sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

PAPIRO VIRTUAL 102


Roberto Rillo Bíscaro

Nalguma madrugada global da primeira metade dos anos 80, vi Sexta-Feira 13 II. Naquela época parece que a TV (só havia abertas) exibia mais filmes de terror e eu não perdia um. O assassino com saco de estopa na cabeça exterminando jovens num acampamento tornou-se meu favorito. Jason não fala, não perde tempo; simplesmente mata. E slashers viraram meu sub-sub-gênero favorito, mormente os do auge oitentista.
Revendo os filmes do Jason – ele só conseguiria a icônica máscara de hóquei no terceiro – eles perderam muito do impacto não apenas porque já os conheço, mas porque séries mostram cenas mais fortes hoje, os efeitos especiais são primitivos; os filmes são realmente ruins. Jamais os defendi como bons, apenas amo-os com seus defeitos. Adoro o clima de suspense no meio de florestas sanitizadas, a trilha sonora e o kikiki mamama, anúncio ao espectador de que Jason Voorhees está nas imediações. O som é um dos toques de meu Whatsapp (as trilhas de DALLAS, Dynasty e Mary Tyler Moore também tocam no meu telefone).
O primeiro Sexta-Feira 13 estreou em 9 de maio de 1980. Aproveitando ideias de Halloween a Psicose, o filme independente de 700 mil dólares rendeu 90 milhões e iniciou rendosa franquia e uma enxurrada sangrenta de produtos, esses especialmente depois que Jason passou a usar a máscara. Friday the 13th simplificou e explicitou tudo o que Halloween sugeria. Pra época, algumas das cenas eram aterrorizantes, como a da decapitação da Sra. Vorhees. Críticos e moralistas odiaram, mas muita gente amou e isso é o que conta no mundo onde arte/entretenimento é mercadoria como carne, maconha ou bíblia. Como deu muito dindim, iniciou uma febre se slasher films em acampamentos e onde mais se possa imaginar. Os ecos de Sexta-Feira 13 são ouvidos até hoje, vide o metafilme Terror nos Bastidores, aqui resenhado.
Saber detalhes sobre a produção e feitura do primeiro filme me fez devorar Sexta-Feira 13 – Arquivos de Crystal Lake, de David Grove, lançado no Brasil pela editora Darkside, traduzido por João Marques Almeida – realmente era necessário traduzir todos os “eu “ e “nós” indispensáveis no inglês possuidor de verbos quase sem flexão, mas não no português abundante em terminações indicativas das pessoas?
Através de entrevistas com a equipe artística e de produção, levantamento em jornais e farto material iconográfico (em branco e preto, que uó!) e introdução do maquiador Tom Savini, o fá assumido Grove mapeia e detalha tudo sobre o primeiro Sexta-Feira 13, que, 35 anos mais tarde, todos sabem não ter Jason a não ser na famosa cena do sonho, quando emerge do fundo do lago, conceito “emprestado” de Carrie, a Estranha. A contragosto de muitos – Savini incluso – os produtores da Georgetown exigiram sequência em vista do sucesso de bilheteria e dai em diante um Jason adulto comandaria a matança. Sem nexo, uma vez que a Sra. Voorhees afirma que Jason morrera afogado, mas quem se importa quando o objetivo é fazer dinheiro?
E é vendo o filme estritamente como produto/mercadoria que o livro apresenta o diretor Sean Cunningham, picareta que deu sorte tremenda com esse filme. Sexta-Feira 13 – Arquivos de Crystal Lake minucia o processo de criação até do logo, como também descreve cada semana de filmagem. Aprendemos que os produtores de Boston provavelmente tinham ligações com a máfia – Jason como produto de lavagem de dinheiro, Lava Jato nele! – que a cobra morta é de verdade a pobrezinha, que uma atriz dormiu com o diretor, como muitas cenas foram filmadas, enfim, é uma leitura absorvente pros fãs. Li em poucas deitadas e amei.
Algumas informações são repetidas diversas vezes, porque a edição das inúmeras entrevistas por vezes deixa atores e técnicos falarem o mesmo, apenas com algum detalhe diferente. Mas, isso não estraga a prazer, até porque é também muito divertido pegar as contradições entre os depoimentos, as diferentes leituras que a memória imprimiu nos diferentes membros da equipe.
Exceto por Kevin Bacon – hollywoodiano demais pra ser entrevistado nesse projeto – ninguém dessa produção mequetrefe virou estrela. O fracasso de alguns é atribuído à estereotipação por Sexta-Feira 13. Vendo as péssimas atuações, duvida-se dessa asserção. O filme também merece ser visto pra rir de tanta canastrice. E mesmo assim/por isso mesmo, seguimos amando.


Sexta-Feira 13 – Arquivos de Crystal Lake é obrigatório pra fãs. 

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