Dossiê Amityville
Em 13 de novembro de 1974, a pacata, pequena e afluente
Amityville, no estado de Nova Iorque, ganhou instantânea notoriedade, quando 6
membros da família DeFeo foram exterminados pelo filho mais velho, até hoje
cumprindo uma de suas 6 prisões perpétuas. Ligações com a máfia e histórias
escabrosas de violência familiar emergiram durante o frenesi midiático seguindo
o crime.
A residência dos DeFeo, uma grande casa de 3 andares, foi
vendida a preço de banana pro casal George e Kathleen Lutz, em 1975. Casal e
filhos começaram a experimentar fenômenos paranormais aterrorizantes desde o
primeiro dia na construção. Fedores, telecinese, enxames de moscas, gosmas
nojentas, levitação, variações brutais de temperatura, mudanças nas
personalidades dos moradores estão entre os acontecimentos fartamente
descritos. 28 dias depois da mudança, os Lutz fugiram de High Hopes (nome da
casa) sem levar absolutamente nada; até a geladeira com alimentos e roupas na
cama foram deixadas pra trás.
Infames e nos holofotes pelos crimes e depois pelas
assombrações, Amityville, casa e cidade, assombraram os noticiários
estadunidenses e de parte do planeta nos anos seguintes e até hoje fascinam alguns.
Notícias de que a propriedade fora construída sobre antigo cemitério indígena,
alegações de que tudo não passou de fabricação dos Lutz, eles mesmos bastante
disfuncionais, alimentaram lucrativa engrenagem pop cultural nos recessivos
anos 70, gerando pautas, teorias conspiratórias, livros e filmes.
Nenhum morador subsequente relatou nada de anormal na
casa, então, parece que a lógica é assim: nos slashers, se você fuma droga/transa,
morre; com casas, se você transgride leis de mercado comprando algo
barato demais, você será assombrado! Mas, como sempre haverá alguém disposto a
pagar por emoções baratas, dá pra lucrar com uma enxurrada de produtos.
A série de (tele(filmes sobre Amityville nunca chamou minha atenção, mas deu um clique e decidi ver o que pude conseguir.
Ficou de fora apenas Amityville Death House (2015) e, claro, a próxima aparição
da casa nas telonas, que acontecerá em abril.
Abaixo, minhas impressões sobre a franquia:
Dependendo da plataforma, The Amityvile Horror (1979)
teve um título no Brasil: A Cidade do Horror, Horror em Amityville e um outro
que não me recordo. Pode ser cult,
mas eita filmezinho chato e mal feito! Só mesmo a martelação prévia incessante
da mídia nas 2 histórias sórdidas explicam a segunda colocação nas bilheterias
norte-americanas em 79. Memorável só a trilha sonora indicada ao Oscar, de
criancinha fazendo lá lá lá, que nunca me saiu da cabeça, provando que devo tê-lo
visto nos anos 80.
São quase 2 horas, onde nada acontece e há tantas cenas
não contribuintes pra história central, que o caráter de picaretagem indie de baixo orçamento assusta mais
que o demo, que nada mais faz do que assustar padre com minienxame de moscas e
jorrar gosma preta das torneiras, traço mantido pelas sequências anos a fio.
Usando todos os clichês de filme de casa mal-assombrada, não é de se duvidar
que The Amityville Horror tenha servido não necessariamente como criador de
algum deles, mas como cristalizador e estandarte para a enxurrada de congêneres
a reboque em seu sucesso. Como a película foi muito vista e fartamente
reexibida em TVs, deve ter virado fita de DNA pra esse tipo de filme, porque
muita coisa deve ter grudado na cabeça de futuros diretores, roteiristas e
cenógrafos. Pegue o recente e superior We Are Still Here e veja como tem cena
de gente no bar local fazendo cara feia pros forasteiros (no primeiro
Sexta-Feira também tem) e as legendas indicando o dia da semana e quantos dias
estão na casa, dizem presente no também atual A Visita.
Se é que ainda signifique
algo, a curiosidade reside na presença de um decadente Rod Steiger fazendo um
padre histérico (ele até tem certos motivos pra isso) e uma Margot Kidder, que
acabara de se tornar superestrela por 18 minutos com o lançamento de
Super-Homem no ano anterior. Ela até que está bem, mas as tranças assombram
mais que o capeta.
Em
1982, italianos e mexicanos fizeram uma prequel
bem mais legal que o filme de 79. Amityville II – a Possessão se passa
supostamente nos anos 70, mas o filhão possuído usa walkman, símbolo do individualismo 80’s. Beleza, faz parte da licença
poético-picareta dessa cópia d’O Exorcista. Uma família ítalo-americana se muda
pra casa mal assombrada e os espíritos dos amaldiçoados índios aproveitam-se
das tensões e taras latentes. Livres dos códigos puritanos ianques e com
vontade de chocar pra atrair público, o roteiro traz estupro, incesto e
assassinatos em família. No começo, parece que é o grosseiro papai o possuído,
mas logo ele desaparece temporariamente (não espere roteiros coerentes nesses
filmes) e vemos que o escolhido é o júnior, que tem até coleção de espingarda.
Tem padre fazendo exorcismo em “latim”, cara e voz distorcidas e, como é
exagero italiano e estamos depois d’A Morte do Demônio, tem diabo saindo
gosmento de cara derretendo. E ainda tem a musiquinha do lá lá lá infantil, que
alterou pra sempre minha percepção desse tipo de canção “inocente”.
-D não é coisa do século XXI; lembro-me de filmes setentistas usando a técnica. Devia ser mais primitivo, mas nada sei a respeito. Como não vejo 3-D, nem procuro saber. No início dos 80’s, houve minifebre tridimensional: tubarão, Jason Voorhees e Amityville entraram na onda. Amityville III – o Demônio (1983) tenta pegar carona no sucesso de Poltergeist (1982 – outra franquia que jamais me interessou, preciso vê-la um dia) e apresenta um grupo de parapsicólogos inundando a casa com equipamentos pra ver o que sucedia depois que um divorciado incrédulo de fenômenos sobrenaturais se muda pra lá. Nesses filmes, a recusa em sequer admitir a possibilidade de que exista algo entre o inferno e a terra vira tão fanática quanto a crença no supra-humano. A Dialética do Obscurantismo. Muito blábláblá e poucas mortes (se bem que uma até que é legal) tornam-no morno; o fuzuê acontece mesmo no fim, resultando em criatura poltergástica saindo de poço pra materializar o demônio. Quase tudo sem graça. Vale como registro duma Meg Ryan muito jovem; mas como a atriz nunca me disse muita coisa (será que já vi outro de seus filmes?), nem pra isso serviu direito.
1989, Amityville foi pra TV, estrelado por Jane Wyatt, a
boazinha e submissa mamãe do Papai Sabe Tudo. Amityville – a Fuga do Mal é puro
charme retrô daqueles filmes televisivos que não podem mostrar muito. Acho que
mesmo pra 89, o filme é 70’s – talvez até 60’s - demais. Agora já não é mais a
casa que é possuída, mas um abajur, que parece árvore seca e retorcida. A
monstruosidade foi comprada em liquidação de garagem na Costa Leste e enviada
de presente pra irmã da compradora, que vive numa enorme casa em cima dum
penhasco a beira-mar na Califórnia. Daí eu via esses filmes na
infância/juventude e jurava que todo norte-americano morava em casa enorme. Ao
longo de anos, ouço o mesmo de incontáveis alunos.
Claro que o abajur veio da amaldiçoada Amityville e
provocará morte, confusão e prejuízo pra família de vovó Wyatt, que também tem
de lidar com a chegada da filha viúva e seus 3 filhos, uma das quais pensa
falar com o falecido papi e é a isca pras obras de Satanás. Mas, há um padre na
Costa Leste que tem histórico nunca muito esclarecido com a casa e voa pra
Califórnia pra ajudar, mas tendo Wyatt no elenco, o holofote vira pra ela.
A cena do pássaro no forno
elétrico me fez lembrar que vira o telefilme. Ainda bem que não estocamos tudo,
senão seria uma lixeira não reciclável a cachola. Atenção pro final, pra ver quem será o novo
endemoniado, embora a ideia não tenha ganhado sequência, ainda bem, porque é
bobinho. Mas esse filme divertiu.
Nos
90’s, Zé do Caixão apresentava o Cine Trash na Band. O nome da sessão já a
explicava. Vendo o canadense Amityville 5 – A Maldição, supus que nem a Band o
compraria praquela sessão; o filme é material pra extinta Rede Mulher. Fingindo
que a locação e os atores são norte-americanos – bota música country num bar e
pronto, é EUA! – a produção mambembe arrasta-se com elenco de rejeitos de
teatro amador de cidade interiorana numa trama que não sabe se é de casa mal
assombrada ou de thriller de serial
killler. Seja o que for, nada funciona e chega a quase dar dó quando vemos
a produção acreditar que tarântula andando no peito de alguém dormindo ainda
causava medo. O próprio Zé do Caixão fizera isso, mas uma geração antes. A
trama tem a ver com uma casa onde vivia um padre assassinado durante uma confissão.
Há filmes que de tão ruins são bons; esse de tão ruim é só ruim.
Em
1992, saiu direto em vídeo, Amityville: Uma Questão de Hora. O trocadilho com o
lugar-comum da honra é porque um relógio trazido de Amityville assombrará casa suburbana
na Costa Oeste. Depois que o arquiteto instala o objeto em sua sala de estar,
alucinações, mortes (poucas e sem graça) e ataques de cães começam a infernizar
sua vida, de seu casal de filhos e de sua ex-namorada que estava na casa
cuidando dos teens, enquanto papai
viajava e fica lá depois que é mordido por um cão. Como já estamos nos 90’s, as
cenas da ferida são nojentinhas, mas tudo é muito burocrático, as casas por
demais padronizadas (a casa original vira fantasma aparecendo no lugar da do
subúrbio!), as pessoas por demais customizadas. A cena em que o boneco de nariz
pontiagudo despenca do alto da van de entrega me fez lembrar que já vira isso
nos pantanosos 90’s. Nesses filmes, o diabo tem poder pra rachar asfalto, mas
contenta-se com tão pouco, não? Dominar uma casa sem graça? Porque não a Casa
Branca e controlar o mundo? Ou agora teria que ser a casa do Yeltsin ou do premiê
chinês?
Amityville
7 – Uma Nova Geração (19993) continua o bazar da pechincha da casa. Dessa vez é
um espelho que um mendigo presenteia a um fotógrafo de arte, o catalisador do
horror, que vem em forma branda por alucinações e reviravolta na trama,
pressentida e nada a ver. Reconheço meu preconceito e desgosto com muito dos
anos 90, mas esse filme apresenta um bando de jovens artistas vivendo num
idealizado prédio abandonado numa área pobre da metrópole. Squatters de butique. Vestem roupas xadrez de flanela à lenhador grunge e o protagonista tem cabelo
cuidadosamente desalinhado, além de corpão de academia. Foi a partir dessa
década que todo bofe de filme tinha que ser sarado? Kevin Bacon não teria tido
chance nos 90’s (não que isso importe pra mim, mas....). Na década em que o
pavoroso Enigma uniu canto gregoriano a electronica
séquici, não podia faltar cena de sino-americana (multiculturalismo!) dançando
ao som duma coisa gótica de freira, antes que o espelho a faça se enforcar.
Aff.
Filmes
de baixo orçamento frequentemente gastam preciosos 2/3 de sua grana pra cena da
explosão final e é esse o caso de Amityville 8 – A Casa Maldita (1996), onde os
fogos de artifício de encerramento pretendem compensar uma produção que se não
é tão ruim de ver também nada adiciona. Provando de novo que o diabo entende de
geopolítica, ele assombra a casa de bonecas duma menina de classe média que tem
família tentando se ajustar a novas realidades, portanto, vulnerável a inci/acidentes,
que afinal não acontecem tanto, mais é falação. A casa de bonecas é réplica da
original de Amityvlle e acaba no quarto da garotinha, porque os diabretes que
vivem no brinquedo fizeram o carro de seu papai amassar o que seria seu
presente de aniversário. Se têm tanto
poder assim mesmo longe das pessoas, não se sabe bem porque a casa tem que
acabar no quarto da garotinha, que sequer é possuída. Olha eu tentando achar
lógica prum roteiro desses! Mas poderia ter, afinal, verossimilhança é processo
interno, mas quem liga, né?
Em
2005, Horror em Amityville reutilizou livro e roteiro originais e saiu-se com
produto superior ao de 1979. Não é grande filme, mas não é soporífero como o
dos 70’s. A família é tão “misturada” quanto a do da casa de bonecas: o casal
tem filhos de relações anteriores, portanto, propícia a ser atacada por forças
desestabilizadoras. No elenco, Melissa
George, que seria uma das pacientes mais marcantes da versão norte-americana de
In Treatment. Será que a verdadeira maldição
de Amityvile é sua incapacidade de gerar gemas assombradas como A Troca (1980),
Os Outros (2001) ou A Casa do Demônio (2009), apenas 3 exemplos duma lista de
superiores?
Em
2011, The Amityvillle Haunting chegou pra competir no quesito pior uso da
franquia. Nessa filmagem enganosa, o baixo orçamento da infame produtora The
Asylum tentou ser disfarçado com um found
footage film, mas nem isso funciona. Talvez um dos prazeres desse subgênero
seja o suspense pelo que possa acontecer nas imagens ruins, distorcidas ou
longínquas de câmeras de distintas resoluções. Aqui quase nada acontece: de
cerca de 90 minutos, uns 7 contém algo, o resto é só falação ou imagens mortas.
O interior da casa é apertado demais pra condizer com o exterior mostrado - que
não é o original, falsamente impresso na capa do DVD. A casa fica anos
desocupada, mas está limpinha e com eletricidade. E o que dizer das certidões
de óbito mostradas antes dos créditos finais, onde “extreme” está soletrado
“extream”? Analfabetismo funcional cinematográfico. Tentativa mendiga de copiar
Paranormal Activity. Se naquele filme desisti no trigésimo minuto, porque
enlouquecia de tédio, só cheguei ao fim desse por vocês, leitores.
Em
2013, os britânicos escarafuncharam o fundo do poço e usaram a fama da casa
mal-assombrada ianque pro genérico e horrível The Amityville Asylum. Uma moça que perdera a mãe recentemente
arruma emprego como faxineira noturna dum sanatório, onde todo mundo é esquisito
de doer. Logo começa a ter visões e ao investigar descobre que o edifício fora
construído no terreno onde outrora estivera a casa afantasmada (a casa de
verdade ainda existe nos EUA, nada a ver). Meio que dá pra intuir qual o final
de Lisa, não? Tendo visões em um sanatório.... Mas, não é bem assim que
termina. Com sede por plot twists, o
“roteirista” fez um final estúpido. Bem, pelo menos está de acordo com o
restante do filme. Ingleses tentando imitar sotaque norte-americano, edição
amadora incapaz de provocar suspense, cenas desnecessárias, como quando o
colega legal de Liza explica detalhadamente pra que serve cada produto químico
de limpeza e depois isso não serve pra nada na narrativa.
The Amityville Playhouse (2015) é outra bomba feita fora
do território norte-americano, mas que usa a “mística” da marca Amityvillle.
Uma garota cujos pais morreram queimados herda várias propriedades, dentre elas
um cinema abandonado em Amityvillle. Sabe-se lá por que cargas d’água, ela e um
grupo de amigos beligerantes decidem passar o fim de semana no edifício
abandonado e começam a experienciar sinais e sintomas da fantasmagoria. Mais
gente péssima, péssima, péssima, tentando imitar sotaque ianque, mais cenas pra
encher linguiça, como a subtrama do professor que tenta ajudar a garota. Até aí
tudo bem, mas precisava mostrá-lo antes de sair de sua original Inglaterra
tomando cerveja e discutindo sobre ciência x religião, quando isso não
contribui nada pra história? O elenco é tão ruim e a história tão clichê –
aquela coisa de cidade pequena conchavada num pacto com o Tinhoso – que até dá
pra encaixar na categoria “é tão ruim que é bom” ao contrário dos 2 anteriores. Ah, e repare
como no trailer eles mentem descaradamente dizendo que é baseado em fatos.
Depois diz que brasileiro que é picareta. Acho que essa podreira é canadense.
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