cheio de grandes melodias e linhas/versos
grudentos. Não é só pop que pode ser chicletudo. Na segunda parte da canção, um
dos grandes solos de piano inundam de jazz esse deslizante passeio soul. As
teclas estão a cargo de Patrice Rushen. O time de músicos é fera; particularizo
Rushen, porque ela é a dona do hit
oitentista Forget Me Nots, do álbum Straight From the Heart (1982), onde já
fundia pop, jazz e “R’n’B. E é mais ou menos assim em Perpetual Gateways, ainda
que o pop esteja em segundo plano.
Ouça, por exemplo o começo de Good Intentions e pensará
que vem funk; até tem clima, mas Rushen tasca um solo jazzístico de tirar
fôlego. O solo de clarinete de Reader´s Choice além de jazzificá-la, deixa-a
podre de chique. Heritage Déjà Vu seria chamada de acid jazz há uma década.
Daí começa oficialmente o domínio jazz, que se inicia com
a esfumaçada Forgotten Nickname, com denso solo de flauta, pra não cair na
mesmice de só piano. Daquelas canções que trazem à cabeça imagens
cinematográficas de fossa nalgum bar. Heleninha Roitman pediria muitos uishquinhosh
ao som disso.
As 4 faixas finais são exuberante amostra de jazz
contemporâneo, com grande instrumentação floreada, alguma dissonância,
bebopices, scat singing (Ed arrasa em
Overblown Overweight). A elogiosa resenha do All Music Guide menciona o albino
Hermeto como semelhança; eu acrescentaria João Donato se é pra se referir a
mais prata da casa.
Cantado inteiramente em inglês, Perpetual Gateways até
agora teve lançamento apenas no hemisfério norte, mas em março chega por aqui.
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