terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

TELINHA QUENTE 198

Roberto Rillo Bíscaro

Na época em que tudo precisa ser dissecado nos mínimos detalhes (autossic!), convenções artísticas esmiuçadas, celebridades consumidas em seu cotidiano mais íntimo, não admira a quantidade de filmes e séries lidando com antecedentes, as prequels. Norman Bates e Hannibal Lector têm suas infâncias/juventudes detalhadas em Bates Motel e Hannibal, respectivamente, e por aí vai. O Detetive Inspetor Morse não escaparia dessa genealogia ficcional.
Por haver gostado da série com John Thaw, vi as 3 temporadas e o episódio-piloto de Endeavour (2012 -), que felizmente evita o tolo mistério em torno do nome de batismo do brilhante detetive que resolve brutais assassinatos na área de Oxford. Cada temporada consta de 4 episódios de hora e meia e é ambientada em meados dos anos 60, quando o egresso da universidade está no frescor e timidez de seus 20 e poucos anos. Com tantos crimes na Universidade, perpassando décadas, surpreende que alguém queira lá estudar!
Shaun Evans acertou em não reproduzir maneirismos e inflexões do falecido Thaw. Não apenas porque correria o risco de cair na imitação caricata, mas também porque a personagem na produção da ITV é necessariamente distinta daquela da série 80tista/90tista. O jovem Endeavour tem que engolir muitos sapos, porque alguns de seus superiores e/ou colegas o humilham ou discriminam por ser de fora, culto, por se sentir mal em ver cadáveres (pelo menos, nos episódios iniciais). Como ele não tem poder hierárquico pra detonar ninguém, o interesse da personagem vem de sua brilhante inteligência e pra quem conhece a série com John Thaw pra ver como se formou a personalidade do velho Inspetor. Por exemplo, quem o introduz na degustação de cerveja é o Inspetor Thursday (Roger Allan, de The Queen, ótimo com sua voz tão característica) que o põe debaixo das asas enquanto Morse atua como seu Lewis. O azar do policial com mulheres também está presente: se Morse se interessa por alguma, ela terá a ver com o crime ou algo dará muito errado no relacionamento, que, em verdade, nunca decola. Como sabemos que Morse envelhecerá para se tornar o comissário famoso uma década e meia após os acontecimentos de Endeavour, cliffhangers envolvendo-o não apenas ficam sem graça como soam fúteis Ao final da segunda temporada, ele termina atrás das grades. Que ansiedade isso poderia criar se já o víramos de cabelos brancos resolvendo casos anos mais tarde?
Os roteiros voam na maionese nas deduções e na erudição de Morse, que num episódio intui que o nome Keith Miller é anagrama pra I’m the killer. Mas, desde que bem elaborados, é isso que torna esses shows divertidos; se quiséssemos coisas mais “realistas” veríamos Marcelo Rezende.
Sem ser brilhante, Endeavour, como o original Inspector Morse, tem histórias com grau de interesse variado e agradará fãs de histórias de detetives tradicionais britânicas, com sua eficiente reconstituição de época, superlativização do intelecto dum individuo sobre o grupo e romantização do crime. 

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