Roberto Rillo Bíscaro
Na época em que tudo precisa ser dissecado nos mínimos
detalhes (autossic!), convenções artísticas esmiuçadas, celebridades consumidas
em seu cotidiano mais íntimo, não admira a quantidade de filmes e séries
lidando com antecedentes, as prequels.
Norman Bates e Hannibal Lector têm suas infâncias/juventudes detalhadas em
Bates Motel e Hannibal, respectivamente, e por aí vai. O Detetive Inspetor Morse não escaparia dessa genealogia ficcional.
Por haver gostado da série com John Thaw, vi as 3 temporadas e o episódio-piloto de Endeavour (2012 -), que felizmente evita o
tolo mistério em torno do nome de batismo do brilhante detetive que resolve
brutais assassinatos na área de Oxford. Cada temporada consta de 4 episódios de
hora e meia e é ambientada em meados dos anos 60, quando o egresso da
universidade está no frescor e timidez de seus 20 e poucos anos. Com tantos
crimes na Universidade, perpassando décadas, surpreende que alguém queira lá
estudar!
Shaun Evans acertou em não reproduzir maneirismos e
inflexões do falecido Thaw. Não apenas porque correria o risco de cair na
imitação caricata, mas também porque a personagem na produção da ITV é
necessariamente distinta daquela da série 80tista/90tista. O jovem Endeavour
tem que engolir muitos sapos, porque alguns de seus superiores e/ou colegas o
humilham ou discriminam por ser de fora, culto, por se sentir mal em ver
cadáveres (pelo menos, nos episódios iniciais). Como ele não tem poder
hierárquico pra detonar ninguém, o interesse da personagem vem de sua brilhante
inteligência e pra quem conhece a série com John Thaw pra ver como se formou a
personalidade do velho Inspetor. Por exemplo, quem o introduz na degustação de
cerveja é o Inspetor Thursday (Roger Allan, de The Queen, ótimo com sua voz tão
característica) que o põe debaixo das asas enquanto Morse atua como seu Lewis. O
azar do policial com mulheres também está presente: se Morse se interessa por
alguma, ela terá a ver com o crime ou algo dará muito errado no relacionamento,
que, em verdade, nunca decola. Como sabemos que Morse envelhecerá para se tornar o comissário famoso uma década e meia após os acontecimentos de Endeavour, cliffhangers envolvendo-o não apenas ficam sem graça como soam fúteis Ao final da segunda temporada, ele termina atrás das grades. Que ansiedade isso poderia criar se já o víramos de cabelos brancos resolvendo casos anos mais tarde?
Os roteiros voam na maionese nas deduções e na erudição
de Morse, que num episódio intui que o nome Keith Miller é anagrama pra I’m the
killer. Mas, desde que bem elaborados, é isso que torna esses shows divertidos; se quiséssemos coisas
mais “realistas” veríamos Marcelo Rezende.
Sem ser brilhante, Endeavour, como o original Inspector Morse, tem histórias com grau de interesse variado e agradará fãs de histórias
de detetives tradicionais britânicas, com sua eficiente reconstituição de
época, superlativização do intelecto dum individuo sobre o grupo e romantização
do crime.
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