quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

TELONA QUENTE 147

Dossiê Amityville

Roberto Rillo Bíscaro

Em 13 de novembro de 1974, a pacata, pequena e afluente Amityville, no estado de Nova Iorque, ganhou instantânea notoriedade, quando 6 membros da família DeFeo foram exterminados pelo filho mais velho, até hoje cumprindo uma de suas 6 prisões perpétuas. Ligações com a máfia e histórias escabrosas de violência familiar emergiram durante o frenesi midiático seguindo o crime.
A residência dos DeFeo, uma grande casa de 3 andares, foi vendida a preço de banana pro casal George e Kathleen Lutz, em 1975. Casal e filhos começaram a experimentar fenômenos paranormais aterrorizantes desde o primeiro dia na construção. Fedores, telecinese, enxames de moscas, gosmas nojentas, levitação, variações brutais de temperatura, mudanças nas personalidades dos moradores estão entre os acontecimentos fartamente descritos. 28 dias depois da mudança, os Lutz fugiram de High Hopes (nome da casa) sem levar absolutamente nada; até a geladeira com alimentos e roupas na cama foram deixadas pra trás.
Infames e nos holofotes pelos crimes e depois pelas assombrações, Amityville, casa e cidade, assombraram os noticiários estadunidenses e de parte do planeta nos anos seguintes e até hoje fascinam alguns. Notícias de que a propriedade fora construída sobre antigo cemitério indígena, alegações de que tudo não passou de fabricação dos Lutz, eles mesmos bastante disfuncionais, alimentaram lucrativa engrenagem pop cultural nos recessivos anos 70, gerando pautas, teorias conspiratórias, livros e filmes.
Nenhum morador subsequente relatou nada de anormal na casa, então, parece que a lógica é assim: nos slashers, se você fuma droga/transa, morre; com casas, se você transgride leis de mercado comprando algo barato demais, você será assombrado! Mas, como sempre haverá alguém disposto a pagar por emoções baratas, dá pra lucrar com uma enxurrada de produtos.     
A série de (tele(filmes sobre Amityville nunca chamou minha atenção, mas deu um clique e decidi ver o que pude conseguir. Ficou de fora apenas Amityville Death House (2015) e, claro, a próxima aparição da casa nas telonas, que acontecerá em abril.
Abaixo, minhas impressões sobre a franquia:

Dependendo da plataforma, The Amityvile Horror (1979) teve um título no Brasil: A Cidade do Horror, Horror em Amityville e um outro que não me recordo. Pode ser cult, mas eita filmezinho chato e mal feito! Só mesmo a martelação prévia incessante da mídia nas 2 histórias sórdidas explicam a segunda colocação nas bilheterias norte-americanas em 79. Memorável só a trilha sonora indicada ao Oscar, de criancinha fazendo lá lá lá, que nunca me saiu da cabeça, provando que devo tê-lo visto nos anos 80.
São quase 2 horas, onde nada acontece e há tantas cenas não contribuintes pra história central, que o caráter de picaretagem indie de baixo orçamento assusta mais que o demo, que nada mais faz do que assustar padre com minienxame de moscas e jorrar gosma preta das torneiras, traço mantido pelas sequências anos a fio. Usando todos os clichês de filme de casa mal-assombrada, não é de se duvidar que The Amityville Horror tenha servido não necessariamente como criador de algum deles, mas como cristalizador e estandarte para a enxurrada de congêneres a reboque em seu sucesso. Como a película foi muito vista e fartamente reexibida em TVs, deve ter virado fita de DNA pra esse tipo de filme, porque muita coisa deve ter grudado na cabeça de futuros diretores, roteiristas e cenógrafos. Pegue o recente e superior We Are Still Here e veja como tem cena de gente no bar local fazendo cara feia pros forasteiros (no primeiro Sexta-Feira também tem) e as legendas indicando o dia da semana e quantos dias estão na casa, dizem presente no também atual A Visita.
Se é que ainda signifique algo, a curiosidade reside na presença de um decadente Rod Steiger fazendo um padre histérico (ele até tem certos motivos pra isso) e uma Margot Kidder, que acabara de se tornar superestrela por 18 minutos com o lançamento de Super-Homem no ano anterior. Ela até que está bem, mas as tranças assombram mais que o capeta. 

Em 1982, italianos e mexicanos fizeram uma prequel bem mais legal que o filme de 79. Amityville II – a Possessão se passa supostamente nos anos 70, mas o filhão possuído usa walkman, símbolo do individualismo 80’s. Beleza, faz parte da licença poético-picareta dessa cópia d’O Exorcista. Uma família ítalo-americana se muda pra casa mal assombrada e os espíritos dos amaldiçoados índios aproveitam-se das tensões e taras latentes. Livres dos códigos puritanos ianques e com vontade de chocar pra atrair público, o roteiro traz estupro, incesto e assassinatos em família. No começo, parece que é o grosseiro papai o possuído, mas logo ele desaparece temporariamente (não espere roteiros coerentes nesses filmes) e vemos que o escolhido é o júnior, que tem até coleção de espingarda. Tem padre fazendo exorcismo em “latim”, cara e voz distorcidas e, como é exagero italiano e estamos depois d’A Morte do Demônio, tem diabo saindo gosmento de cara derretendo. E ainda tem a musiquinha do lá lá lá infantil, que alterou pra sempre minha percepção desse tipo de canção “inocente”.

-D não é coisa do século XXI; lembro-me de filmes setentistas usando a técnica. Devia ser mais primitivo, mas nada sei a respeito. Como não vejo 3-D, nem procuro saber. No início dos 80’s, houve minifebre tridimensional: tubarão, Jason Voorhees e Amityville entraram na onda. Amityville III – o Demônio (1983) tenta pegar carona no sucesso de Poltergeist (1982 – outra franquia que jamais me interessou, preciso vê-la um dia) e apresenta um grupo de parapsicólogos inundando a casa com equipamentos pra ver o que sucedia depois que um divorciado incrédulo de fenômenos sobrenaturais se muda pra lá. Nesses filmes, a recusa em sequer admitir a possibilidade de que exista algo entre o inferno e a terra vira tão fanática quanto a crença no supra-humano. A Dialética do Obscurantismo. Muito blábláblá e poucas mortes (se bem que uma até que é legal) tornam-no morno; o fuzuê acontece mesmo no fim, resultando em criatura poltergástica saindo de poço pra materializar o demônio. Quase tudo sem graça. Vale como registro duma Meg Ryan muito jovem; mas como a atriz nunca me disse muita coisa (será que já vi outro de seus filmes?), nem pra isso serviu direito.

1989, Amityville foi pra TV, estrelado por Jane Wyatt, a boazinha e submissa mamãe do Papai Sabe Tudo. Amityville – a Fuga do Mal é puro charme retrô daqueles filmes televisivos que não podem mostrar muito. Acho que mesmo pra 89, o filme é 70’s – talvez até 60’s - demais. Agora já não é mais a casa que é possuída, mas um abajur, que parece árvore seca e retorcida. A monstruosidade foi comprada em liquidação de garagem na Costa Leste e enviada de presente pra irmã da compradora, que vive numa enorme casa em cima dum penhasco a beira-mar na Califórnia. Daí eu via esses filmes na infância/juventude e jurava que todo norte-americano morava em casa enorme. Ao longo de anos, ouço o mesmo de incontáveis alunos.
Claro que o abajur veio da amaldiçoada Amityville e provocará morte, confusão e prejuízo pra família de vovó Wyatt, que também tem de lidar com a chegada da filha viúva e seus 3 filhos, uma das quais pensa falar com o falecido papi e é a isca pras obras de Satanás. Mas, há um padre na Costa Leste que tem histórico nunca muito esclarecido com a casa e voa pra Califórnia pra ajudar, mas tendo Wyatt no elenco, o holofote vira pra ela.
A cena do pássaro no forno elétrico me fez lembrar que vira o telefilme. Ainda bem que não estocamos tudo, senão seria uma lixeira não reciclável a cachola.  Atenção pro final, pra ver quem será o novo endemoniado, embora a ideia não tenha ganhado sequência, ainda bem, porque é bobinho. Mas esse filme divertiu. 

Nos 90’s, Zé do Caixão apresentava o Cine Trash na Band. O nome da sessão já a explicava. Vendo o canadense Amityville 5 – A Maldição, supus que nem a Band o compraria praquela sessão; o filme é material pra extinta Rede Mulher. Fingindo que a locação e os atores são norte-americanos – bota música country num bar e pronto, é EUA! – a produção mambembe arrasta-se com elenco de rejeitos de teatro amador de cidade interiorana numa trama que não sabe se é de casa mal assombrada ou de thriller de serial killler. Seja o que for, nada funciona e chega a quase dar dó quando vemos a produção acreditar que tarântula andando no peito de alguém dormindo ainda causava medo. O próprio Zé do Caixão fizera isso, mas uma geração antes. A trama tem a ver com uma casa onde vivia um padre assassinado durante uma confissão. Há filmes que de tão ruins são bons; esse de tão ruim é só ruim. 

Em 1992, saiu direto em vídeo, Amityville: Uma Questão de Hora. O trocadilho com o lugar-comum da honra é porque um relógio trazido de Amityville assombrará casa suburbana na Costa Oeste. Depois que o arquiteto instala o objeto em sua sala de estar, alucinações, mortes (poucas e sem graça) e ataques de cães começam a infernizar sua vida, de seu casal de filhos e de sua ex-namorada que estava na casa cuidando dos teens, enquanto papai viajava e fica lá depois que é mordido por um cão. Como já estamos nos 90’s, as cenas da ferida são nojentinhas, mas tudo é muito burocrático, as casas por demais padronizadas (a casa original vira fantasma aparecendo no lugar da do subúrbio!), as pessoas por demais customizadas. A cena em que o boneco de nariz pontiagudo despenca do alto da van de entrega me fez lembrar que já vira isso nos pantanosos 90’s. Nesses filmes, o diabo tem poder pra rachar asfalto, mas contenta-se com tão pouco, não? Dominar uma casa sem graça? Porque não a Casa Branca e controlar o mundo? Ou agora teria que ser a casa do Yeltsin ou do premiê chinês?  

Amityville 7 – Uma Nova Geração (19993) continua o bazar da pechincha da casa. Dessa vez é um espelho que um mendigo presenteia a um fotógrafo de arte, o catalisador do horror, que vem em forma branda por alucinações e reviravolta na trama, pressentida e nada a ver. Reconheço meu preconceito e desgosto com muito dos anos 90, mas esse filme apresenta um bando de jovens artistas vivendo num idealizado prédio abandonado numa área pobre da metrópole. Squatters de butique. Vestem roupas xadrez de flanela à lenhador grunge e o protagonista tem cabelo cuidadosamente desalinhado, além de corpão de academia. Foi a partir dessa década que todo bofe de filme tinha que ser sarado? Kevin Bacon não teria tido chance nos 90’s (não que isso importe pra mim, mas....). Na década em que o pavoroso Enigma uniu canto gregoriano a electronica séquici, não podia faltar cena de sino-americana (multiculturalismo!) dançando ao som duma coisa gótica de freira, antes que o espelho a faça se enforcar. Aff.

Filmes de baixo orçamento frequentemente gastam preciosos 2/3 de sua grana pra cena da explosão final e é esse o caso de Amityville 8 – A Casa Maldita (1996), onde os fogos de artifício de encerramento pretendem compensar uma produção que se não é tão ruim de ver também nada adiciona. Provando de novo que o diabo entende de geopolítica, ele assombra a casa de bonecas duma menina de classe média que tem família tentando se ajustar a novas realidades, portanto, vulnerável a inci/acidentes, que afinal não acontecem tanto, mais é falação. A casa de bonecas é réplica da original de Amityvlle e acaba no quarto da garotinha, porque os diabretes que vivem no brinquedo fizeram o carro de seu papai amassar o que seria seu presente de aniversário.  Se têm tanto poder assim mesmo longe das pessoas, não se sabe bem porque a casa tem que acabar no quarto da garotinha, que sequer é possuída. Olha eu tentando achar lógica prum roteiro desses! Mas poderia ter, afinal, verossimilhança é processo interno, mas quem liga, né?

Em 2005, Horror em Amityville reutilizou livro e roteiro originais e saiu-se com produto superior ao de 1979. Não é grande filme, mas não é soporífero como o dos 70’s. A família é tão “misturada” quanto a do da casa de bonecas: o casal tem filhos de relações anteriores, portanto, propícia a ser atacada por forças desestabilizadoras.  No elenco, Melissa George, que seria uma das pacientes mais marcantes da versão norte-americana de In Treatment.  Será que a verdadeira maldição de Amityvile é sua incapacidade de gerar gemas assombradas como A Troca (1980), Os Outros (2001) ou A Casa do Demônio (2009), apenas 3 exemplos duma lista de superiores?  

Em 2011, The Amityvillle Haunting chegou pra competir no quesito pior uso da franquia. Nessa filmagem enganosa, o baixo orçamento da infame produtora The Asylum tentou ser disfarçado com um found footage film, mas nem isso funciona. Talvez um dos prazeres desse subgênero seja o suspense pelo que possa acontecer nas imagens ruins, distorcidas ou longínquas de câmeras de distintas resoluções. Aqui quase nada acontece: de cerca de 90 minutos, uns 7 contém algo, o resto é só falação ou imagens mortas. O interior da casa é apertado demais pra condizer com o exterior mostrado - que não é o original, falsamente impresso na capa do DVD. A casa fica anos desocupada, mas está limpinha e com eletricidade. E o que dizer das certidões de óbito mostradas antes dos créditos finais, onde “extreme” está soletrado “extream”? Analfabetismo funcional cinematográfico. Tentativa mendiga de copiar Paranormal Activity. Se naquele filme desisti no trigésimo minuto, porque enlouquecia de tédio, só cheguei ao fim desse por vocês, leitores. 

Em 2013, os britânicos escarafuncharam o fundo do poço e usaram a fama da casa mal-assombrada ianque pro genérico e horrível The Amityville Asylum.  Uma moça que perdera a mãe recentemente arruma emprego como faxineira noturna dum sanatório, onde todo mundo é esquisito de doer. Logo começa a ter visões e ao investigar descobre que o edifício fora construído no terreno onde outrora estivera a casa afantasmada (a casa de verdade ainda existe nos EUA, nada a ver). Meio que dá pra intuir qual o final de Lisa, não? Tendo visões em um sanatório.... Mas, não é bem assim que termina. Com sede por plot twists, o “roteirista” fez um final estúpido. Bem, pelo menos está de acordo com o restante do filme. Ingleses tentando imitar sotaque norte-americano, edição amadora incapaz de provocar suspense, cenas desnecessárias, como quando o colega legal de Liza explica detalhadamente pra que serve cada produto químico de limpeza e depois isso não serve pra nada na narrativa. 

The Amityville Playhouse (2015) é outra bomba feita fora do território norte-americano, mas que usa a “mística” da marca Amityvillle. Uma garota cujos pais morreram queimados herda várias propriedades, dentre elas um cinema abandonado em Amityvillle. Sabe-se lá por que cargas d’água, ela e um grupo de amigos beligerantes decidem passar o fim de semana no edifício abandonado e começam a experienciar sinais e sintomas da fantasmagoria. Mais gente péssima, péssima, péssima, tentando imitar sotaque ianque, mais cenas pra encher linguiça, como a subtrama do professor que tenta ajudar a garota. Até aí tudo bem, mas precisava mostrá-lo antes de sair de sua original Inglaterra tomando cerveja e discutindo sobre ciência x religião, quando isso não contribui nada pra história? O elenco é tão ruim e a história tão clichê – aquela coisa de cidade pequena conchavada num pacto com o Tinhoso – que até dá pra encaixar na categoria “é tão ruim que é bom”  ao contrário dos 2 anteriores. Ah, e repare como no trailer eles mentem descaradamente dizendo que é baseado em fatos. Depois diz que brasileiro que é picareta. Acho que essa podreira é canadense.

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